"Revisão contratual é muito importante e necessária", Danilo de Oliveira, advogado
Por Ted Sartori/#Santaportal em 07/04/2020 às 11:11
CORONAVÍRUS – Danilo de Oliveira, advogado especialista em Direito Público e professor da Unisanta, participou do Bom Dia Cidades, da Santa Cecília TV. O profissional também conversou com o #Santaportal , a respeito de renegociação de contratos em tempos de coronavírus.
Em meio à pandemia de coronavírus, o que a área do Direito Público pode contribuir para ajudar e aconselhar as pessoas que vivem algum problema ocasionado por essa situação?
Hoje uma das grandes dúvidas que existem diz respeito à continuidade ou não dos contratos, principalmente dos contratos de fornecimento e prestação de serviços. O nosso Direito Civil e o nosso Código de Defesa do Consumidor trazem previsões de hipóteses como essa, de força maior, em que a gente tenha um evento inevitável, que é a pandemia. E, consequentemente, a decretação do estado de calamidade pública. Como regra, tradicionalmente quando um prestador de serviços não tem condições de cumprir com as obrigações dele, o contrato fica rescindido. Por parte do consumidor, que tem o dever de pagar pelo serviço ou o dever de pagar por prestações, imagine aqui, mudando um pouco a figura do contrato, em um contrato de aluguel. Pode ser que o inquilino, que o devedor, por questão de desemprego, por questão de diminuição de renda, não consiga pagar a integralidade do aluguel ou parte dele. Nestes casos, em vez da rescisão contratual, a gente trabalha muito com a figura da onerosidade excessiva, que permite a renegociação. Ou melhor, não é nem que ela permita. O entendimento moderno, mais atual, é que existe um dever de ambos os contratantes, implícito em todos os contratos, de que as partes devem cooperar para readequar as cláusulas contratuais dentro de uma circunstância nova. O que não é novo. É já bem antigo. Tem origens na França, na Roma Antiga, enfim, não é algo novo, mas que se resgata. Durante um tempo se prestigiou a liberdade contratual e o pacto a ponto de não se ver com bons olhos a revisão.
E atualmente?
Atualmente não. A revisão contratual é muito importante e necessária, em nossa opinião. Ela está prevista e imposta no Direito para que a gente possa, de alguma maneira, preservar as partes. E preservar o contrato, a geração de riquezas, para que não haja o superendividamento do consumidor.
Mas há também aquela expressão mágica, o bom senso…
Perfeito. A gente ouve muito falar em bom senso. Isso é importante. Porque esse bom senso, esse dever de cooperação está previsto em lei. Temos diversos artigos no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil, que tratam do bom senso. Vamos pensar nas pessoas que tinham marcado casamentos e formaturas. O fornecedor não tem como cumprir aquela prestação. Neste caso, o Código Civl fala na rescisão do contrato.
E nem as festas podem acontecer em razão da pandemia…
Exatamente. Então qual o direito do consumidor? Ter a devolução integral do valor. Agora, onde que entra a questão do equilíbrio contratual, do bom senso? Será que durante esse período de preparação do evento o fornecedor já não trabalhou? Será que ele não teve nenhum gasto? Então caberia, de repente, negociar uma proporcionalidade, o quanto valeu o tempo, a energia, o investimento daquele fornecedor. Não sei, 10% do contrato, 20%, é isso que precisa ser pensado. Por mais que o consumidor não tenha culpa. Quando a gente fala em casos de força maior e onerosidade excessiva, nenhuma das partes deu causa e tem culpa. Tem que tentar manter esse equilíbrio. E é muito importante essa questão da negociação, seja por meio de advogados ou por facilitadores, como mediadores, conciliadores. Claro que as sessões agora devem ser online, por conta da pandemia. Mas a gente tem que evitar abarrotar ainda mais o Poder Judiciário. Já temos contato com algumas decisões judiciais que têm imposto, determinado a redução dos valores dos alugueis por conta da pandemia. Talvez esse bom senso, como a gente fala popularmente, precisa ser mais exercitado e por meio desses facilitadores.
E as atitudes por parte do Governo junto às companhias de fornecimento de gás, por exemplo, que impede o corte até 31 de maio? O que o senhor tem achado? Isso não deveria se estender para outros tantos serviços cobrados mensalmente?
Alguns governos estaduais já estão adotando estas medidas. No Governo Federal, está em tramitação um projeto de lei que já foi aprovado no Senado e agora vai para Câmara tratando da suspensão da cobrança de alguns serviços. Isso é, na verdade, uma medida necessária. A nossa opinião é que tudo isso já está previsto na legislação. Mas é preciso, é uma cultura brasileira, que seja editada uma lei explicando o que já está na lei e na Constituição. O devedor não pode ser considerado em mora quando uma circunstância alheia à vontade dele impede o pagamento. Então essa prorrogação do prazo para pagamento, essa suspensão já está prevista em lei. É a tal da dilação da mora, que é quando uma circunstância alheia à vontade do devedor impede que ele cumpra com sua obrigação, que é o pagamento, principalmente o de serviços essenciais. Ele não pode sequer pagar os juros, cláusulas penais, que são as multas. Isso já está no nosso ordenamento. Só que nós precisamos resgatar isso com clareza, de uma forma transparente, sem muitos nomes em latim, para que a população em geral possa compreender isso, principalmente o credor. Tem muito credor que sobrevive de alugueis, por exemplo. Então é importante buscar o equilíbrio. Quando a gente fala em bom senso é o equilíbrio. Para se ter noção, na Alemanha, por exemplo, foi editada uma norma que durante três meses, a partir de março, o devedor não seria constituído em mora. Como eu disse, no Brasil há um projeto de lei explicando o que já está no Código Civil, que já estaria no Código de Defesa do Consumidor, mas talvez seja importante acelerar isso para que as partes tenham maior tranquilidade. É extremamente necessário.
No entanto, isso não signfica inadimplência…
Exatamente. Não significa que os governos estejam prestigiando o mau pagador. Até porque essa dilação da mora pode ser revertida se o credor demonstrar a intenção de inadimplemento ou inadimplência do devedor, a fraude, a má-fé. Então é imporante entender que é uma maneira de salvaguardar a economia, a circulação de riquezas. Porque se é importante e é primordial, me parece, cuidar da saúde das pessoas por meio de isolamento social e outras atitudes, também é preciso olhar para a economia, para a sobrevivência, até porque a gente vai passar por mais um período de isolamento social.