10/07/2021

Inspirada por divas da música, Magenta enfrentou o medo, mas brilha nos palcos

Por Noelle Neves em 10/07/2021 às 16:11

Assistir as performances de Christina Aguilera, Britney Spears e Beyoncé inspira o maquiador Christian da Silva Marcelo, de 27 anos, até hoje. Mas durante a infância e a adolescência, os movimentos precisos e coreografados causavam empolgação. Eram horas dançando em frente ao espelho e imitando, na medida do possível, cada passo.

Essa atividade era uma das principais maneiras de se divertir. Infelizmente, precisava dublar escondido. Era uma válvula de escape, assim como pintar, desenhar e arquitetar casas em lego.

Conforme ia crescendo, entendia mais e mais seus sentimentos em relação a pessoas do mesmo gênero. Até que um dia, entendeu sua homossexualidade. “Na verdade, eu sempre soube e sempre estive ok com o fato de ser gay, mas tinha medo de me assumir publicamente e precisar enfrentar a discriminação”, contou em entrevista ao Santa Portal.

Assim como ele, os pais e colegas da escola também perceberam, já que “dava alguns sinais”. Na escola, enfrentou o bullying. Em casa, a falta de aceitação do pai e a apreensão da mãe pelo que poderia sofrer.  

“Meus pais são divorciados. Com meu pai e com a família dele, não tenho mais contato desde os 15 anos. Minha mãe é minha maior amiga, a pessoa que me acompanha e apoia em qualquer coisa que eu me meta”, disse.

Christian passou a viver a vida fora do armário com orgulho e muito amor próprio. A única aceitação importante é de quem ama.

Arquivo pessoal

Um novo emprego

“Sempre admirei drags brasileiras na televisão. Geralmente, as humoristas ou as que performavam o bate-cabelo, mas não me identificava. Até que em 2013, comecei a assistir um reality show de competição de drags queens amercianas. Fiquei encantado e me via fazendo aqui. Tentei deixar para lá, porque acreditava não havia mercado para isso no Brasil”, relatou o maquiador.

No entanto, na primeira vez que pisou em uma boate LGBTQIA+ e viu toda a diversidade, soube que era o que queria fazer. Foi assim que nasceu a Magenta.

A experiência na faculdade de produção multimídia e no trabalho como maquiador ajudaram bastante a começar a carreira já com certa qualidade. Mas o medo e o perfeccionismo fizeram com a primeira apresentação demorasse a acontecer.

“Pratiquei sozinho trancado no meu quarto durante mais de um ano até me sentir satisfeito com a minha maquiagem, minha postura de salto e a concepção da persona estar do jeito que eu idealizei. E estou aqui desde 2017, vivendo esse sonho que eu jamais imaginei que eu fosse viver”

Christian Marcelo, maquiador e drag queen

A primeira vez que ele decidiu expor a Magenta em público já foi em um trabalho em boate. Quando se sentiu satisfeito com as habilidades, mostrou fotos para um produtor conhecido e pediu emprego “na caruda”.

A vivência foi recepcionando uma festa. Para ele, era um misto de medo e empolgação, junto da certeza de que era isso que queria fazer profissionalmente dali em diante. Mesmo com a dor absurda que ficou por dias, porque nunca tinha usado salto por mais de dez minutos, não via a hora de fazer de novo.

Saindo do armário pela segunda vez

“Nas primeiras vezes, tudo foi escondido da minha mãe, era uma loucura. Depois do terceiro ou quarto evento, assumi minha nova realidade. Arrumei as malas e comecei a conversa. Eu entenderia se fosse demais para ela assimilar. Ali, ela confessou dificuldade para entender algumas coisas, mas se mostrou disposta a aprender. Fizemos a maior declaração de amor um para o outro”, contou.

Até hoje, mora com ela. E o quarto de hospedes ganhou uma nova dona: Magenta. Está lotado de saltos, plumas e perucas.

Depois da primeira apresentação, decidiu mergulhar de cabeça nessa carreira. Foi montado em todas as boates LGBQIA+ que conhecia na época e fez questão de conhecer os organizadores do evento para tentar garantir mais trabalhos.

Durante certo tempo, se dedicou a recepção de eventos. Só depois arriscou a performar em um palco. A adrenalina não muda. “Três minutos parecem horas quando estou dançando e dublando. É maravilhoso. Não dá medo, insegurança ou qualquer coisa do tipo. Só dou o meu melhor”, declarou.

Já são quatro anos conciliando a vida de maquiador com a de drag queen: “é um trabalho como qualquer outro. A gente luta muito para conseguir levar o entretenimento que a gente leva para as pessoas e fazer parecer que isso é natural. Porém, existe muita dedicação, pouco recurso, muito ensaio, preparação, dor nas costas, nos pés, pouco sono e muita ansiedade envolvidos no processo”, definiu.

Magenta, em sua breve carreira, já é conhecida na Baixada Santista e faz sucesso nas mídias sociais pelas performances, maquiagens e fotos super produzidas.

Arquivo pessoal

A vida real é diferente da ficção

Muito embora mais e mais artistas estejam ocupando espaços e dando visibilidade para drag queens, para Christian, ainda há certa dificuldade de entender a individualidade do outro. “Nem todas as drags são iguais”, destacou.

Como homem gay, os desafios apareceram desde a infância. Não se lembra quando começaram as piadinhas e xingamentos na escola, rua ou dentro de casa, feitos pelo próprio pai. Geralmente, os comentários maldosos que vêm mascarados de piadas inocentes são os que mais machucam. Para o maquiador, são os que mais machucam.

“Surpreendentemente, enquanto Magenta, nunca tive experiências do tipo. Sempre saio na rua montado de cabeça erguida no caminho para os meus compromissos, pego transporte público e nunca tive grandes problemas com preconceito. Muito pelo contrário, pessoas com frequência me abordam para pedir uma foto ou para elogiar o trabalho. Mas sei que isso é um grande privilégio que eu tenho, porque minhas colegas de trabalho quase todas têm histórias bem assustadoras para contar”, explicou.

De acordo com ele, a comunidade tem tentado provar exaustivamente para a sociedade a necessidade de respeito, equidade e respeitos básicos.

“É importante que nós sempre façamos a nossa voz ser ouvida, precisamos ter interesse em política e toda a sujeira que esse mundo envolve. Porque se a gente não se interessar em lutar pelos nossos direitos, sempre vai ter alguém interessado em lutar para tirar de nós. Não é fácil, é extremamente cansativo. Mas eu não faço isso só por mim, eu faço para que os futuros Christians e Magentas que vão nascer nas próximas gerações tenham uma vida melhor e mais oportunidades do que nós estamos tendo agora, assim como pessoas que vieram antes da gente lutaram para que a gente possa ter o pouco que a gente já tem”

Christian Marcelo, maquiador e drag queen
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