TJ-SP determina perícia e depoimentos em ação de ex-coroinha contra padre de Guarujá
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 26/10/2025 às 06:00
A 12ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que sejam tomados os depoimentos de um jovem e um padre nos autos de uma ação de indenização por dano moral. O primeiro acusa o segundo de abusá-lo sexualmente quando era adolescente e atuava como coroinha na paróquia comandada pelo religioso. O colegiado também ordenou que ambos sejam submetidos a avaliação psicológica.
“Em um caso em que os fatos alegados para justificar o pedido de indenização se passavam entre quatro paredes, os depoimentos pessoais das partes se mostram absolutamente necessários. Considerada a matéria em discussão, a instrução processual sem a tomada de depoimentos, data venia, seria capenga”, anotou o desembargador Castro Figliolia, relator do agravo de instrumento interposto pelo ex-coroinha.
As advogadas Dilene de Jesus Miranda e Andressa Fraga representam o autor. Elas requereram os depoimentos e as avaliações psicológicas de ambas as partes sob o argumento de que tais provas são imprescindíveis para o deslinde da demanda, ajuizada em 2020 e que tramita em segredo de justiça. Porém, a juíza Gladis Naira Cuvero, da 2ª Vara Cível de Guarujá, indeferiu os pedidos, motivando a interposição do agravo.
No caso específico da negativa dos depoimentos do ex-coroinha e do padre, conforme consta do agravo, que não está revestido de sigilo, a julgadora fundamentou que “a prova oral testemunhal foi admitida e tem caráter mais amplo e seguro”. Outra justificativa da magistrada foi a de que “as versões das partes já constam de forma exaustiva nos autos, nos termos do artigo 370 do Código de Processo Civil”.
Porém, o relator reconheceu a imprescindibilidade dos depoimentos das partes para a devida apuração dos fatos, “considerada a matéria em discussão”. Caso não houvesse a insurgência das advogadas do agravante, Figliolia destacou que a própria turma julgadora determinaria de ofício a conversão do julgamento dos autos principais em diligência, a fim de se tomar a oitiva do autor e do requerido.
Seguido em seu voto pelos desembargadores Marco Pelegrini e Alexandre David Malfatti, Figliolia também avaliou pertinente o pedido de estudo psicológico a ser feito com o pretenso agente dos abusos e a suposta vítima. Conforme o relator, essa perícia é imprescindível, especialmente, por se referir sobre fatos ocorridos na clandestinidade e envolver um coroinha menor de idade e um sacerdote.
“A prova pericial referida poderá trazer subsídios a respeito de caracteres da personalidade dos envolvidos, bem como da extensão de eventuais danos psicológicos que tenha suportado o agravante. Por isso, a prova se mostra pertinente. Guarda clara relação com o que se discute nos autos e poderá contribuir para o justo desate da lide, daí o descabimento do indeferimento”, concluiu o julgador.
Outra medida imposta à 2ª Vara Cível de Guarujá é a oitiva de até três testemunhas para cada fato, observado o limite de dez, de acordo com o artigo 357, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil. A juíza havia restringido para o máximo de duas. Para o relator, “não se justifica, antes do início da produção da prova, que já se faça a limitação, a pretexto de ajuste de pauta ou por conta de qualquer outro motivo administrativo”.
Procedimento canônico
O acórdão do agravo de instrumento gerou reflexos à Mitra Diocesana de Santos, que figura no polo passivo da ação de dano moral junto com o padre e a Paróquia do Senhor Bom Jesus, localizada em Guarujá. As advogadas do ex-coroinha e dos pais dele, também autores da demanda, pleitearam a juntada nos autos da documentação alusiva ao procedimento canônico aberto contra o sacerdote.
Segundo a magistrada Gladis Cuvero, caberia às partes interessadas providenciar esse documento, “vez que incomprovada a necessidade de interferência do Poder Judiciário para sua obtenção”. A Mitra não o forneceu sob a alegação do sigilo do procedimento. O relator anotou que o nível de importância do caso dos autos e a sua repercussão social justificam que a instrução seja meticulosa.
Figliolia ponderou que o sigilo canônico não impede a juntada, porque o juízo pode restringir às partes o acesso ao documento da Igreja Católica. O relator fixou prazo para que a Mitra o apresente. Na hipótese de descumprimento, sem prejuízo de outras providências, inclusive de ordem criminal, ele ordenou a expedição de mandado para se buscar e apreender a documentação, requisitando-se apoio policial, se necessário.
O Vade News entrou em contato com a Mitra Diocesana de Santos. Com a ressalva de não haver ainda decisão de mérito na ação cível, ela informou em nota que “o padre Edson Felipe Monteiro Gonzalez, orientado pela autoridade eclesiástica, pode exercer o ministério presbiteral. Atualmente, o sacerdote colabora com atividades pastorais junto à Cúria Diocesana, sem estar provisionado para alguma paróquia específica”.
O jovem que afirma ter sido abusado pelo padre está com 28 anos. Ele se matriculou no curso de formação de coroinhas em 2009, quando tinha 12. Após conquistar a confiança do então garoto e dos seus pais, o sacerdote o convidou para trabalhar na organização da documentação da igreja. A suposta vítima diz que os estupros ocorreram na casa paroquial, após ela completar 15 anos, entre agosto de 2012 e dezembro de 2013.
O fato veio à tona após os pais do ex-coroinha perceberem mudanças em seu comportamento e rendimento escolar. Eles visualizaram diálogos do filho com o padre em redes sociais que sugeriam os abusos. Questionaram o adolescente, que confirmou. Inquérito policial foi instaurado, mas o Ministério Público não ofereceu denúncia por não vislumbrar elementos suficientes de tipicidade. O sacerdote sempre negou os fatos.
* Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News