Mulher trans será indenizada por ser chamada de “senhor” e “cidadão” dentro de ônibus
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 29/10/2025 às 16:00
Uma mulher trans de 24 anos será indenizada em R$ 20 mil, por dano moral, por ter sido chamada de “senhor” e “cidadão”. O tratamento masculino foi dispensado pelo motorista de uma empresa de ônibus, contra a qual foi imposta a condenação. Conforme a 1ª Turma Recursal do Sistema dos Juizados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), os argumentos e as provas dos autos configuram ofensa aos direitos da personalidade.
Relatora do recurso inominado interposto pela jovem ofendida, a juíza Nicia Olga Andrade de Souza Dantas destacou ser “evidente a aparência” da autora como mulher. Segundo a julgadora, ficou demonstrado de modo inequívoco a insistência do motorista em tratar, “de forma sarcástica”, a passageira como homem. O episódio ocorreu em um coletivo que trafegava por Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador.
A conduta do motorista foi transfóbica e a transfobia é equiparada ao racismo, conforme frisou Nicia Dantas, citando entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), de efeitos vinculante e erga omnes (para todos). Na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, a corte decidiu que práticas homofóbicas e transfóbicas, até a edição de lei penal específica pelo Congresso Nacional, devem ser tratadas como racistas.
Por essa razão, a atitude do condutor do ônibus, conforme concluiu a julgadora, atrai a incidência dos artigos 186 e 927 do Código Civil. De acordo com a primeira regra, comete ato ilícito quem viola direito e causa dano a terceiro, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ainda que exclusivamente moral. O outro dispositivo prevê a obrigação de reparação ao causador do dano.
Em relação ao valor da indenização, a relatora ponderou que a quantia de R$ 20 mil obedece aos critérios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade, considerando a gravidade da conduta, o potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado. Alegando ter sofrido grande constrangimento com o ato discriminatório, a autora havia pleiteado R$ 30 mil.
Sentença reformada
A decisão da 1ª Turma Recursal reformou a sentença da juíza Melissa Mayoral Pedroso Coelho Lukine Martins, da 1ª Vara do Sistema dos Juizados de Camaçari. Ela havia julgado a demanda improcedente, sob a fundamentação de que a revelia da empresa de ônibus, por si só, não conduz à procedência da ação, “sendo necessário o mínimo de prova da pretensão autoral”. Vídeo gravado dentro do coletivo foi juntado nos autos.
Melissa Martins reconheceu na gravação que o motorista se referiu à passageira como “senhor” e “cidadão”. No entanto, segundo a magistrada, a filmagem é insuficiente para caracterizar a transfobia alegada, porque não mostra a origem do desentendimento e não prova se o condutor do ônibus sabia que a autora é mulher trans e se ele a tratou de forma deliberada com expressões masculinas.
“Na hipótese de ofensa recíproca, o entendimento consolidado na jurisprudência é o de que não há dano a direito da personalidade. Não há como apontar, de forma inconteste, quem é o agressor e quem é o agredido. Assim sendo, a medida judicial resta inócua, uma vez que eventual indenização por danos morais deixaria de atender sua finalidade social, que é a de punir o ofensor e recompensar o ofendido”, avaliou a juíza.
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News