Pelé faturou com comerciais até o fim da vida
Por CARLOS PETROCILO/Folhapress em 30/12/2022 às 12:48
Pelé se sentia pisando na grande área quando entrava em um estúdio para gravar um comercial. Eterno garoto-propaganda, foi assediado por marcas desde o seu começo precoce no futebol, no fim da década de 1950.
Aos 17 anos, ele renunciou a um contrato por dez anos com uma marca de aguardente de Piracicaba, interior de São Paulo, após seguir conselhos de Zito, o capitão do Santos. “Era um ótimo cachê, mas na hora H eu disse: ‘Pai, isso não é para mim’. Propaganda de pinga não pega bem'”, disse Pelé.
Ele voltaria a recusar propostas de marcas de bebidas alcoólicas mundialmente famosas, como a de US$ 2 milhões da Johnnie Walker em 1995, recorda Juca Kfouri, colunista da Folha de S.Paulo, e de cigarros.
Num momento em que o mercado publicitário não cobiçava jogadores de futebol, Edson Arantes do Nascimento registrou o seu apelido, Pelé no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), em 1961.
Propostas não lhe faltaram durante a carreira de atleta e mesmo depois de ter pendurado as chuteiras em 1977, com um salário bem abaixo dos praticados no futebol atual. Segundo Celso Grellet, executivo de marketing e um dos sócios do ex-jogador, a marca Pelé começou a se consolidar na Copa do Mundo de 1970, a primeira transmitida ao vivo e em cores.
“O primeiro dinheiro grosso que o Pelé viu foi o contrato com o Cosmos. Foram US$ 5 milhões”, diz Grellet.
Mesmo perdendo, aos poucos, o porte físico de Atleta do Século e vendo a imagem arranhada em uma longa batalha judicial após ter se negado a reconhecer a filha Sandra, Pelé enfileirou contratos e foi garoto-propaganda dos mais variados nichos: roupa, alimentos, remédio contra impotência sexual, refrigerantes, vitaminas, imobiliárias, pilhas, automóveis, motocicletas, companhias aéreas, banco, aparelhos celulares, planos de telefonia móvel.
Também como garoto-propaganda, colecionou parcerias. Atuou ao lado de Xuxa, do argentino Diego Maradona, do francês Zinédine Zidane e do português Cristiano Ronaldo.
“O Pelé sempre foi muito expressivo, tinha um sorriso que contagiava e facilidade para decorar o texto. Ficávamos impressionados com quão acessível e perfeccionista ele era, querendo repassar suas locuções mesmo já podendo ir embora. Buscava o melhor”, afirma Rafael Pitanguy, da agência Y&R, que produziu campanhas premiadas com Pelé para a Vivo.
O ator Carlos Moreno, conhecido como garoto Bombril, recorda, emocionado, o dia em que contracenou com o camisa 10. Na ocasião, Pelé pediu para fazer uma fotografia ao lado de Moreno porque a sua mãe, Celeste, lhe admirava.
“Confesso que fiquei muito honrado e tenso ao lado do Pelé, mas ele agiu com uma naturalidade e simplicidade absurda, com uma vontade de acertar”, diz.
Contratado da Bombril desde 1978, Moreno conta que o estúdio ficou abarrotado no dia das filmagens, com a presença de diretores da empresa e convidados. Pelé passou a tarde concedendo autógrafos.
“Algo que nunca vou esquecer, e isso está no making of, é que o Pelé falou que ali [no estúdio] fazia dupla comigo, Pelé e Carlinhos, assim como existiu Pelé e Coutinho”, afirma o ator. “Não tem Fenômeno, Neymar, ninguém que chegará aos pés dele, merece toda nobreza.”
Em junho de 2021, dois meses antes de ser internado no hospital Albert Einstein (no dia 31 de agosto daquele ano, deu entrada para realizar exames e passou por cirurgia para retirar um tumor no cólon), ele realizou, ao lado de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, uma transmissão ao vivo para anunciar a opção de transação financeira por meio do aplicativo WhatsApp. O serviço estava disponível desde maio, mas enfrentava desconfiança dos brasileiros, e a empresa apostou em Pelé.
Na ligação por vídeo Zuckerberg saúda o rei do futebol, que retribui com um ‘hi, king of zap zap’. O empresário, então, explica como funciona a ferramenta e procura atestar sua segurança.
Octogenário, o mineiro de Três Corações (MG) não queria a aposentadoria do mercado publicitário e, com a ajuda do seu empresário, o norte-americano Joe Fraga, prospectava campanhas digitais para a Copa do Mundo de 2022.
A tecnologia foi aliada desde que Pelé passou a conviver com problemas físicos, em 2012 -em 2016, disse à Folha de S.Paulo que tinha sido vítima de um erro médico em uma cirurgia no quadril.
Campeão em três Copas do Mundo em campo, Pelé passou a olhar para o principal evento esportivo do planeta como a chance de firmar contratos milionários a partir do acordo em fez com a Mastercard antes do Mundial de 1990.
A empresa norte-americana estava de olho no mercado doméstico com a realização da Copa de 1994, nos Estados Unidos, e contratou o brasileiro como seu porta-voz nos 20 programas que implantou em território norte-americano e ao redor do mundo.
Embora o futebol não seja o esporte mais popular nos Estados Unidos, a Copa de 1994 é tida como um sucesso. Foi a que obteve a maior média de público da história, 68,9 mil espectadores, ante 53,6 mil da edição de 2014, no Brasil, segunda colocada.
Em 2007, a Mastercard entrou em litígio com a Fifa, mas não deixou de contar com a imagem de Pelé. “O primeiro contrato terminaria em 1994, mas o sucesso foi tão grande que vinha sendo renovado. A Mastercard rendia ao Pelé, em média, US$ 1 milhão por ano”, afirma Grellet.
Não há um levantamento fidedigno que pese os rendimentos de Pelé como o atleta do século versus o garoto-propaganda. Em entrevista ao jornal USA Today, na véspera da Copa do Mundo de 2002, Pelé disse que faturava aproximadamente US$ 20 milhões (R$ 72 milhões em valores da época) por ano. “Não há dúvida de que estou ganhando mais dinheiro com as propagandas do que cheguei a sonhar quando jogava futebol”.