29/12/2025

COP30 revitalizou Belém, mas parte das obras ficou travada e virou caso de polícia

Por Vinicius Sassine/Folhapress em 29/12/2025 às 10:19

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Tânia Rêgo/Agência Brasil

A realização da conferência do clima da ONU em Belém algo inédito para o bioma amazônico e carregado de simbologia na discussão sobre as mudanças climáticas resultou em transformações na paisagem urbana da capital do Pará, uma revitalização sem precedentes na história recente da cidade, a segunda maior da Amazônia.

A COP30 contou com recursos públicos na ordem de R$ 4,5 bilhões, voltados a intervenções em Belém que se revertessem em equipamentos públicos para os moradores, além dos gastos diretos na organização do evento, orçados em R$ 1 bilhão. A origem do dinheiro foi o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Itaipu Binacional, Caixa Econômica Federal e Tesouro do estado e da União.

Foi uma tentativa de alteração de indicadores ruins de saneamento básico, microclima, arborização e paisagismo, mobilidade urbana e disponibilidade de espaços culturais.

Passado o megaevento, realizado em novembro, Belém tem mais parques, portos revigorados, mercados e espaços históricos revitalizados, infraestrutura turística ampliada e mais intervenções voltadas à ampliação da rede coletora de esgoto e à macrodrenagem de canais.

A revitalização, porém, esbarrou em uma série de problemas na execução de obras a cargo do Governo do Pará comandado por Helder Barbalho (MDB) e da Prefeitura de Belém que tem à frente Igor Normando (MDB), primo de segundo grau de Helder.

A gestão estadual deixou para 2026 a ampliação efetiva de redes coletoras de esgoto e a tentativa de destravar obras de saneamento e drenagem que exigem demolições de centenas de casas. São essas obras as mais atrasadas.

A prefeitura também não conseguiu tirar do papel duas intervenções prometidas e anunciadas para regiões que estão entre as mais pobres da cidade, a do canal São Joaquim e a do igarapé Mata Fome. Essas obras estão sem perspectiva de conclusão da íntegra dos projetos.

A isso se somam os contratos públicos, tanto na esfera estadual quanto na esfera municipal, que viraram caso de polícia.

Uma empresa que recebeu R$ 633 milhões do governo de Helder Barbalho, de 2020 a 2024, passou a ser alvo da PF (Polícia Federal) e de um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por suspeita de lavagem de dinheiro, organização criminosa e financiamento de agentes políticos. O principal investigado é o deputado federal Antônio Doido (MDB), aliado do governador.

Um dos contratos da J A Construcons, no valor de R$ 123,4 milhões, foi assinado para obras de infraestrutura em canais de bairros de Belém, no contexto da COP30.

Quase um mês após a realização da conferência, em 16 de dezembro, o STF autorizou a PF a cumprir 31 mandados de busca e apreensão relacionados ao suposto esquema encabeçado pela J A Construcons. Entre os endereços onde houve busca estão o apartamento de Doido em Brasília e imóvel de Benedito Ruy Cabral, secretário de Obras Públicas do Governo do Pará. As investigações prosseguem.

A PF também segue investigando um programa municipal que já foi apresentado como prioritário para a COP30, o Programa de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Mata Fome, que previa ampla intervenção urbana em quatro bairros de Belém. O projeto foi usado num suposto esquema de corrupção, cujos principais investigados são da gestão de Edmilson Rodrigues (PSOL), antecessor de Normando, conforme a PF.

Menos de três semanas antes da conferência, a PF cumpriu 13 mandados de busca e apreensão, afastou 12 servidores da prefeitura e suspendeu três contratos públicos. Os indícios colhidos devem levar a novas operações.

“A COP30 proporcionou investimentos que redesenharam Belém, tornando a capital paraense uma cidade melhor para os moradores e mais atraente para turistas”, afirma o Governo do Pará, em nota.

Entre os principais legados, segundo a gestão estadual, estão o Parque da Cidade, que é o lugar onde a conferência foi realizada; o complexo do Porto Futuro, que virou um centro turístico, cultural e gastronômico na margem da baía do Guajará; as obras estruturantes voltadas para drenagem e coleta e tratamento de esgoto, no centro e na periferia; e a modernização da rede hoteleira.

Sobre as obras travadas, dependentes de demolições de casas e indenizações aos moradores, a gestão estadual diz que “segue em conversa com os proprietários de imóveis para garantir as expropriações necessárias à retificação dos canais”.

Os contratos da Secretaria de Obras Públicas seguem o processo licitatório e princípios de legalidade e moralidade, com pagamentos feitos com base em boletins de medição, afirma.

A Prefeitura de Belém, por sua vez, diz que houve revitalização de praças, feiras e mercados, como o de São Brás e o Ver-o-Peso, dois espaços tradicionais da cidade, além de duplicação de avenidas.

O Parque Urbano São Joaquim, que conta com recursos de Itaipu Binacional, teve término prorrogado para abril de 2026, segundo o município. Não há definição sobre as intervenções de saneamento e drenagem nos bairros. No caso do Mata Fome, todo o processo foi refeito e “as obras devem iniciar em breve”, diz.

“A operação da PF mira possíveis irregularidades e ilícitos em contratos relacionados ao saneamento que foram celebrados durante a gestão anterior. Esta gestão atua de forma transparente e colabora com os órgãos de investigação”, cita a nota.

O Governo do Pará afirma que a COP30 deixou como legado a consolidação da Amazônia oriental, e de Belém, como “centro estratégico do debate climático global”. A agenda climática da cidade avançou com a conferência, segundo a prefeitura.

Para o reitor da UFPA (Universidade Federal do Pará), Gilmar Pereira da Silva, o principal legado da COP30 não está nas obras que a cidade recebeu, mas na maneira como existiu um diálogo sobre a floresta amazônica e na inserção da ciência local e das comunidades tradicionais no debate central.

“A gente se envolveu de corpo e alma”, diz o reitor. “As obras que a cidade recebeu foram secundárias. O principal foi a oportunidade de as pessoas verem a amazônia. Jogou-se uma luz sobre isso, e foi possível ver que existem sabedoria, cultura e valores instalados na região. A própria população daqui se descobriu como amazônida.”

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