22/01/2025

Como o Brasil teve destaque no Oscar da década de 1990, antes de 'Ainda Estou Aqui'

Por Folha Press em 22/01/2025 às 10:00

Divulgação
Divulgação

Com o anúncio dos indicados ao Oscar, o Brasil descobre nesta quinta-feira (23) se encerra ou não um hiato de quase três décadas no prêmio de filme internacional. O país tem em “Ainda Estou Aqui” a sua melhor chance em anos de entrar na briga, após figurar em premiações importantes como o Globo de Ouro e o Bafta.

Se aparecer na lista, o filme de Walter Salles será a quinta produção nacional a brigar pelo prêmio, o que é pouco para uma estatueta de 78 anos de vida. Em paralelo, a possível indicação de Fernanda Torres como melhor atriz pode torná-la a segunda brasileira a competir na categoria, 26 anos após sua mãe, Fernanda Montenegro, ter disputado a estatueta por “Central do Brasil”.

A seca de agora, porém, não é a pior do cinema brasileiro na categoria. Entre a primeira e a segunda indicações, o país ficou 33 anos sem ver a cor do tapete vermelho da premiação de Los Angeles.

O Brasil estreou no Oscar em 1963 com “O Pagador de Promessas”, no embalo da Palma de Ouro conquistada no Festival de Cannes no ano anterior. Derrotado pelo francês “Sempre aos Domingos”, o filme de Anselmo Duarte foi pelas três décadas seguintes a única obra nacional a participar do prêmio, então batizado de melhor filme estrangeiro.

O intervalo chegaria ao fim só em 1996 com “O Quatrilho”, de Fábio Barreto. A indicação foi um susto -o cinema brasileiro se recuperava de uma de suas piores crises. A Embrafilme, estatal que concentrava o grosso da produção e distribuição de filmes nacionais, fora encerrada em 1990 pelo então presidente Fernando Collor, congelando a produção do país.

O mais impressionante é que o Brasil voltou a aparecer na categoria em mais duas ocasiões nos três anos seguintes. Com “O Que É Isso, Companheiro?”, de Bruno Barreto, e “Central do Brasil”, de Walter Salles, as indicações fortaleceram a produção do período, o chamado cinema da Retomada.

Na estreia em 1995, “O Quatrilho” acompanhou o sucesso de “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, primeiro filme do país a cruzar o milhão de espectadores desde o desmonte da estatal. Mesmo na euforia financeira, a indicação ao Oscar foi surpresa até para Lucy Barreto, produtora do filme e um dos nomes por trás da campanha.

A entrada de “O Quatrilho” no Oscar se deu por empenho da família Barreto com o filme, que trata da história da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Donos da L.C. Barreto Produções, Lucy Barreto e Luiz Carlos Barreto gastaram US$ 30 mil do próprio bolso -algo em torno de R$ 370 mil hoje- para pôr o longa em festivais dos Estados Unidos e do Canadá, dentro do radar dos votantes da Academia.

Apesar do investimento, Lucy diz que a campanha foi modesta e teve muita ajuda da Pandora Pictures, que assumiu a distribuição do filme em dezembro de 1995. A presença de um distribuidor já era crucial naquele momento, impulsionando o trabalho de lobby iniciado pelos Barreto.

Ela também afirma que os votantes e a imprensa da época gostaram muito do filme pela exuberância da produção. “Lembro que a preocupação deles era com o orçamento”, afirma a produtora. “Um jornalista me perguntou quanto custou ‘O Quatrilho’ e eu pedi para ele chutar um número. Ele achou que o filme custava US$ 40 milhões e caiu para trás quando disse que o orçamento foi de US$ 1,5 milhão.”

O elenco também foi bastante elogiado, em especial as atrizes. Na época, um rumor apontava que Steven Spielberg teria visto o filme e amado o trabalho de Glória Pires, a ponto de considerá-la para o papel de Frida Kahlo em uma cinebiografia.

A atriz confirmou a este jornal em março de 1996 que o diretor viu “O Quatrilho”, mas diz que nunca recebeu a oferta. Spielberg também era próximo dos Barreto naquele momento -a sua ex-esposa, Amy Irving, estava para se casar com Bruno Barreto, irmão de Fábio.

“O Quatrilho” foi indicado ao Oscar em um contexto muito diferente da categoria. Segundo David Poland, jornalista americano que cobre a temporada de premiações há três décadas, o prêmio de filme estrangeiro tinha um regulamento mais severo e bem menos votantes.

“A Academia tinha menos de 4.000 membros e, para votar em filme estrangeiro, você tinha que ter visto pelo menos uma dúzia dos títulos e provar isso”, diz Poland. Então o que se tinha eram algumas centenas de pessoas que controlavam a categoria.”

Esse cenário mudou tão rapidamente nos anos seguintes que já era outro quando “O Que É Isso, Companheiro?” foi indicado ao prêmio, em 1998. No fim daquela década, as distribuidoras Miramax e Sony Pictures Classics dominaram a categoria com indicados envoltos em campanhas mais caras, feitas para levar os filmes aos prêmios principais.

Isso inclui “Cidade de Deus”, que só não foi indicado na categoria internacional porque não foi escolhido representante brasileiro. Em 2004, o filme de Fernando Meirelles concorreu em quatro categorias, incluindo o Oscar de melhor direção.

Bruno Barreto viu em primeira mão essa revolução pelas mãos de seu principal líder, Harvey Weinstein, produtor da Miramax. Diferente de “O Quatrilho”, “O Que É Isso, Companheiro?” estreou em clima de briga de faca.

O diretor diz que distribuidoras como a Sony Pictures Classics e a New Line já estavam interessadas no filme logo em sua primeira sessão no Festival de Berlim, mas que Weinstein comprou os direitos na última hora.

“O meu filme passou no festival no mesmo dia de ‘O Paciente Inglês’, na sessão anterior das 19h”, afirma Barreto, citando o filme que venceria o Oscar de melhor filme de 1998. “O Harvey Weinstein chegou em Berlim logo antes da estreia do ‘O Paciente Inglês’ às 21h, mas a equipe da Miramax o impediu de ir ao evento. Eles tinham visto ‘O Que É Isso, Companheiro?’ na sessão da imprensa e disseram para ele trocar a sessão de gala por uma cabine individual do meu filme.”

“Nessa hora, eu e a equipe estávamos em um jantar, falando com possíveis compradores. O Harvey chegou para a sobremesa e foi direto para o banheiro com o nosso representante de vendas, fechando o negócio ali mesmo. Eu nem estive com ele. Naquela noite, ele só me parabenizou pelo filme e me convidou para a festa de ‘O Paciente Inglês’.”

Para David Poland, o que chamou a atenção dos distribuidores e, depois, do Oscar sobre “O Que É Isso, Companheiro?” foi a premissa do filme, sobre o sequestro de um embaixador americano durante a ditadura militar. Ele afirma que aquele tipo de história estava em alta naquele momento, o que quase fez o filme vencer a categoria -Barreto perdeu naquele ano para o holandês “Caráter”, distribuído pela Sony.

O cinema brasileiro também aprendeu a jogar o jogo da distribuição internacional no Oscar. A indicação de “Central ao Brasil” no Oscar seguinte, de 1999, já aconteceu de acordo com esse novo contexto do prêmio, bem como no contexto da própria Retomada.

Segundo Marcelo Ikeda, autor do livro “Revisão Crítica do Cinema da Retomada”, a entrada dos Barreto e de Salles na premiação se confunde com a reabertura econômica do país após o fim da ditadura militar. Para o pesquisador, o cinema brasileiro espelhava o governo de Fernando Henrique Cardoso, que praticava reformas econômicas para inserir o Brasil na economia global.

Nisso, o pesquisador diz que “Central do Brasil” mirava o mercado americano desde a sua concepção. O pesquisador aponta que o longa de Walter Salles é uma coprodução com a França, com financiamento da emissora local Canal Plus e de ministérios franceses. Além disso, recebeu recursos do Festival Sundance, que o premiou durante a elaboração do roteiro.

O filme ainda teve produção do americano Arthur Cohn, habituado ao circuito de premiações, e distribuição da Sony Pictures Classics, que comprou os direitos logo antes da estreia em Sundance. A vitória do Urso de Ouro no Festival de Berlim, em um momento em que os campeões da mostra brilhavam aos olhos de Hollywood, foi a cereja do bolo.

Fernanda Montenegro, também premiada no evento, não por acaso chegou ao Oscar de melhor atriz com o filme, se tornando a primeira brasileira a competir nas categorias de atuação.

No Oscar, Salles só deu azar de disputar o prêmio no auge da Miramax de Harvey Weinstein, que apelava a campanhas agressivas. Naquele ano, a produtora dominou a cerimônia com “Shakespeare Apaixonado” e “A Vida É Bela”.

Os resultados de “Central do Brasil” também foram expressivos a nível financeiro, com US$ 6 milhões de bilheteria só nos Estados Unidos. O filme reproduziu no exterior uma parte do bom desempenho no Brasil, onde chegou a 1,5 milhão de espectadores, o maior público entre os três indicados do país da época.

Para Luiz Joaquim da Silva Júnior, autor do livro “Cinema Brasileiro nos Jornais”, Walter Salles soube usar o calor dos prêmios a seu favor no mercado. Segundo o pesquisador, a estratégia comercial de “Central do Brasil” antecipa um ritual que até hoje acontece no país -o que era muito em um ano em que apenas 21 filmes brasileiros entraram em cartaz.

“O filme entrou em cartaz em uma mesma data nas cidades economicamente mais expressivas do país, aliado ao marketing montado em cima da repercussão internacional”, diz Luiz Joaquim. “O Walter Salles trabalhou o Urso de Ouro da melhor forma possível.”

loading...

Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.