Sucesso de Ainda Estou Aqui reacende debate sobre tortura na ditadura militar

Por Marcela Morone em 05/03/2025 às 11:00

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O sucesso de Ainda Estou Aqui reacendeu no Supremo Tribunal Federal (STF) o debate sobre crimes de tortura na ditadura militar no Brasil, que ocorreu entre 1964 e 1985. O filme retrata o caso do deputado Rubens Paiva, nascido em Santos e morto após ser levado de casa em 1971 pelo regime, no Rio de Janeiro. A obra, que venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional no último domingo (2), explora a trajetória da família de Paiva após o desaparecimento de Rubens, com foco especial em sua esposa, Eunice Paiva que lutou por mais de 20 anos para que a morte do marido pelo Estado fosse reconhecida.

Rubens Paiva foi eleito deputado em 1963 e teve seu mandato cassado em 1964. Em 2014, a Comissão da Verdade confirmou que sua morte foi causada pelo Estado brasileiro.

No mesmo dia em que foram anunciados os indicados ao Oscar, o Ministério Público Federal (MPF) publicou um vídeo detalhando as investigações sobre crimes cometidos durante a ditadura, no qual o caso de Rubens Paiva foi abordado. A ação busca esclarecer as circunstâncias de sua morte e aponta cinco militares, dos quais apenas dois permanecem vivos: o major reformado Jacy Ochsendorf e Souza e o general reformado José Antônio Nogueira Belham.

Outros processos de casos ligados ao período da ditadura ainda aguardam uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O que é debatido é se os referidos crimes são protegidos pela Lei da Anistia ou se podem ser julgados. A lei, aprovada em 1979, perdoou crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979.

No entendimento do MPF, crimes de cárcere privado, sequestro e tortura durante a ditadura têm caráter permanente e não devem ser incluídos na lei. O STF deve decidir, nos próximos dias, se a Lei da Anistia será aplicada aos desaparecimentos forçados ocorridos durante a ditadura. Os casos do jornalista Mário Alves e do militante Helber Goulart também serão analisados.

Elogios de ministro

Em dezembro do ano passado, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, participou da pré-estreia do filme em Roma, na Itália. O ministro postou em suas redes sociais uma foto com Fernanda Torres, que interpreta Eunice, e direcionou elogios ao longa.

“Motivo de orgulho nacional, resgate de um passado doloroso que precisamos fazer para que a ditadura nunca mais volte. O diretor, a protagonista Fernanda Torres e todo o elenco dessa obra-prima contam com a minha torcida nas premiações. ‘Ainda Estou Aqui’ já é um filme histórico vencedor em todos os aspectos e que usa as relações humanas para repudiar a tortura e qualquer outra prática nefasta inerente aos regimes autoritários”, publicou Barroso.

Santistas torturados

Nascido em Santos, o jornalista Luiz Eduardo Merlino foi morto em 1971 após ser torturado por militares durante o regime.

Merlino mudou-se para a capital paulista aos 17 anos para cursar História na USP e integrou a primeira turma de jornalistas do Jornal da Tarde. O jornalista viajou até a França para participar do 2º Congresso da Liga Comunista e, ao voltar para o Brasil, foi preso na casa de sua mãe, em julho daquele ano.

Luiz Eduardo morreu após quatro dias de encarceramento, em 19 de julho, em decorrência de uma gangrena causada por um dos ferimentos resultantes da tortura. Presos políticos relataram que Merlino foi vítima de uma sessão de tortura que durou 24 horas seguidas na sede do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna de São Paulo (DOI-CODI/SP). No entanto, o Estado informou à família de Merlino de que o jornalista teria sido atropelado em uma rodovia enquanto era transferido para o Rio Grande do Sul.

Também nascido em Santos, Luiz Ghilardini atuou junto aos sindicatos portuários após ingressar no Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1945.

De acordo com o Memorial da Resistência, Ghilardini se transferiu para o Rio de Janeiro em 1953 e trabalhou como operário naval e ferreiro antes de se tornar jornalista. Em 1962, se alinhou com a dissidência do PCB e, em 1966, teve seus direitos políticos cassados. Foi morto sob tortura aos 52 anos, em 1973, nas dependências do DOI-CODI do Rio de Janeiro.

A esposa de Luiz, Orandina Ghilardini, relatou em uma carta que teve sua casa invadida por mais de 10 homens aramados que prenderam ela, Luiz e o filho do casal, que na época tinha 8 anos. Os três foram espancados e levados para o DOI-CODI.

Segundo Orandina, na última vez que viu Luiz, ele tinha as mãos amarradas atrás das costas e roxos pelos braços. Ela e o filho foram levados a um quartel, onde ficou em uma cela exposta ao sol junto ao menino. Ela foi informada da morte de Luiz dias depois e libertada após três meses.

A versão dada pelo Estado, no entanto, é de que Luiz teria sido preso em uma invasão dos militares ao Comitê Central do PCB, em Turiaçu (RJ), e levado um tiro na rua após saltar do carro para tentar fugir.

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