15/04/2024

Shopping é condenado a indenizar homem negro retirado do local por seguranças

Por Santa Portal em 15/04/2024 às 06:00

Larry George II/Unsplash
Larry George II/Unsplash

A 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) reconheceu a prática de perfilamento racial cometido por seguranças de um shopping center contra um homem negro e condenou o centro de compras a indenizá-lo por dano moral em R$ 25 mil. Sem qualquer justo motivo, o cliente foi obrigado a se retirar do local.

O acórdão explica que o termo perfilamento racial é associado às abordagens policiais, no âmbito da atividade ostensiva de policiamento, assim como às cometidas por seguranças privados, e consiste em prática discriminatória, calcada em estereótipos e no tirocínio de policiais e agentes de segurança particular.

O julgado acrescenta que, segundo tais estereótipos, “pessoas negras são vigiadas, investigadas, selecionadas ou abordadas, a partir da utilização de critérios subjetivos, e por uma perspectiva racista, para um pretenso fim de prevenção ou repressão à prática de crimes ou de condutas ilícitas”.

A decisão do colegiado foi unânime e deu provimento ao recurso de apelação do consumidor. O juiz José Wellington Bezerra da Costa Neto, da 4ª Vara Cível de Mauá, havia julgado a ação improcedente, sob o fundamento de que “a falta de consistência das provas produzidas, se é que há alguma, milita em desfavor da versão da inicial”.

O juízo de primeiro grau não vislumbrou indício das condutas discriminatórias denunciadas. Também alegou não ter sido possível visualizar as filmagens de câmeras do shopping juntadas aos autos e que exibiriam a suposta ação dos seguranças. Por fim, anotou que “a parte autora não se animou a produzir provas adicionais”.

Relação de consumo

No julgamento da apelação foi reconhecida a relação de consumo entre o requerente e o shopping, sendo aplicada a inversão do ônus da prova, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Além disso, os vídeos citados na sentença foram assistidos pela câmara e contribuíram para o esclarecimento do evento.

“Há, no caso, acusação de discriminação racial e agressão dirigida ao autor por funcionários da ré (acidente de consumo). Portanto, cabia ao autor a prova do nexo de causalidade e à ré a prova de que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro”, frisou o desembargador relator Alfredo Attié.

Sobre as filmagens, Attié observou que elas puderam ser visualizadas. “O que consta dos vídeos não é bastante para afastar as alegações do autor, considerada a inversão ope legis do ônus da prova, a um lado, e da ausência de contribuição da ré para a produção de prova oral, já que é única parte que teria condições de produzir esta prova, a outro lado”.

Acompanhado pelos desembargadores Daise Fajardo Nogueira Jacot e Luís Roberto Reuter Torro, o relator concluiu que, “pelas provas produzidas e pelo cenário brasileiro de discriminação racial”, os seguranças vigiaram e seguiram o réu, sem motivação aparente, “senão em razão de ser negro”, e ordenaram a sua saída do shopping.

O autor narrou na inicial que o episódio ocorreu no Mauá Plaza Shopping, na tarde de 26 de outubro de 2021. De forma inesperada, ele percebeu que seguranças uniformizados e, depois à paisana, passaram a segui-lo, inicialmente, à distância. A perseguição se intensificou e evoluiu para uma abordagem “incisiva”, com a ordem de retirada do local.

Após o requerente questionar o porquê de sair e argumentar que nada havia feito de errado, os seguranças repetiram a exigência aos gritos e o empurraram. O autor informou que apenas ele foi tratado dessa forma e atribuiu o “ódio” à cor de sua pele e às suas roupas de cantor de rap. O Mauá Plaza negou o ato discriminatório dos funcionários.

Jurisprudência

No último dia 11 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o perfilamento racial invalida provas colhidas durante abordagens policiais. Segundo a corte, as buscas pessoais devem ser orientadas por elementos indiciários objetivos, não podendo ser motivadas “com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física”.

A 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgou o recurso antes dessa decisão do STF, mas mencionou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a ilicitude da prática do perfilamento racial em abordagens policiais, ao apreciar o recurso em habeas corpus nº 158.580/BA.

O colegiado paulista destacou que o entendimento do STJ, também adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, abrange relações de direito privado. “A natureza privada da segurança não retira o seu caráter de segurança cidadã, isto é, voltada à paz, à convivência pacífica entre as pessoas e a partir da perspectiva dos direitos humanos”.

Quanto ao valor a ser pago pelo réu ao autor, o acórdão justificou que a quantia de R$ 25 mil atende às finalidades compensatória e punitiva da indenização por danos morais, bem como aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. O shopping também deverá arcar com as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Por Eduardo Velozo Fuccia / Vade News

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