"São Vicente vive uma situação muito precária na oferta de serviços”, analisa Rosana Caruso

Por Santa Portal em 10/08/2024 às 06:00

Sarah Vieira
Sarah Vieira

Pré-candidata à Prefeitura de São Vicente, Rosana Caruso (PT) criticou a oferta de serviços de assistência social na cidade, a falta de diálogo com a população para a elaboração de políticas públicas e a diferença de tratamento entre as áreas Continental e Insular na atual gestão. A assistente social participou do terceiro programa do Rumos & Desafios, exibido na última quinta-feira (8).

Rosana, irmã de Renato Caruso, ex-vereador de São Vicente, afirmou que, se eleita, pretende criar mecanismos, com consultas e audiências públicas, para incentivar o engajamento social no orçamento e na criação das políticas públicas.

Assim como Rosana Caruso, o programa Rumos & Desafios entrevistará, até 12 de setembro, os postulantes às prefeituras das cidades da Baixada Santista, sendo televisionado todas terças e quintas-feiras, às 21h, também com transmissão simultânea no YouTube do Santa Portal. Confira a entrevista na íntegra abaixo.

Queria começar falando sobre a sua experiência junto ao governo da ex-prefeita de Santos, Telma de Souza. Você acha que foi a porta de entrada para a vida pública?

Para a vida pública como assistente social, sim. No governo da Telma, eu aprendi muitas coisas, porque era nova na profissão e era um governo que trabalhava muito a questão da formação dos trabalhadores técnicos e também exigia muito a nossa participação na formulação das políticas públicas daquele momento.

Atualmente o poder público dá oportunidades para o servidor público avançar em criatividade com novas formas para avançar nas políticas públicas.

Hoje tem um caminho mais fácil, porque naquela época em que eu comecei a trabalhar na prefeitura, na década de 90, não existiam as legislações que hoje existem. Porém, às vezes o serviço público fica engessado, quando tem muitas normativas, e isso é para o Brasil inteiro, no caso do SUS ou do SUAS.

No entanto, o município tem responsabilidade e ele também tem autonomia político-administrativa. Acho que essa é a brecha para que os municípios e os trabalhadores das políticas públicas possam, a partir daquilo que acontece na cidade, da cultura da cidade, podem propor políticas públicas que tenham a ver com as pessoas que moram nessas cidades.

Você vê como um desafio esse engessamento e desengessar, do jeito que você falou, seria um grande desafio?

Vejo como um grande desafio. Ao criar regras, normas para os serviços, isso é importante porque te dá segurança técnica e institucional para a execução das políticas. Porém, se ficar muito preso àquelas situações, isso faz com burocratiza demais o serviço, tirando o espaço para ouvir os anseios da população ou da comunidade atendida.

É porque o serviço público já tem a fama de ser burocrático, certo?

Isso. A burocracia é importante porque ela te dá segurança jurídica. Mas, ao mesmo tempo, ela deve ser utilizada para olhar aquele fenômeno. Por exemplo, da violência. Há vários instrumentos e vários serviços que capturam esses dados.

Então, como que você transforma esse dado em política pública ou que você perceba que esteja acontecendo alguma situação no município em que você possa intervir? Portanto, ao mesmo tempo que a burocracia engessa, ela também dá segurança jurídica, mas ela também dá indicadores para que você possa atuar naqueles fenômenos que vão se manifestando nas cidades.

Aproveitando a sua experiência na área do serviço social, como você vê hoje a área da assistência social em São Vicente? Ela tem acompanhado os desafios, as demandas que a população precisa?

São Vicente é um município muito complexo e que tem fenômenos que acontecem nas grandes cidades. Tendo como base o que tive de experiência como secretária adjunta no governo do Pedro Gouveia, vejo um desmonte dos serviços, vejo que a cidade, dentro dessa política pública, não cumpre as normativas que o Sistema Único de Assistência Social traz como responsabilidade do município.

Por conta desse desmonte, de não cumprir as normativas, observa-se que a cidade está nessa questão, vivendo um completo abandono. Há muitas pessoas em situação de rua, muitas crianças em situação de trabalho infantil. Então, são questões que já foram trabalhadas e minimizadas, porque são fenômenos que, dentro de uma cidade e de uma situação desigual, você não consegue superar, então precisa de muito esforço para superar essa questão.

Mas daquilo que vejo hoje como cidadã e como trabalhadora da política de assistência, a cidade vive uma situação muito precária na oferta de serviços.

São problemas que acontecem não só em São Vicente, acontecem no país e até no mundo. Como desemprego, acesso inadequado à educação, à saúde. Explica como foi o seu trabalho nesta pasta?

Fiz uma carreira na Prefeitura de Santos. Comecei como técnica, aquele chão de fábrica, que é próxima da comunidade, que atende, orienta, encaminha, e a partir dessas minhas experiências fui criando alguns programas com algumas equipes. O programa que atendia criança e adolescente em situação de rua, usuária de crack, programa de família acolhedora, programa de volta para casa, que faz um trabalho de colocação de crianças e adolescentes em situação de acolhimento em família substituta ou no retorno à família de origem, e também fui coordenadora de proteção social especial e chefe de departamento.

Construí uma carreira dentro da prefeitura que me fez de uma técnica, de um trabalho técnico no atendimento à população, numa gestora pública.

Então, isso foi importante porque ao longo desse processo fui aprendendo e também fui chamada a pensar política pública e a propor respostas para essas situações que se apresentavam na cidade de Santos.

Quando fui para Prefeitura de São Vicente como secretária adjunta, levei essa experiência para um outro município com uma realidade parecida, mas com um orçamento infinitamente menor.

Fazendo uma ligação com a área de habitação, que é realmente um dos grandes desafios de São Vicente, como essa questão no município? Ele tem aproveitado essas oportunidades para trazer investimentos em moradia popular e avançar na regularização fundiária?

O município, quando foi criado o programa Minha Casa Minha Vida, aproveitou bastante. Então, temos várias construções, vários edifícios que foram construídos e alguns ainda não foram entregues. É uma política pública gigante que vem do governo federal paro governo municipal.

Os investimentos que foram feitos não são suficientes para dar conta das necessidades da população de São Vicente e nem da Baixada Santista, porque a gente também vive uma situação que é metropolitana. Além disso, tem um programa habitacional do governo do Estado que opera em concorrência com o Minha Casa Minha Vida. São Vicente, por conta de ter muitos terrenos, vários empreendimentos são construídos na cidade e acabam beneficiando a população que mora em Santos, ou que morava em Santos e se transferiram.

Quando isso acontece, atende-se um direito, que é o direito à moradia, mas, por outro lado, também cria-se alguns problemas para população que se muda de um município para outro e para infraestrutura que precisa criar no entorno daquele empreendimento habitacional.

Então, assim, resolve-se um problema para uma parcela da população, mas também gera um outro para o município que tá recebendo aquela população, que vai precisar ampliar a equipe de saúde, de novas escolas, novas creches, pensar no transporte que a população vai fazer de uma cidade pra outra.

Enfim, ao pensar num programa, tem que pensar em toda a infraestrutura que você precisa oferecer para que aquilo que é trazido como um benefício seja, de fato, usufruído por todos os beneficiados, tanto para quem chega daquela comunidade, quanto para quem também está recebendo aquele novo público.

Você falou muito de políticas públicas, que para que a política pública seja efetiva, é importante ouvir a população. Como que você vê essa questão na elaboração das políticas públicas em São Vicente?

Para executar, pensar a política pública, você pode se valer de alguns instrumentos de planejamento que são os diagnósticos que a cidade já tem. Como o IBGE, a Fundação Seade e o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Então, tem muitas ferramentas que dá para consultar e pensar políticas públicas para a cidade.

Também pode utilizar de participação popular, dos conselhos municipais que têm representação de governo e de população para que você consiga pensar o plano de governo. Além de abrir consulta pública, que é uma estratégia que o Partido dos Trabalhadores utiliza também para construir plano de governo e pensar a participação popular dentro da elaboração de políticas públicas, estratégias de gestão, para atender e responder as demandas que se observam na cidade.

A população tem uma participação de fato no direcionamento de recursos para a população?

Não. Não existe essa forma de diálogo com a população. O orçamento é elaborado pelo governo municipal, encaminhado à Câmara Municipal, tem até, às vezes, chamamento para audiências públicas, que são pouco divulgadas e a população não tem o hábito de participar.

Em Santos já tivemos esse tipo de experiência com o Orçamento Participativo. Alguns governos mantêm isso, mas hoje se comunica com a população pela internet. Mas sou de um tempo em que reuníamos a comunidade nos espaços públicos para discutir o orçamento. Na creche a gente discutia, na escola, no centro de convivência, no centro de esportes, de cultura, enfim. Tinha uma cultura de participação popular que era presencial.

Hoje tem uma cultura de participação popular reduzida apenas a população vota nos candidatos, vota no prefeito, no caso de São Vicente. As pessoas não têm isso como cultura, a cidade não tem, e os políticos que hoje estão também gerindo não trazem isso como uma preocupação. Mas considero que isso é uma questão muito importante, porque a participação popular se dá não apenas pelo voto, mas por acompanhar aquilo que está acontecendo na cidade e como pode-se interferir naquele processo de forma organizada.

Os movimentos populares também têm pouca inserção, nós temos poucos movimentos populares em São Vicente e no Brasil, porque também se trabalhou para que a população não se organizasse, não se reunisse, enfim. Além de temos passado por um processo de dúvidas com relação à questão da democracia, como um modelo de governo e de sociedade. Então, assim, você tem dificuldade de retomar essa participação da população nos processos decisórios, fora do processo eleitoral.

Como mudar esse cenário?

É um cenário difícil, mas penso que existem formas fazer isso. Acho que primeiro dizendo para a população o quanto que isso é importante, valorizando esse tipo de forma de se comunicar e de organização social. Depois pode criar mecanismos públicos, consulta pública, audiência pública, fazer com que os serviços e as secretarias coloquem à disposição instrumentos que já existem nas políticas públicas, como comitê gestor das unidades básicas de saúde, dos serviços de assistência social, consultar os movimentos culturais de esporte.

Então, tem uma série de mecanismos e de estruturas que você pode se utilizar para que a população possa participar da gestão da cidade.

Deixar mais atrativo também, porque fica distante, as pessoas se decepcionam e acabam se afastando.

Isso que você fala é muito importante porque à medida que a população fica distante disso, ela também não se apropria dos equipamentos, não se apropria dos sistemas e acaba não valorizando aquilo que é importante para a vida dela.

Então, acho que à medida que as pessoas participem das decisões, elas também se corresponsabilizam pelo cuidado dos espaços públicos e pela manutenção das políticas públicas.

Rosana, uma das formas que a população tem de apontar problemas na cidade é a Ouvidoria Municipal. E o próprio Tribunal de Contas do Estado apontou que muitas vezes é feita essa reclamação, mas não há um acompanhamento se houve a execução de uma obra, uma resolução de um problema. Como você vê que isso pode avançar em São Vicente?

Acho que pode avançar quando ao estruturar esse serviço. Se o tribunal está apontando que existe uma falha e que já existem estruturas que foram criadas para que isso possa acontecer, então significa que precisa organizar esse serviço e dar a resposta no tempo que ela tem que ser dada. E o que percebe-se é que, por exemplo, não tem nem placas das obras que estão sendo executadas no município, que é uma forma de acompanhar.

É obrigatório, quando você contrata uma obra ou serviço, tem que colocar o prazo de início da obra, o término da obra, o valor da obra. Então, por aí já é possível ver que não existe um cuidado. E quando o tribunal diz que é preciso fazer isso, já está indicando que o município não está fazendo.

Quando o Tribunal de Contas fala, ‘faça isso ou faça aquilo, tome determinada atitude, constitua aquele grupo, tome conta do seu dinheiro, do prazo da sua obra’, ele já está indicando que o município está falhando. E quando você cria essa estrutura só para responder a uma determinação e não há a cultura do cuidado, que acho que é isso que às vezes falha no serviço público. Porque você pode criar dez estruturas, mas se aquelas estruturas que foram criadas não estão comprometidas com o recurso que é utilizado, com o prazo que é financiado, com o contrato. Esse cuidado precisa ser diário e defendo também que essas estruturas sejam chefiadas por servidores públicos.

Porque o que acontece às vezes é que esses serviços, essas estruturas, elas são chefiadas por pessoas que estão em carga de comissão, que é temporário. Então, hoje você é contratada, amanhã o seu serviço não vale mais, ou o acordo político foi mudado e aquele servidor que está naquele momento, naquela função, é trocado. Quando você cria estruturas para fiscalização, você tem que pensar que aquelas estruturas têm que ter caráter permanente. Portanto, elas devem ser ocupadas por servidores públicos concursados que têm vínculo com o serviço, que escolheram ser servidores públicos.

A senhora teve como referência líderes religiosos que sempre fizeram opção pelos mais pobres. Como irmã Dolores, que teve uma atuação importante na Área Continental de São Vicente. Como a senhora analisa essa parte da cidade?

A Área Continental é a que tem maior número de vereadores proporcionalmente na cidade. É a área que todo político que se candidata a alguma coisa fala que vai fazer algo para que ela se desenvolva. E o que a gente percebe é que isso não acontece.

Então, são duas regiões distintas da cidade, a continental e a insular, que têm o mesmo número de população. Se for analisar, os últimos dados do IBGE trazem isso. Tem 150 mil pessoas que moram naquela região da cidade e que têm uma infraestrutura precária, ruas esburacadas, em que demora para ir a oferta de serviços. Quando vai algum serviço, é sempre o serviço que não é por inteiro ou é o serviço que vai ser desmontado.

Tem a experiência agora de um pronto-socorro no Parque das Bandeiras, que é uma unidade de pronto-socorro, ou seja, é para funcionar 24 horas. E que o prefeito atual criou uma unidade mista, que ninguém entende como é que isso funciona. Então, a Área Continental continua não sendo tratada da mesma forma que Insular.

Não que a Área Insular esteja perfeitamente funcionando, até porque os investimentos foram feitos mais na orla da praia e com um determinado público. Mas a Área Continental, lá demora para chegar o serviço de creche, lá demora para chegar a escola de período integral, a unidade básica de saúde é sempre aquela que falta médico, que o funcionamento é ruim, que faltam funcionários. Então, existe um tratamento diferente daquilo que é dado aos moradores da Área Insular para a Área Continental.

E é uma área que é de grande expansão. Todo o processo de desenvolvimento que foi se estabelecendo lá foi por meio da instalação das moradias, de ocupação de áreas em que eram mais baratas e que a população foi adquirindo terrenos ou ocupando terrenos ou alguns projetos habitacionais que foram construídos. Mas hoje, o que sustenta a Área Continental é uma grande oferta de serviços, de lojas, pequenos comércios, serviços de beleza, manicure, cabeleireiro, pet shop.

Então, tem um grande desenvolvimento da área de serviços, mas na área de infraestrutura não foi acompanhada da mesma forma que na Área Insular, que precisa ser discutida com a cidade e com os moradores que estão lá.

Recentemente foi feito um contrato, foi destinado uma área para uma empresa que eles estão discutindo a questão de retroporto. Então, como que São Vicente se insere nesse desenvolvimento e na expansão do Porto de Santos. E o que vai se instalar é uma empresa de transporte. Isso vai gerar recurso para a cidade? Vai gerar emprego? Sim, mas é esse tipo de empreendimento que a gente quer para lá? Como é que isso foi discutido com a cidade? Isso não é discutido com a cidade.

Tem um jornal que propõe todo ano uma discussão sobre a questão portuária e tudo mais, mas que a população não participa dessa discussão e acho que isso é muito importante.

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