17/01/2025

Rússia e Irã assinam pacto, mas minimizam caráter militar

Por Igor Gielow/ Folha Press em 17/01/2025 às 14:54

Divulgação
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A guerra decorrente do 7 de Outubro degradou severamente seus prepostos regionais, como Hamas e Hezbollah, e facilitou a queda da ditadura amiga de Teerã na Síria. O Irã buscou evitar um conflito aberto com Israel e EUA, e está em retirada tática.

Isso dito, o desenho das alianças formadas entre seus rivais estratégicos tem um indisfarçável contorno de eixo antiamericano. A Rússia já tem alianças militares explícitas com norte-coreanos e belarussos, e uma parceria muito próxima com a China que, se não é total, fez de patrulhas de bombardeiros nucleares e exercícios navais conjuntos uma rotina.

Pequim, o polo oposto a Washington na Guerra Fria 2.0 iniciada por Trump em seu primeiro mandato, por sua vez tem um acordo de cooperação de 25 anos com o mesmo Irã e era, até o “bromance” entre Putin e Kim Jong-un, a protetora presumida de Pyongyang.

Por óbvio, não se trata de um sistema rígido de alianças como o que a Europa tinha em 1914, que por fim levou à inevitabilidade da Primeira Guerra Mundial. Há uma teia complexa de blocos que se sobrepõem, ainda que a divisão polarizada entre chineses e americanos ainda seja evidente.

Assim como Rússia e China eram rivais presumidos há séculos, com disputas territoriais no Extremo Oriente e quase uma guerra nuclear nos anos 1960, Teerã e Moscou não são parceiros naturais.

Enquanto Império Russo e Pérsia, tinham interesses divergentes que continuam até os dias de hoje na região do Cáucaso, onde se chocam também com a Turquia, um camaleão típico dos século 21: é membro da Otan, aliança militar ocidental, e próxima de Putin.

“A natureza deste acordo é diferente. Belarus e Coreia do Norte estabeleceram parcerias em áreas que nós não tocamos. Nossa independência e segurança, assim como autodefesa, são extremamente importantes. Não estamos interessados em entrar em nenhum bloco”, disse o embaixador iraniano em Moscou, Kazem Jalali.

É meia verdade, contudo. Primeiro, desde o ano retrasado o Irã é sócio dos Brics, o bloco heterogêneo integrado por Rússia, Brasil e outros países que a China busca transformar em instrumento de política anti-EUA.

Mais importante, desde o começo da Guerra da Ucrânia, em 2022, o Irã vendeu drones de ataque suicidas aos russos e transferiu sua tecnologia de produção —os famosos Shahed-136 são fabricados no Tataristão sob o nome de Gerânio-2.

Em troca, os iranianos acertaram publicamente em 2023 a compra de material militar avançado russo, particularmente helicópteros de ataque e até 24 caças multifunção Su-35. Depois, a Otan ainda acusou os aiatolás de fornecerem mísseis balísticos de curto alcance para os russos usarem na Ucrânia, o que Teerã tentou negar.

O que interessa observadores externos, particularmente nos EUA e em Israel, o Estado judeu que o Irã promete destruir, são eventuais cláusulas secretas do acordo assinado em Moscou. Transferência de tecnologia nuclear militar sob o manto de cooperação no uso pacífico dessa energia, por exemplo, assim como no caso da Coreia do Norte.

Outro ponto que une russos a iranianos é a pressão das sanções sobre sua indústria energética. Ambos os países são grandes produtores de petróleo e gás, com limitações em seus negócios devido ao cerco ocidental. Não por acaso, a China é compradora preferencial desses hidrocarbonetos.

Há aspectos econômicos importantes. Os países negociam um antigo projeto de ligação ferroviária na região do mar Cáspio, onde empresas iranianas já operam no porto russo de Astrakhan. Putin também disse que pretende construir novas usinas nucleares no Irã, onde já entregou uma.

Mas há ainda desconfianças mútuas. Conforme disse à Folha de S.Paulo um observador próximo da política palaciana em Moscou, Putin considera o Irã um aliado com agenda própria, como já se via na dobradinha que faziam na Síria, que foi derrotada pela queda da ditadura de Bashar al-Assad.

Com efeito, um general iraniano, Behrouz Esbati, queixou-se publicamente da falta de apoio de Moscou à tentativa de forças iranianas de combater a ofensiva terrestre que derrubou Assad em dezembro. O presidente russo respondeu indiretamente, dizendo que garantiu a evacuação de 4.000 soldados que Teerã nem admitia ter na Síria.

Mas isso, diz esse observador russo, são detalhes no contexto atual. O reforço da parceria também visa aumentar a autonomia de Moscou e Teerã dentro do bloco chinês, tentando fugir do rótulo óbvio de sócios minoritários da segunda maior economia do mundo.

É difícil. A Rússia tem um PIB semelhante ao do Brasil, cerca de US$ 2,2 trilhões em 2024. O do Irã é cinco vezes menor, enquanto o da Rússia é nove vezes menor que o chinês. No ano passado, o comércio sino-russo bateu recorde histórico, chegando a US$ 224 bilhões, enquanto negócios com os iranianos ficaram nos US$ bilhões.

Restam as posições geopolíticas e, no caso de Putin, o maior arsenal nuclear do planeta.

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