Marcelo Teixeira: "Santos atraía o público e era audiência para as emissoras"

Por Guilherme Esron em 15/12/2022 às 06:00

Presidente do Santos FC à época do titulo do Brasileirão 2002, Marcelo Teixeira conversou com o Santa Portal e Santa Cecília TV sobre como foi montar aquele esquadrão vitorioso, os bastidores e o desenvolvimento dos principais atletas.

Teixeira é autor do livro Das Arquibancadas à Presidência – 2002, que traz muito desse cenário fantástico.

Como era o cenário de 2002? Qual foi o seu papel na hora de organizar a casa e chegar ao título? 

O processo de 2002 teve seu início a partir de 2000, com a aquisição de alguns jogadores que foram a base do time, como o Fábio Costa, titular da seleção olímpica brasileira. Era um dos goleiros que sempre disputava com as seleções de base a titularidade, então diante disso nós começamos a fazer um trabalho. 

Contei com uma equipe muito boa que conseguia detectar bem o jovem talento, e nós começamos a contratar esses jogadores. Quando eles dizem que 2002 foram os Meninos da Vila é porque são muito jovens, mas muitos deles não são oriundos das categorias de base do Santos. Eles foram contratados, chegaram para defender uma categoria, a sub-17, a sub-20, mas eles já estavam capacitados e programados para participarem do departamento do futebol profissional: Fábio Costa, Elano, Renato, Léo e tantos outros jogadores que vieram com a possibilidade de já estarem defendendo o Santos numa categoria profissional. 

Muitos desses jogadores nem disputaram a Copa São Paulo de Juniores, por exemplo. Eles foram contratados para o sub-20, e imediatamente já foram chamados para participarem do time profissional.

Isso foi fundamental. Por que? Porque eles adquiriram mais experiência com os jogadores contratados, que eram mais carimbados para naquela oportunidade, que havia uma pressão muito grande da torcida.

Então era irresponsabilidade da minha parte colocar esses meninos como os protagonistas. Eu tinha que trazê-los para o profissional, eles conviverem com os jogadores mais experientes, o Germano, Valdo, Rincón, Marcelinho, e, assim por diante, que foram importantíssimos para o amadurecimento dessa equipe.

Essa equipe conviveu com jogadores de muita capacidade, com muita competência e nível técnico. E eles aprenderam de uma forma tão rápida, alguns deles até sendo titulares das equipes de 2000, 2001, primeiro semestre de 2002.

Primeiro foi o lançamento do Diego na equipe profissional. Ele foi lançado antes do Robinho. Acho que isso é um processo de evolução, de uma visão de futebol que imposta pela nossa diretoria culminou em 2002. 

O quão prejudicou a eliminação no Rio-São Paulo?

Nós tivemos uma desclassificação precoce no Torneio Rio-São Paulo, na época o principal campeonato do primeiro semestre de 2002. Naquele ano tinha Copa do Mundo e as equipes ficariam até quatro meses, como no caso do Santos, sem jogar, sem atividades.

Então, foi naquele momento grave, um momento difícil para a diretoria superar a ausência de eventos que possibilitassem o rendimento financeiro. As receitas foram afetadas drasticamente, já seriam afetadas por causa da Copa Mundo, mas foram muito mais porque o Santos ficou sem atividades esportivas por causa da desclassificação do Rio-São Paulo.

Como foi a mudança no comando técnico após a eliminação?

Naquela oportunidade quem dirigiu o Santos era o técnico Celso Roth, que foi o responsável da promoção de muitos desses jogadores para a equipe profissional. 

Com a desclassificação precoce, nós fizemos uma proposta ao Celso Roth, que não aceitou, preferiu sair. Nós começamos a buscar um técnico no mercado, contratamos o Emerson Leão. 

O Emerson Leão chegou e teve tempo suficiente para que ele pudesse trabalhar a equipe, conhecer os jogadores, treinar o grupo e sem a pressão de jogos. Foram fórmulas perfeitas. Porque se nós tivéssemos responsabilidades de expor o trabalho do Leão de uma forma mais rápida, sem ele ter o conhecimento do grupo, pode ser que com a pressão da torcida diante da ausência de títulos e por eles serem tão jovens mesmo convivendo no profissional, eles poderiam sentir.

Mas não é o caso. Nós ficamos três meses praticamente treinando a equipe, o Leão treinando a equipe com alguns amistosos até chegar no amistoso contra o Corinthians que ele mesmo propôs de uma forma tão confiante. Nós imediatamente dissemos “não, nunca, sem amistoso com o Corinthians”. 

Por que?

Porque você vai testar uma equipe sem nem começar o campeonato contra um arquirrival, que tinha uma grande equipe, possuía jogadores qualificados. Você testar esse grupo contra o rival, eu particularmente não gosto de perder nem no botão, né? Santos e Corinthians no botão, eu quero que o Santos ganhe.

Então imagina a torcida há quatro meses sem ver o time jogando, por mais confiante que fosse o Leão. Os jogadores também estavam preparados para enfrentar, tanto que nós fizemos o amistoso e foi uma apresentação de gala. Já foi o primeiro passo, né? A primeira exposição, a primeira amostra de um time que daria chances do Santos disputar um bom campeonato. 

Tinha aquele clima de “é nosso?” Ou a coisa era meia incerta?

Você afirmar: Mas vai chegar a decisão? Vai conquistar um título? Óbvio que ninguém poderia em sã consciência, naquela oportunidade, dizer que o Santos poderia alcançar o tão almejado título e sair de uma fila incômoda de quase 20 anos de humilhação, tristeza da torcida. 

Mas quando você traz um amistoso como esse, em que o time adversário encara o Santos com seriedade… Tanto que tivemos até problema durante o jogo, com possibilidades de briga entre os próprios jogadores. Mesmo em tom de amistoso, os nossos jogadores começaram a se apresentar tão bem, com aquelas firulas de futebol arte. O Robinho querendo meter embaixo das pernas de um, o Elano dando chapéu no outro, então começou ali a travar um duelo, uma rivalidade que já existia historicamente, mas que se acirrou naquele instante.

Foi um ponto de virada?

Depois desse amistoso, nós iniciamos o campeonato, mas quais eram os prognósticos? Todos os críticos e comentaristas, ou parte deles, diziam “time jovem, time sem estrelas; time que já vem com campanhas de uma desclassificação precoce no Rio-São Paulo; possivelmente vai lutar para não descer”. 

Mas quando começam as apresentações, começam a encantar, começam a vir goleadas dentro ou fora do Alçapão. Aqui na Vila ou em qualquer lugar, o Santos se apresentava da mesma forma: agressivo, ousado, com aquele futebol irreverente que encantava.

Todo mundo queria ver o Santos jogar, tanto que a emissora de televisão que detinha os direitos televisivos geralmente não passavam jogos do Santos, mas começaram a colocar jogos do Santos. Por que? Porque onde o Santos atraia o público e era audiência para as emissoras de televisão, especialmente em jogos ao vivo. 

Tirando a conquista do título, existe alguma lembrança que você guarda no coração dessa fase?

O momento do coração tem dos dois lados, né? O lado de machucar que eram as faixas viradas. Era inadmissível você ver um futebol tão bonito dentro de campo e a torcida protestando fora dele. Não contra o time ou a diretoria, mas contra a falta de títulos. Eles queriam títulos, só virariam se nós alcançássemos uma goleada contra o rival. Era a promessa deles: “presidente, nós só desviramos as faixas se houver uma goleada contra o Corinthians ou se nós conquistarmos o título”. 

E veio a goleada, que simboliza os dois lados que quis dizer de momentos marcantes. Machucava as faixas viradas, mas aí veio esse jogo no Pacaembu, uma quarta-feira à noite, e no primeiro tempo o Santos ganhou de 4 a 0 do Corinthians, o mesmo rival do daquele processo de amistoso de apresentação do time. O jogo acabou 4 a 2. 

No dia seguinte, fui procurado pelas torcidas, então veio o lado positivo que guardo dessa primeira fase. No primeiro momento foi essa apresentação fantástica, o gol de bicicleta do Alberto, dentro do Pacaembu. 

No dia seguinte, os torcedores me procuraram: “presidente, já que nós demos a palavra de que com a goleada nos desviraríamos as faixas, nós estamos vindo aqui informar que no jogo de domingo nós vamos cumprir e desvirar as faixas.”

Eu falei: “não, não, agora não”. Eu, que sou de uma certa forma conservador para não dizer outra palavra, falei: “vocês agora vão manter as faixas dos jeitos que elas estão, porque se está dando certo assim, vocês vão virar e vocês vão até o fim, seja o resultado que for, vocês vão até o fim com as faixas viradas”. E assim aconteceu, eles foram até o fim com as faixas viradas.

Aí vem o jogo decisivo do campeonato, contra o mesmo Corinthians. O Santos poderia ter um resultado que era até perder por um gol de diferença que ainda seria campeão. Entramos no último jogo, houve o pênalti no Robinho, convertido pelo Robinho: 1 a 0.

Quando está 1 a 1, com seus trinta e poucos do segundo tempo, comecei a olhar quanto tempo demoraria para as torcidas desvirarem as faixas, comemorar o título. Seria muito difícil acharem que o Corinthians ia virar o jogo, mas o Corinthians fez 2 a 1.

Eis que olho para a arquibancada, eles desvirando as faixas. Logo depois, eles virando as faixas de novo. Então como tiveram o trabalho de querer começar a desvirar a faixa, vejo que eles nem sequer tinham colocado e voltaram com a faixa desvirada.

São momentos marcantes porque o Santos vinha dentro desse prognóstico sempre negativo que tinha acontecido até em 2001. Ninguém imaginaria que perdesse o Campeonatos Paulista contra o Corinthians, da maneira como nós perdemos, aos 50 minutos do segundo tempo. O torcedor estava com tanto trauma e nós também. 

Comecei a ver as faixas serem desviradas, então pensei comigo mesmo: pelo amor de deus, deixem a faixa como está. Dois a um. Se o Corinthians fizesse três, nós perderíamos o título. Mas o desfecho foi outro. Fizemos 2 a 2 , 3 a 2 e comemoramos o título.

Você perdeu o sono algumas noites?

Ah, perdi muitos, mas sabe o que é interessante nesse título? A gente começou a ter uma sinergia e uma identificação tão forte. Eu ia no início do trabalho para dar confiança para o Leão e para o grupo. Eu ia e fazia algumas palestras no vestiário, palestras curtas, coisas bem curtinhas. E aí como o time às vezes oscilava um pouco, o próprio Leão me dizia: “presidente, está na hora de o senhor vir falar com o time”.

loading...

Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.