Imperatriz Leopoldinense é a campeã do Carnaval do Rio de 2023
Por Bruna Fantti e Júlia Barbon em 23/02/2023 às 08:41
Com rima de cordel e batuque de samba, a Imperatriz Leopoldinense venceu o Carnaval 2023 no Rio de Janeiro. A escola contou a história de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
O enredo teve um dos nomes mais compridos do Carnaval 2023: “O Aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarda”.
O carnavalesco da agremiação, Leandro Vieira, usou como fio condutor o sertão e a chegada do bando de cangaceiros de Lampião. O diferencial do enredo foi o que ocorreu com Lampião após sua morte: nem o céu nem o inferno o queriam.
O controverso personagem foi representado junto com Maria Bonita pelo primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Phelipe Lemos e Rafaela Theodoro.
A agremiação, das cores verde, branco e ouro, é conhecida pela excelência técnica e foi mais uma entre as escolas que apostaram em temas vinculados ao Nordeste.
Um dos destaques foi a presença da filha única de Lampião e Maria Bonita, Expedita Ferreira, 90, em uma das alegorias. Ela também desfilou no domingo (19) pela Mancha Verde, vice-campeã do Carnaval de São Paulo, que dedicou o enredo a Lampião e ao cangaço.
O mestre de bateria da Imperatriz, Luiz Alberto Lolo, disse que não conseguia encontrar as palavras certas para a vitória após 22 anos. “Não sei como descrever. Fomos rebaixados, agora somos campeões, passamos por muita humilhação. É uma sensação incrível ser campeão e com notas 10.”
Já a presidente da Imperatriz, Catia Drumond, agradeceu a moradores do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. “É para você CPX, é para você Complexo do Alemão. Esse grito estava na garganta e saiu após 22 anos. Estamos todos muito felizes, renascemos das cinzas.”
Foi no Complexo do Alemão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) utilizou um boné com as letras CPX durante a campanha presidencial. A sigla quer dizer complexo, mas foi falsamente associada ao crime organizado.
Em reação, líderes comunitários fabricaram centenas de bonés com a sigla, que foram utilizados por apoiadores do presidente. Na Sapucaí, em camarotes, celebridades circulavam com o item.
Em festa, o complexo de favelas e o bairro de Ramos, na zona norte do Rio, entoavam com toda força o samba-enredo depois da confirmação do nono título, que pôs fim a um jejum de 22 anos. A escola já havia conquistado outros oito, de 1980 a 2001.
A agremiação anunciou a distribuição de 15 mil latinhas de cerveja na quadra enquanto esperava a chegada de dirigentes e demais integrantes que acompanharam a apuração no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no centro da cidade.
Vizinho à quadra, o complexo desceu para ver o troféu chegar do sambódromo.
Torcedores se espremiam envolta do portão do galpão para filmar a placa que chegava nas mãos de João Drummond, diretor-executivo e filho da presidente da Imperatriz, Cátia Drummond. “A campeã voltou”, cantou a multidão quando o objeto foi levantado no palco.
“Você é o melhor, queremos você aqui ano que vem”, disse ele ao microfone chamando Leandro Vieira, que disse à Folha que vai, sim, voltar à escola no Carnaval de 2024. “Ótimo”, limitou-se a dizer entre um abraço e outro sobre o sentimento de vencer, que ele conhece bem.
Vieira foi o responsável por fazer a escola voltar a desfilar no Grupo Especial após o rebaixamento em 2019. Fez o mesmo com a Império Serrano em 2022 e foi ainda bicampeão do Grupo Especial com a Mangueira em 2016 e 2019.
O diretor de harmonia Thiago Santos, 30, era um dos que chorava copiosamente no palco. “Minha geração não tinha ganhado ainda. É uma geração com muito sangue no olho, que vai preparar muitas outras gerações”, afirmou, já quase sem voz.
“Neste ano tive o prazer e a honra de receber esse convite. Fizemos um trabalho transformador, batemos na tecla de que a escola tinha que mudar o jeito de desfilar, que a harmonia não podia ficar de canto. E o resultado tá aí.”
Na apuração, após quatro quesitos, a escola assumiu a liderança isolada na disputa, seguida pela Viradouro, o que se manteve até o anúncio da campeã.
As duas escolas foram as únicas entre as 12 com nota máxima em Alegoria e Adereços. Em terceiro lugar ficou a Unidos de Vila Isabel, seguida por Beija-Flor, Mangueira e Acadêmicos do Grande Rio.
As seis agremiações voltam à Sapucaí para o desfile das campeãs no próximo sábado (25), que será feito na ordem inversa da colocação.
Para o desfile, Vieira apostou em um visual popular e de fácil identificação para contar o enredo. Uma ala de mandacarus, plantas que compõem a paisagem sertaneja, abriu o desfile.
Em seguida, a escola simbolizou cangaceiras que, segundo a descrição do carnavalesco, “encarnam o espírito arredio das mulheres que marcaram o bando de Lampião”. As fantasias faziam referência à cangaceira Dadá, a primeira a portar um fuzil.
O segundo carro alegórico, chamado “Dia 28: rebuliço no olho do mamulengo”, também trouxe uma interpretação lúdica da famosa fotografia das cabeças degoladas em exposição, após a morte de Lampião, Maria Bonita e membros do cangaço, dia 28 de julho de 1938.
As cabeças usadas para reproduzir o episódio eram de bonecos mamulengos, arte tradicional do Nordeste. Mais à frente, desfilaram “fantasmas sertanejos”, com fantasias com véus.
Na história de cordel contada pela Imperatriz, Lampião não é aceito nem pelo inferno nem pelo céu. Sem abrigo, ele vagueia pela cultura nordestina e vira um fantasma sertanejo.
O Império Serrano amargou notas baixas nos quesitos de alegorias e adereços e mestre-sala e porta-bandeira e ficou com a última colocação. Apesar do enredo em homenagem ao sambista Arlindo Cruz, com direito à presença dele na avenida, a escola foi rebaixada e disputará a Série Ouro em 2024.
Quem venceu a Série Ouro e volta a integrar a elite do Carnaval carioca 12 anos depois é a Unidos do Porto da Pedra.
A escola de São Gonçalo juntou o escritor francês Júlio Verne e a Amazônia no enredo “A Jangada: 800 léguas pelo Amazonas”.