Hillary Clinton ri de anúncio com sua calcinha à mostra em série com Kardashian
Por Teté Ribeiro em 08/09/2022 às 10:39
Estreia nesta sexta-feira a série “Gente de Coragem”, adaptação do best-seller “The Book of Gutsy Women”, escrito por Hillary Clinton e Chelsea Clinton em 2019, ainda não lançado no Brasil. Ao longo dos oito episódios de mais ou menos 40 minutos cada um, a ex-primeira dama, de 74 anos, e sua única filha, de 42, encontram mulheres com histórias pessoais e profissionais que demandaram firmeza e desassombro.
São nomes como Kim Kardashian, que dispensa (e desafia) apresentações, as atrizes Mariska Hargitay, Goldie Hawn e sua filha Kate Hudson, a primatóloga Jane Goodall, a jornalista e líder do movimento feminista Gloria Steinem, a rapper Megan Thee Stallion, as comediantes Wanda Sykes, Amy Schumer e Amber Ruffin e a drag queen Symone, vencedora da 13ª temporada do reality show Ru Paul’s Drag Race, no ano passado, e nascida em Arkansas, o mesmo estado do sul americano onde nasceram o ex-presidente Bill Clinton e Chelsea.
Permeando as entrevistas, e algumas vezes no meio delas, Hillary e Chelsea conversam sobre a vida, lembram histórias do passado, dão risadas vendo fotos antigas, explicam as razões por trás das decisões mais difíceis de suas vidas e revelam seu lado mais vulnerável.
Num momento, no quarto episódio, numa conversa com uma pastora queer que celebra casamentos de pessoas de todas as orientações sexuais, ela pergunta a Hillary por que, afinal, a ex-primeira dama continuou casada com Bill Clinton depois da revelação de que ele tinha tido um caso com a ex-estagiária Monica Lewinsky, em 1996, assim que foi reeleito presidente dos Estados Unidos.
“Porque ele é uma pessoa fundamentalmente boa, um homem amoroso, cuidadoso, atencioso e eu o amo profundamente”, responde Hillary na série, que conta que até tomar a decisão de ficar no casamento passou por momentos de muita raiva, decepção, vergonha e experimentou até sessões de terapia em casal.
A pastora não encerra a conversa aí, vai além, e pergunta se Hillary acredita que seu marido teria contado a verdade sobre a traição se não ocupasse um cargo público na época. “Claro que não”, afirma a ex-primeira dama.
Em entrevista a este jornal, Hillary conta que suas declarações pessoais foram “muito além da minha zona de conforto, mas fico feliz de ter feito isso porque queríamos ter conversas muito abertas com essas mulheres, e a única maneira de conseguir isso seria sendo nós mesmas muito francas”.
E foi com franqueza total, e para surpresa absoluta de sua filha, que Hillary afirma, no terceiro episódio, que foi por causa de um incidente no Brasil que decidiu parar de usar saias e vestidos e passar a se vestir com terninhos com calças compridas, os “pant-suits”, que acabaram se tornando sua marca registrada.
Ela era primeira-dama quando veio ao Brasil em 1995 acompanhando seu marido, o presidente Bill Clinton, numa visita oficial. E, num encontro com a então primeira-dama do Brasil, a antropóloga Ruth Cardoso, Hillary, vestindo um tailleur bege, foi fotografada de um ângulo que deixava sua calcinha branca à mostra.
A foto não causou um grande escândalo de mídia quando foi veiculada, eram outros tempos, antes da cacofonia da internet e da invenção das redes sociais. Mas uma marca brasileira de lingerie, a Duloren, que existe até hoje e ainda usa o mesmo slogan machista em suas campanhas –”você não imagina do que uma Duloren é capaz”, como se as roupas íntimas das mulheres fossem obrigadas a provocar alguma reação nos homens, e não apenas garantir a higiene e conforto– usou a imagem de Hillary em anúncios.
Junto da foto, o criador da campanha achou por bem botar uma mensagem para Bill Clinton, num dos atos públicos mais chauvinistas do final do século passado. Dizia “senhor Presidente dos Estados Unidos da América, Vossa Excelência não imagina do que uma Duloren é capaz”.
Galeria Hillary Clinton Hillary Clinton https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/43770-hillary-clinton * Na série, Hillary conta a passagem rindo, e a foto que aparece ilustrando esse momento não é a que virou propaganda no Brasil, mas sim uma dela com um tailleur azul turquesa abraçada ao marido nas escadas do avião presidencial Air Force One, só para comprovar a parte da história que acontece antes da vinda ao país.
Hillary conta que se lembra do anúncio “repugnante” e de como o episódio todo foi “um grande choque”. “A história terminou porque era uso não autorizado de uma imagem minha, e os advogados da Casa Branca ligaram para a empresa e disseram que processariam se eles não tirassem minha foto da campanha”, disse a primeira-dama.
“Os outdoors foram tirados, mas essa história me fez pensar que eu não queria nunca mais passar por aquela situação na vida”, afirma.
Dali para frente, então, nunca mais botou uma saia ou um vestido no corpo. E é com um “pant-suit” que ela espera vir ao Brasil de novo, em algum momento. “Eu adoro o Brasil, sempre me diverti muito nas visitas que fiz ao país, a cultura brasileira é incrível, a comida é deliciosa e eu só tenho boas lembranças”, conta.
Chelsea, por sua vez, diz que não soube de nada disso na época. Tinha 15 anos quando a viagem dos pais ao Brasil aconteceu e ficou chocada quando ouviu a mãe contar a história da calcinha durante as filmagens.
“Depois, refletindo, eu pensei que devia ter questionado por que, afinal, minha mãe parou completamente de usar saias quando eu era adolescente. Eu me lembro dela vestindo tailleurs e vestidos quando eu era criança, mas de uma hora para outra isso acabou completamente. Nunca mais uma saia ou um vestido apareceram no guarda-roupa dela e os que já existiam sumiram para nunca mais”, lembra a filha.
“Não tínhamos roteiro, e as mulheres com quem nos encontramos tinham liberdade total de falar sobre qualquer assunto com qualquer uma de nós”, acrescenta Chelsea, muito confortável com o papel de coadjuvante no projeto.
Ela assume as cenas que Hillary decide não entrar em confronto, como uma aula de surfe na Califórnia, a descida de uma montanha com rapel ou um treino com as mulheres bombeiras de Nova York.
Os episódios começam sempre em Manhattan, distrito de Nova York onde Chelsea mora com o marido, o banqueiro de investimentos Marc Mezvinsky e os três filhos do casal, Charlotte, Aidan e Jasper. Hillary e Bill moram em Chappaqua –um vilarejo a menos de 50 quilômetros ao norte da cidade de Nova York- desde que saíram da Casa Branca, em janeiro de 2001.
Depois disso, Hillary foi a primeira primeira-dama a se candidatar -e vencer- um cargo eletivo na história dos Estados Unidos. Foi senadora pelo estado de Nova York entre 2001 e 2009, quando o presidente Barack Obama a convidou para ser secretária de Estado, cargo que exerceu entre janeiro de 2009 e fevereiro de 2013.
Hillary Clinton é certamente a personagem mais destemida que aparece em “Mulheres de Coragem” e, talvez por isso mesmo, tenha tanto acesso a pessoas tão concorridas e seletivas como as que são entrevistadas por ela e por sua filha.
Mas ela é muito mais do que isso. Noutro trecho da série, numa conversa com uma jogadora de futebol e sua mulher, Hillary conta que Bill Clinton teve de pedir sua mão em casamento várias vezes até ela aceitar.
Da primeira vez, disse não porque era recém-formada em direito e não achava que estava pronta para se casar. Da segunda, um ano depois, disse não porque ele já estava morando em Arkansas e ela estava trabalhando na comissão de advogados que preparava o pedido de impeachment de Richard Nixon e não estava disposta a se mudar para estado natal de Bill, onde ele já preparava sua entrada na política. Na terceira, não resistiu.
Já estava morando em Arkansas, para onde afinal se mudou quando arrumou um emprego como professora na faculdade de direito, e decidiu fazer uma viagem internacional para pensar se queria mesmo passar a vida ao lado de Bill Clinton.
No caminho para o aeroporto, passou com o então namorado na frente de uma casinha antiga, de pedra, e comentou como achava a casa bonita. Foi viajar, e, na volta, Bill Clinton a foi buscar no aeroporto e a levou direto para a casinha de pedra, que ele havia comprado e mobiliado durante a viagem de Hillary. “Agora você tem que se casar comigo”, declarou ele.
Os dois se casaram nessa casa de um dormitório em 1975 e moraram lá durante o primeiro ano de casamento. No último episódio da série, Hillary visita o local com sua filha, numa viagem que ambas fazem ao estado onde a vida da família começou.
Hoje, a casa é o Clinton House Museum, no número 930 da avenida Clinton, na cidadezinha de Fayetteville. Ela marca o primeiro capítulo da trama de um casal de jovens advogados que entraram para a história do mundo contemporâneo.