30/08/2023

Fãs na internet: quando a admiração se transforma em hostilidade

Por Renan da Paz em 30/08/2023 às 14:59

Reprodução/Redes Sociais
Reprodução/Redes Sociais

Se considerarmos que a internet é o reino supremo da cultura popular, as redes sociais se tornam campo de batalha para uma rivalidade inusitada: fã-clubes travando guerras on-line, cuja disputa é pela supremacia de seus ídolos com unhas e dentes… ou melhor, com emojis, trends e memes!

Das profundezas obscuras do Twitter, agora X, até os duelos virais do TikTok, fãs apaixonados criam verdadeiras fortalezas digitais para defenderem suas estrelas contra qualquer ataque rival. Esses fã-clubes, no entanto, possuem um nome específico: fandoms, junção de fan (fã) e kingdom (reino) – o reino dos fãs, no inglês.

Reprodução/Redes Sociais

Além disso, esses grupos costumam ter seus próprios apelidos, como são os swifties, seguidores fiéis da cantora Taylor Swift, e os beyhives, apaixonados por Beyoncé. Com bases leais (ou fanbases), os dois grupos diariamente trocam farpas, buscando reafirmar as singularidades de suas artistas favoritas.

Em uma série de discussões recentes sobre as suas respectivas turnês, não faltam postagens que comparam alcance vocal, presença no palco, interação com o público, caracterização, escolha das músicas, interpretação, infraestrutura e produção técnica. “Gosto da voz da Taylor, mas a Beyoncé é incomparável!”, disse um internauta.

Embora todos saibam que tanto a intérprete de Enchanted quanto a voz de CUFF IT são amigas, além de compartilharem o mesmo objetivo de honrar e celebrar o carinho que sentem pelos fãs, infelizmente, os conflitos não se limitam apenas à preferência musical e podem ser considerados crimes virtuais.

Reprodução: Christopher Polk/Getty Images

Como acontece?

O primeiro passo surge a partir da paixão e devoção dos seguidores por seus ídolos, artistas ou personagens favoritos. Neste processo, são formadas comunidades virtuais nas redes sociais, e o Twitter (X) é uma plataforma especialmente popular para esse tipo de interação.

Por trás de fotos de perfil personalizadas de acordo com o fandom, os usuários podem medir a popularidade de seus ídolos considerando métricas como quantidade de seguidores, retweets e likes.

Quando um grupo percebe que outro está se aproximando em números, isso pode desencadear uma competição para manter ou superar a posição de destaque. Conquistas como prêmios, recordes de vendas ou visualizações, também podem gerar rivalidade.

Para demonstrar amor pelo ídolo e superioridade do fandom, hashtags específicas são levantadas para promover os artistas ou tópicos relacionados. O objetivo é fazer com que essas palavras-chave se tornem ‘trending topics’, ou tópicos em alta, na plataforma.

Até mesmo o nível de interação entre ídolos e seus fãs pode gerar desentendimentos. Quando um famoso responde ou dá atenção especial a um determinado grupo de fãs, isso pode despertar ciúmes e rivalidades dentro e fora dos fandoms.

Ao sentirem-se ameaçados, alguns seguidores podem agir de maneira agressiva ou provocadora em relação às celebridades e fãs de outros grupos. Isso pode levar a uma espiral de hate, respostas hostis que agravam ainda mais a rivalidade.

Apesar de recorrentes, essas práticas não são recentes, diz a jornalista Desirée Soares, de 31 anos. “Rivalidade [entre fãs] sempre existiu, mesmo antes da internet. O que acontece é que, com as redes sociais, a gente tem mais acesso a isso”.
 
“[Ser fã] é igual ser torcedor de futebol; uma pessoa apaixonada por aquele artista, por aquele filme, aquele diretor e, às vezes, se deixa levar pela emoção”, avalia Desirée. Para a amante de cultura pop, a paixão e devoção que os fãs sentem por seus ídolos podem despertar emoções intensas, e em alguns casos, isso pode levar a comportamentos impulsivos e reações emocionais exageradas.

Reprodução/Instagram/@desiree_soares

“Tenho por experiência no meu fandom casos extremos. Como fã de RBD, a rivalidade de fãs da Anahí e Dulce Maria é eterna, sendo que as duas são talentosas e amigas e não existe problema nenhum entre elas. Mas é surreal o que os “fãs”, que nem poderiam se chamar assim, acabam fazendo, ofendendo os filhos das duas, citando problemas de saúde delas, etc”, comenta.

Por que acontece?

A rivalidade, muitas vezes, surge de uma conexão emocional profunda. Tanto que, em alguns casos, os fãs podem se sentir pessoalmente atingidos quando veem seus ídolos ou a si mesmos sendo criticados por fãs de outros artistas.

Quando um fã ataca outro, pode ser uma tentativa de defender seu ídolo, mostrar lealdade ou provar a superioridade do artista que apoia. Também pode ser uma forma de expressar frustração ou raiva em relação a outros fãs que têm opiniões diferentes.

No entanto, é importante lembrar que atacar ou ofender outros fãs não é uma atitude saudável ou aceitável. É natural ter preferências e gostos diferentes, mas é essencial respeitar a diversidade de opiniões e aprender a conviver de forma harmoniosa, mesmo quando há diferenças.

Quando os limites são ultrapassados

Como toda rivalidade, o perigo está iminente. De comentário em comentário, pode se observar comportamentos invasivos, preconceituosos e discriminatórios. Entre eles, práticas machistas, homofóbicas, xenofóbicas e racistas.

Comentários disfarçados de defensivos que fazem referência à cor da pele, origem étnica ou características físicas são diários para cantoras como Beyoncé, Rihanna, Nicki Minaj, Cardi B, Doja Cat, SZA e tantas outras. O que elas têm em comum além do talento? A negritude.

Não distante do Brasil, a cantora Ludmilla, que também é alvo de ataques racistas, se posiciona com frequência. Ao ser chamada de “macaca” por um perfil anônimo em 11 de janeiro deste ano, teve de ressaltar a lei assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que equipara injúria racial ao crime de racismo.

“Agora que o presidente assinou a lei que enquadra injúria racial ao crime de racismo, eles vão ter o que merecem. Cansada dessa porr* já!”, disparou. Como combate ao crime, a norma passa a punir de 2 a 5 anos de reclusão, fora o pagamento de multa, a partir da data de sanção.

Reprodução/Instagram/@ludmilla

Assim como Ludmilla, tantos outros artistas são vitimados por falas inaceitáveis, que ultrapassam os limites do respeito, da empatia, da segurança e dos próprios direitos humanos.

Esse preconceito não apenas causa danos emocionais às celebridades que são alvo desses ataques, mas também reflete uma triste realidade de discriminação que ainda existe na sociedade.

Tem consequências? Tem!

A legislação brasileira define como crimes contra a honra as situações em que uma pessoa é ofendida, difamada ou caluniada, causando danos emocionais e sociais à vítima. São três:

Injúria: utilizar palavras de baixo calão com a intenção de ofender uma pessoa, ferindo sua dignidade ou decoro, de forma verbal ou escrita. — Detenção de 1 a 6 meses ou multa.

Difamação: atribuir à pessoa fatos ofensivos à sua reputação, espalhando informações que possam prejudicá-la. — Detenção de 3 meses a 1 ano.

Calúnia: acusação falsa e infundada sobre alguém ter cometido um crime, sem possuir provas concretas do fato, direta ou indiretamente. — Detenção de 6 meses a 2 anos.

Conforme estabelecido no Código Penal Brasileiro, essas práticas em redes sociais configuram-se como crime e as penalidades ainda podem ser agravadas de acordo com o delito cometido. Para isso, é necessário identificar e diferenciar com um profissional os casos de calúnia, difamação e injúria, para que sejam aplicadas as medidas legais cabíveis.

Outro ponto é o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), respaldado tanto pelo Código Civil quanto pelo Código Penal. Essa lei, promulgada em 2014, estabelece os “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”, disciplinando o uso da rede.

É essencial que os usuários estejam cientes dos seus direitos e deveres na Internet, agindo com responsabilidade e respeito em suas interações online, e evitando a disseminação de informações falsas ou ofensivas.

Afinal, ao promover o respeito e a união, podemos criar um ambiente mais acolhedor e inclusivo para todos os fãs e artistas, tornando a experiência digital ainda mais enriquecedora e gratificante para todos nós.

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