Escorregões de Lula em linguagem inclusiva viram alvo de aliados e rivais

Por Joelmir Tavares E Victoria Azevedo/Folhapress em 22/05/2022 às 10:10

Bruno Santos/Folhapress
Bruno Santos/Folhapress

A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido cobrada por apoiadores para ampliar o uso da chamada linguagem inclusiva, que busca combater preconceitos contra minorias, e ao mesmo tempo recebe críticas de bolsonaristas por citar termos tidos como politicamente corretos.

O petista, que lidera as pesquisas da corrida presidencial, adaptou parte de suas falas para agradar à fatia da militância que abraça a defesa das mulheres, dos negros, da população LGBTQIA+ e dos indígenas, mas escorregões nessa cartilha ainda causam desconforto em sua base.

As queixas, geralmente feitas em privado para não respingar na candidatura, giram em torno do uso de palavras como “índio” (em vez de indígena) e “escravo” (no lugar de escravizado) e de referências que contrariam, por exemplo, os veganos, com repetidas alusões a churrasco e picanha.

Outro problema apontado é um termo com conotação sexual no bordão de Lula sobre ter 76 anos de idade, mas “tesão de 20”. Sob anonimato, uma apoiadora diz que, embora o presidenciável faça associação com sua energia política, o termo soa depreciativo para o conjunto das mulheres.

Em ao menos um discurso recente, ele atenuou o peso da palavra controversa ao incluir “motivação” antes dela.

Outra preocupação visível é a de frisar a diversidade de gênero, mas longe de ceder à linguagem neutra, que pressupõe um vocabulário com “todes” (em vez de todos) e “amigues” (amigos). O ex-presidente costuma se dirigir aos ouvintes como “meus amigos e minhas amigas”.

“Tanto ele quanto o [Geraldo] Alckmin, no lançamento da chapa, fizeram a primeira saudação às mulheres”, diz a secretária nacional de mulheres do PT, Anne Moura. “Para muitos, isso não faz diferença. Mas nós que estamos na linha de frente da luta feminista sabemos dessa importância.”

Ela afirma que a mudança é fruto “de muitas reuniões e de acúmulos” e lembra que o partido tem como presidente uma mulher, Gleisi Hoffmann. “Lula é de outra quadra histórica, quando esses debates não eram muito presentes. O mais legal é que ele se permite ouvir e aprender”, diz.

Assuntos sensíveis para os chamados movimentos identitários foram incorporados ao discurso porque o PT entende que isso o aproxima do eleitorado jovem, escolarizado, morador de centros urbanos e adepto das redes sociais.

Mas há o temor de que temas delicados da pauta progressista afastem camadas mais simpáticas a Jair Bolsonaro (PL), como a dos evangélicos.

O ex-presidente se tornou alvo das redes bolsonaristas após viralizar o trecho de uma das falas do ato em que foi oficializada a chapa com Alckmin, no dia 7 deste mês.

Lika Rosa, que é “slammaster” (participa de batalhas de poesia urbana) e apresentou o evento, anunciou que faria um “escurecimento” antes de dar uma explicação sobre regras da lei eleitoral.

“Quero aqui fazer um escurecimento, ou esclarecimento. Como nós respeitamos as leis, a legislação e as instituições, é importante avisar e deixar claro, ou escuro, que hoje nós não estamos lançando candidaturas, nós estamos lançando, sim, um movimento”, disse.

O palavreado que busca dissociar a cor negra de expressões com sentido negativo, difundido por grupos antirracistas, foi ridicularizado por seguidores de Bolsonaro para fustigar Lula.

“No fundo, o que a esquerda pretende é dividir, enganar e confundir a cabeça do brasileiro”, postou o deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), reclamando de desvalorização da pátria e da língua. “Eles querem tirar a nossa liberdade, o nosso amor, a nossa história”, afirmou o bolsonarista.

“Escuridão é ausência de luz, somente isso. Não há nada de preconceito nisso”, opinou.

A deputada federal Bia Kicis (PL-DF), o vereador Rubinho Nunes (União Brasil-SP) e o ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo (PL-SP) –todos pré-candidatos à Câmara dos Deputados– também fizeram troça.

Lika, que se declara parda, diz à Folha que fez as adaptações no texto por conta própria, para reforçar o pedido de mais respeito à periferia e às suas expressões culturais.

“Resolvi falar [dessa forma] porque representa pessoas como eu. Nós existimos, pagamos impostos e vivemos no mesmo Brasil onde a interpretação elitista e acadêmica parece ser a única válida ou respeitada”, afirma.

Na visão da assessoria de imprensa de Lula, bolsonaristas perpetraram os ataques como “cortina de fumaça para o desastre do governo Bolsonaro: fome, inflação, desemprego”.

O discurso do ex-presidente no evento, lido para evitar falhas depois de uma sequência de gafes, destacou o papel das mulheres, repudiou “o extermínio da juventude negra e o racismo estrutural” e lamentou que pessoas sejam “espancadas e mortas por conta de sua orientação sexual”.

Na ocasião, ele também saiu em defesa dos povos indígenas, pronunciando a expressão três vezes.

Dias antes, entretanto, sem roteiro escrito, Lula lançou mão do termo “índio”, repelido por líderes dos povos originários, que o relacionam a um preconceito histórico e à folclorização dessa população. Também usou uma palavra problemática (“galega”) para descrever a presidente do PT.

Ao prometer criar um ministério para cuidar de questões indígenas, o petista disse: “Alguém vai ter que assumir o ministério. E não será um branco como eu ou uma galega como a Gleisi. Terá que ser um índio ou uma índia”.

Quando há deslizes do tipo, conselheiros alertam o ex-presidente e o orientam. Os relatos são os de que ele ouve as demandas na maior parte das vezes. Esposa de Lula, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, é tida como uma das responsáveis pelas correções de rota no linguajar.

Afeita ao ativismo e presente em várias agendas, ela tem tentado moldar o político aos novos tempos e às causas que movem parte do público petista, entre elas o feminismo e os direitos dos animais.

Lula ainda exalta a picanha como símbolo de prosperidade para conquistar votos, mas, pressionado por aliados que pregam o menor consumo de carne, passou a ressaltar também a necessidade de “plantar mais orgânicos para melhorar a saúde das pessoas que são vegetarianas e veganas”.

Em defesa do ex-presidente, auxiliares minimizam a gravidade das falhas e evitam expô-las em público para não criar mais ruídos. Também mencionam o fato de que ele nunca tinha feito campanha eleitoral sob o escrutínio das redes sociais, ainda mais em um ambiente tão polarizado.

Um representante da coordenação da pré-campanha diz que o debate sobre linguagem inclusiva deve ser tratado com tranquilidade, “sem virar uma paranoia”, evitando resvalar em um discurso forçado.

Sobre as críticas, o entorno argumenta que o petista é um defensor da igualdade e do respeito, e não será um ou outro termo inadequado que mudará isso ou definirá as eleições.

Principal adversário dele, Bolsonaro possui um longo histórico de frases preconceituosas sobre minorias. Há alguns dias, voltou a dizer que uma pessoa negra pode ser pesada em arrobas (medida normalmente usada para animais). Ele já foi condenado por racismo, na primeira instância, por essa analogia.

Lula, ironicamente, fez coro no mês passado aos detratores do politicamente correto, que consideram haver patrulha excessiva sobre conteúdos pejorativos ou ofensivos. O petista disse que o mundo “está chato pra cacete” porque “todas as piadas agora viraram politicamente erradas”.

Ele, que é pernambucano, afirmou que “um mundo multipolar” seria mais feliz. “O cara contando piada de nordestino e eu rindo. Eu contando piada de outras pessoas e as pessoas rindo.”

Palavras da discórdia na campanha de Lula

Tesão

Aparece em um raciocínio que já virou uma espécie de bordão, quando o ex-presidente diz que, apesar de ter 76 anos de idade, está com “tesão de 20”. Ele usa a analogia para destacar sua vontade política de transformar o país. Militantes se incomodam porque consideram o termo depreciativo para o conjunto das mulheres, com perpetuação de estigmas como a submissão feminina

Índio

O termo é visto como desrespeitoso. O mais recomendado é falar “indígena” (ou “povos indígenas”, quando a referência for ao conjunto dessa população). Lula passou a usar as palavras indicadas depois de conselhos, mas ainda comete deslizes. Em abril, ao prometer criar um ministério para a área caso seja eleito, disse que ele “terá que ser [assumido por] um índio ou uma índia”

Escravo

Ativistas da causa racial afirmam que a expressão reduz as vítimas de escravidão a uma condição perene e ignora sua subjetividade, amenizando o fato de que foram submetidas forçadamente a esse processo. Por isso, recomendam a substituição por “escravizado”. Lula disse em 2021 que, na visão da elite após a abolição no Brasil, os negros “deixaram de ser escravos para virar vagabundos”

Escurecimento

A palavra foi usada pela apresentadora do evento que oficializou a chapa com Alckmin, no último dia 7. Ao dar uma explicação ao microfone, a cantora Lika Rosa anunciou: “Quero aqui fazer um escurecimento, ou esclarecimento”. Ela, que é parda, diz que a mudança foi iniciativa sua, como manifestação por mais representatividade. Bolsonaristas ridicularizaram a fala e atacaram o PT

Picanha

A carne é usada por Lula como exemplo de uma prosperidade que ele promete devolver aos brasileiros mais pobres, caso volte a ser presidente. Embora ainda conste em seus discursos, a referência passou a ser acompanhada de menções ao consumo de vegetais e à agricultura orgânica, após reclamações de apoiadores que militam pelo veganismo e pelos direitos dos animais

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