22/04/2017

Em busca de vida melhor no Brasil, senegaleses vieram parar na Baixada Santista; veja na reportagem

Por Denize Sierra/#Santaportal em 22/04/2017 às 15:13

BAIXADA SANTISTA – Eles são negros retintos, de uma cor que raramente ainda se vê no Brasil tão miscigenado. Estão nas feiras livres, circulando pelas ruas à noite, próximo dos pontos movimentados e, nas praias da região. Vendem óculos de sol, caixas de música, pau de selfie, roupas e muitas outras bugigangas. A maioria vem do Senegal, país da África. Na praia do Itararé, em São Vicente, encontrei vários em reportagem para o #Santaportal .

A princípio me tratam com simpatia, afinal sou uma cliente em potencial, exibem as mercadorias, falam os preços e, antes que demonstre qualquer interesse, eles mesmos já oferecem desconto, fazendo do negócio uma sedutora pechincha, mas quando me identifico como jornalista ficam ariscos e a barreira da língua os torna ainda mais arredios. Penso nas histórias, na jornada que tiveram de enfrentar até chegar aqui. De Billy Joe consegui algumas informações. Está há dois anos no Brasil, mora em São Paulo e divide o apartamento com mais oito senegaleses. Trabalha como pedreiro e, nos finais de semana, vem para a Baixada Santista vender roupas na praia. Deixou mulher e filha na África.

Tento prosseguir a entrevista, mas ele logo se afasta, mostrando que não quer mais conversa. Passado alguns dias, volto à praia do Itararé, caminho na areia e ouço o funk que vem da caixinha de som. Me aproximo, peço para abaixar a música e pergunto se podemos conversar. Dei sorte! Pape Mbaye abre um sorriso e concorda, desde que seja rápido para não atrapalhar as vendas.

Ele conta que tem 35 anos, trabalhava como agricultor no Senegal e ouviu falar das possibilidades de ganhar dinheiro no Brasil. Ele está há três meses aqui. Um agenciador cobrou R$ 15 mil para trazê-lo. Veio de avião até o Equador. A rota é usada pelos coiotes porque no país não é necessário visto de entrada. De carro cruzaram a fronteira e chegaram ao Brasil. “O Brasil tem uma enorme fronteira terrestre, ultrapassa os 15.000 km e há insuficiência na fiscalização, há facilidade para entrar no país, principalmente pelo Acre”, explicou Carla Ficsher, professora de Direito Internacional da Unisanta.

Pape foi morar no Centro de São Paulo, divide um quarto com mais quatro senegaleses. Compra as mercadorias no Brás, bairro da capital paulista. São caixas de som, pau de selfie e porta crachá. Vende lá, e nos finais de semana, vem para o litoral.

Separado, deixou uma filha de cinco anos na África. “Morro de saudade, converso com ela todos os dias por celular, whatsapp, skype”, confessou ele.

Localizado a oeste do continente, o Senegal é um dos poucos países africanos que não tem conflitos internos, mas é considerado um dos mais pobres do mundo. Está entre os vinte e cinco com pior IDH, Índice de Desenvolvimento Humano. A esperança de uma vida melhor alimenta o sonho.

Segundo dados do Ministério da Justiça, em 2014 os senegaleses foram a segunda nacionalidade que mais entrou no Brasil, a primeira são os haitianos. A professora explica que os haitianos recebem visto de permanência humanitário já que a situação social no país se agravou muito com o terremoto ocorrido em 2010, mas não é o caso dos senegaleses. A onda migratória dos africanos se intensificou há quase 10 anos quando a imagem do Brasil lá fora era bastante positiva, uma terra de possibilidades. Passada quase uma década a realidade é bem diferente.

Quando pergunto a Pape o que acha do Brasil faz sinal de negativo e conclui, “não tem dinheiro, aqui trabalha muito e ganha pouco.” Tira em média R$ 800 por mês, menos que um salário mínimo. Reclama também do preconceito: “Brasil é racista, muito triste, me olha feio e faz assim”, afirmou ele, fazendo com as mãos o gesto ríspido do qual já foi vítima inúmeras vezes ordenando que se afaste.

Nunca foi preso, mas volta e meia a polícia apreende suas mercadorias. Pede dinheiro emprestado aos amigos para comprar de novo os produtos e se arrisca a perder tudo mais uma vez. Afirma que tem carteira de trabalho, mas está carimbada por um futuro incerto. “Diferentemente dos haitianos, não há uma resolução normativa para os senegaleses, eles estão sujeitos ao que determina o Estatuto dos Refugiados elaborado na Convenção de Genebra em 1951”, esclareceu a professora.

A lei reconhece como refugiado o indivíduo que sofre perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas e não por razõeseconômicas. “Os senegaleses estão utilizando esse argumento ao pedir o refúgio, consoante ao princípio da proteção imediata, o estrangeiro não pode ser deportado. As convenções internacionais estabelecem que é preciso conceder autorização provisória de permanência. Por causa dissoo país tem que conceder a documentação necessária para o estrangeiro residir temporariamente no país, enquanto tramitar o pedido de refúgio, a serdecidido pelo CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados”, destacou a professora.

Diante de uma realidade tão adversa que inclui subemprego,preconceito e dificuldades econômicas,pergunto a Pape o que sentiria se tivesse de voltar para o Senegal. Ele dá de ombros, suspira e confessa que até ficaria bem, afinal estaria perto de quem mais ama. Somos interrompidos por uma menina interessada em comprar uma caixa de som. Ele pergunta o nome dela e, ela responde: Sofie.“Sofie! Tem muito esse nome no Senegal.”

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