31/08/2023

Cannabis para autismo e a importância de pesquisas são tema de debate

Por Santa Portal em 31/08/2023 às 16:07

Divulgação
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A audiência pública da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial foi a pauta discutida no auditório da Assembleia Legislativa do estado de São Paulo (Alesp) na última quarta-feira (30). O deputado estadual Caio França (PSB) foi o mediador do encontro que trouxe médicos, representantes de universidades públicas, pesquisadores e advogados para debater sobre o tema.

O médico psiquiatra e coordenador do Núcleo de Cannabis Medicinal do Hospital Sírio Libanês, Vinicius de Deus Silva, defendeu o uso da cannabis medicinal no Transtorno do Espectro Autista (TEA), citando o aumento na prevalência de diagnósticos de autismo nos últimos anos, citando que nos EUA um a cada 36 nascidos é diagnosticado com autismo.

O transtorno é caracterizado por um prejuízo na interação e na comunicação social e em um padrão restrito e repetitivo de interesses, atividades e comportamentos estereotipados Ele acrescentou ainda que em alguns casos os pacientes também podem apresentar déficit intelectual, comprometimento de linguagem, alterações gastrointestinais, epilepsia e outras manifestações.

O médico reforçou que além dos sintomas centrais do autismo, o paciente pode apresentar comorbidades como agressividade e autolesão, a hiperatividade e déficit de atenção, ansiedade e depressão. O autista, explica o psiquiatra, pode apresentar também sintomas psicóticos. Silva destacou a importância das abordagens terapêuticas e multidisciplinares, mas ressaltou que do ponto de vista psicofarmacológico não existe nenhum medicamento que possa contemplar os sintomas centrais do autismo.

“É uma condição órfã de tratamento. Para os autistas agressivos é possível usar risperidona e aripiprazol. Porém, muitas vezes a criança está tendo uma dor abdominal e não consegue comunicar o problema, no entanto, é administrada a risperidona, por exemplo. Hoje a ciência moderna estuda os mecanismos que levam diversas condições e doenças a uma característica comum, diversas vias do nosso organismo podem estar alteradas, levando ao desfecho dos sintomas apresentados pelo autismo”, emendou.

O mais pesquisado são os processos neuroinflamatórios, explicando que qualquer patologia leva a um estado inflamatório, gerando o estresse oxidativo. “O corpo funciona assim: inflama aquilo que está doente. Dessa forma, estudos com a neuroinflamação do autismo estão cada vez mais avançados e robustos. Na neuroinflamação, portanto, não existe nenhum medicamento psiquiátrico convencional que atue na base do problema, já que eles vão atuar nos neurotransmissores”, esclareceu.

Silva explica que é nesse momento que entra a cannabis medicinal. Os canabinoides se ligam a uma rede de receptores distribuídos pelo corpo denominado sistema endocanabinoide que promove a modulação tanto do sistema nervoso quando do sistema imunológico, atuando na remissão dos sintomas de algumas enfermidades, promovendo neuroproteção e melhorando assim a condição de seu desenvolvimento durante a vida.

O relato de Flavia Torino, advogada e membro da Comissão de Direito da Pessoa com Deficiência, da OAB-SP, que é autista e mãe de dois filhos com autismo corroborou a explicação do médico. Ela destacou que o tratamento com a cannabis medicinal mudou a sua vida e de seus filhos. Ela lembrou ainda que a OAB-SP direcionou ofício à Secretaria Estadual de Saúde no início do processo de regulamentação solicitando a adoção do uso compassivo para os pacientes com TEA.

No ofício, a entidade diz que “a adequada promoção de políticas públicas ocorre quando há um olhar sistêmico sobre esse indivíduo, não o segmentando, ou pior, limitando-o à sua deficiência ou eventuais patologias/comorbidades existentes. Será a partir desse olhar ampliado e sistêmico, associando às condições de saúde desse organismo a promoção de qualidade de vida e dignidade, que a adoção de um tratamento com produtos derivados de cannabis deve ser avaliado, em cada caso concreto, pelo médico assistente responsável”.

O texto acrescenta ainda que “diante dos inúmeros benefícios já comprovados em estudos qualificados, em âmbito mundial, no tocante ao tratamento de pacientes PcDs, inclusive com TEA, com produtos a derivados de cannabis para fins medicinais, restringir as hipóteses de prescrição, certamente não atende ao interesse e a saúde dessa população, tampouco se coaduna com o vanguardismo da medicina brasileira”.

O deputado estadual Caio França, autor da Lei Estadual 17.618/23 que inclui a cannabis medicinal no SUS Paulista e membro do grupo de trabalho que regulamenta a normativa, relembrou toda a sua luta pela inclusão dos autistas na relação de patologias elencadas para distribuição. “Enviamos o ofício encaminhado pela Dra. Flavia e assinado pelo Dr. Mizael Conrado, presidente da Comissão da OAB.

Fizemos uma reunião na sede da secretaria com os técnicos e outros membros do grupo de trabalho e levamos o Dr. Vinicius, que hoje está conosco compondo essa mesa e é referência no assunto para aprofundar o tema. Sou o maior defensor da liberdade de prescrição médica. Estamos empenhando todo o esforço no sentido de que o TEA seja contemplado o quanto antes nessa regulamentação”, assegurou o parlamentar.

Pesquisa- O diretor da ADWA, engenheiro agrônomo, referência em tratamento genético e de cultivo de cannabis da Universidade Federal de Viçosa, Sérgio Rocha, que conseguiu autorização judicial de cultivo para fins de pesquisa, em 2020, destacou a importância de o Brasil ter uma independência tecnológica em relação ao tema, inclusive com a possibilidade de exportar essa tecnologia. Sérgio também chamou atenção para o fato da cannabis já ser considerada a mais nova comodity agrícola.

O assessor docente da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UNICAMP, José Luiz da Costa, destacou a necessidade de apoio e investimentos em pesquisas a respeito da cannabis medicinal, inclusive passando pelas associações, e que as indefinições legais dificultam o avanço das pesquisas. O professor defendeu ainda a aprovação do novo projeto de lei 563/23, de autoria do deputado Caio França, que incentiva a pesquisa científica e a produção de cannabis medicinal de forma monitorada pelas universidades estaduais paulistas, e os institutos de pesquisas vinculados ao governo estadual. “Hoje, a heterogeneidade de composição, pela falta de regras e legislação, é um entrave para o controle de qualidade e definições que podem auxiliar o tratamento de pessoas que precisam. Segundo ele, o controle é também uma forma de garantir que essas plantas não possuam metais pesados, agrotóxicos e resíduos que possam impactar na saúde das pessoas”, destacou.

Regulação

Por fim, o advogado e diretor jurídico do IPSEC, Pedro Gabriel Lopes, destacou o pioneirismo do estado de São Paulo por meio da implementação dos produtos à base de cannabis no SUS e disse que anseia por avanços também na legislação nacional para que o acesso contemple toda a população.

Ele considerou a importância de São Paulo abrir uma rubrica no orçamento estadual para atender o produto que passará a ser disponibilizado, já considerando a possibilidade de ampliação do rol de comorbidades atendidas.

“São muitos os desafios para garantir o acesso seguro e constante ao medicamento. É preciso recurso, pesquisa e mudança de mentalidade. O mundo das pesquisas clínicas também está se modificando”, assegurou.

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