Bullying sofrido na infância causa consequências na vida adulta, apontam especialistas
Por Milena Estela/ #SantaPortal em 25/02/2021 às 10:50
BULLYING – Ser vítima ou até mesmo executor do bullying durante a infância, pode ser considerado pelos psicólogos como um dos principais fatores de risco dos problemas psicoemocionais graves no futuro.
Atualmente, o bullying vem se tornando cada vez mais conhecido como uma forma de abuso psicológico. O termo significa intimidação. Trata-se de qualquer forma de maus tratos psicológicos, emocionais, verbais e físicos, que são cometidos entre crianças, jovens e adultos, de forma frequente por um longo período.
Segundo a psicóloga Teresa Schiff, o espaço onde o bullying acontece na faixa etária de crianças e adolescente é na escola, pois é onde a criança começa a se socializar com outras. Tudo começa com os apelidos e brincadeiras de mau gosto, normalmente sempre ligado a questão da aparência e das diferenças. Isso pode se tornar um comportamento recorrente e prejudicial para a vida adulta da vítima.
Sofri bullying na escola desde dos meus 7 anos até os 18, quando me formei no ensino médio. Sempre fui muito tímido, o bullying era tanto verbal quanto físico e o que eu sofria me deixava mais antissocial ainda. Preferia me afundar nos livros ao invés de ficar conversando com alguém. Eu também era gago, a minha gagueira era absurda de tão chata, mas consegui resolver com uma fonoaudióloga. Embora eu tenha e carregue alguns resquícios dela ainda hoje, relatou o estudante de Jornalismo, que preferiu não se identificar, em entrevista ao #Santaportal .
O rapaz de 21 anos conta que os meninos da turma da escola onde estudava, incomodava-o bastante por ele nunca ter gostado de esportes. Eles achavam que eu era gay por não gostar de esporte, e ficavam com xingamentos a respeito da minha sexualidade. Riam do meu jeito acanhado e, um episódio que posso contar – e acho que nunca vou me esquecer – é que eles, certa vez, tiraram uma semana para ficar me alisando e se esfregando em mim. Sempre fui muito magrinho, tentava empurrá-los, mas não conseguia me defender. Eles queriam me deixar mal e provar alguma teoria sobre a minha sexualidade.
O bullying também está em casos de pessoas ligadas a questões cognitivas, muito inteligentes, os nerds, ou com mais dificuldade no aprendizado. Essas atitudes tomam uma proporção grande por estar num ambiente com outras pessoas. E na escola é o local onde isso ganha muita força, segundo Teresa.
Dependendo do grau do bullying, pode acabar gerando um trauma na vida da vítima. Isso deve ser trabalhado com profissionais e, se a criança desenvolve alguma questão mais séria, como depressão ou ansiedade, ela poderá procurar um psiquiatra para tomar alguma medicação.
Teresa explica que o trauma tem que ser trabalhado porque a pessoa precisa ultrapassá-lo, então fazer terapia é recomendado. Através da sessão de terapia, a vítima vai contar o ocorrido, relembrar a situação e ressignificar aquela dor vivida. É preciso saber lidar com isso para não provocar sintomas, que podem se desenvolver na medida em que o indivíduo não trabalha esses traumas na vida adulta.
Em um ambiente familiar, os pais que têm a vida corrida, precisam arranjar tempo para dar atenção aos filhos. Demonstrar interesse pela vida escolar da criança, perguntar sobre os amigos, as aulas e sempre abrir espaço para o diálogo, algo fundamental da vida.
Existe alguns sinais muito importantes que a criança demonstra, como não querer sair do quarto, perder o apetite ou comer demais. Isso pode a deixar agressiva, ter resistência a escola e sem foco. As crianças começam a se desenvolver com o vínculo entre amigos e isso é extremamente essencial. Teresa relata que, diante disso, o jovem que começa a se afastar dos amigos e a não ter vínculo com ninguém, não é um bom sinal. Os pais tem que ficar muito atentos. Se o jovem já está com depressão pode se tornar apático e se está com ansiedade pode ficar muito agressivo.
A autoestima é diretamente afetada pelo bullying. Na infância, o jovem está desenvolvendo-a. É se relacionado com as pessoas que a criança vai realmente se conhecendo. Autoestima tem a ver com o amor próprio e um pouco do que recebemos do outro. Se a vítima começa a receber só negatividade, isso irá afetar. Criança ferida é a criança que fere, e isso é de responsabilidade dos pais e educadores.
A autoestima da pessoa ficará muito comprometida e isso gera inseguranças, em uma postura de vida muito carente. A carência em excesso pode ser prejudicial, pois é fruto de coisas que não foram bem elaboradas no passado.
Com a pandemia, nós psicólogos percebemos que esse assunto da saúde mental é a porta da frente de muitos jovens. Antigamente, ninguém queria trazer esse assunto à tona. Mas hoje em dia, com a evolução da comunicação, infelizmente é muito comum escutar esse tipo de história.
O estudante de Jornalismo conta também que sofre de baixa autoestima, não gosta de sair de casa e quando precisa, costuma pensar que todos na rua estão olhando e rindo dele. Eu tenho essa sensação. Não sei se é verdade ou não, mas odeio que a atenção se vire para mim, porque parece que as pessoas estão sempre cochichando e fazendo piadinhas ao meu respeito”.
Quando tinha 8 anos, o jovem costumava se consultar com psicólogos. Ele sempre foi uma criança com muitos questionamentos, dúvidas, sensações e seus pais não sabiam como o ajudar sozinhos. Então, recorreram a ajuda de um profissional. Porém, não adiantou muito, sua timidez o fazia com que não tivesse coragem de se abrir para o especialista.
Atualmente, o rapaz ainda não superou o bullying sofrido na infância. Tenho medo de falar com as pessoas e continuo extremamente antissocial. Tenho crise de choro às vezes, sozinho no meu quarto. Ainda me acho muito feio e costumo me colocar para baixo o tempo inteiro, involuntariamente”. Ele planeja voltar a consultas com algum psicólogo para tratar não só da timidez, mas especificamente do bullying na qual sofreu.
Bullying na Legislação Penal
O #Santaportal ouviu também o advogado Mateus Pirani, que explicou como o bullying deve ser resolvido de uma forma jurídica.
A violência pode ser de ordem física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação. Acrescenta-se a apelidação pejorativa, ameaças por qualquer meio ou forma, grafitagem depreciativa, isolamento social consciente e sexualização.
Normalmente começa quando um par, colegas de escola ou de profissão, identifica na vítima alguma questão de ordem pessoal e, ao projetar nela suas frustrações, começa um sistema de reiteradas ações depreciativas, que se inicia com piadas características (condição de sobrepeso, uma fisionomia específica, um estilo de vestimenta etc) e evolui para ataques de ordem física e imputação de sofrimento psicológico, quadros que podem avançar para uma incitação ao suicídio.
O primeiro processo para as medidas de ordem jurídica é cientificar imediatamente a família (se for menor), bem como o responsável pela supervisão ou direção do local onde as agressões ocorrem; isso inclui os desenvolvedores das comunidades online, nos canais de denúncia dos cyberbullying. Depois, buscar auxílio de um profissional, advogado atuante da área, para auxiliar na formalização de ordem policial e jurídica.
Nós temos no ordenamento jurídico brasileiro, as medidas socioeducativas imputadas aos adolescentes que cometem esse tipo de ato infracional, que pode ocasionar o encaminhamento à Fundação CASA. Além disso, a vítima pode pleitear reparação civil, para que o agressor ou sua família (se for menor) custe uma indenização por danos morais, bem como o tratamento psicológico, internação e medicamentos que sejam necessários para todo tratamento reparador, explica Pirani.
No enquadramento da legislação penal, existe a necessidade de uma leitura conjunta com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Se for diante de um cenário em que agressor ou vítima forem crianças e adolescentes, com as legislações de natureza civil, o caso é voltado para as indenizações.
O ECA irá dosá-lo as indenizações e analisá-lo sobre a ótica do código penal. Se o agressor for menor de idade, ele vai praticar o ato infracional. Em resumo, o próprio crime que está no código penal, só que ele é tratado de uma forma um pouco diferente em relação ao adolescente. Atualmente, o bullying não é tipificado, ou seja, ainda não está na lei, está em palavras por volta de um crime, como um roubo ou furto.
A somatória de vários tipos penais acaba compondo o bullying. Então, essa prática é um termo para se fazer o enquadramento técnico, mas quando é realizado de fato a imposição do tipo penal, é o conjunto de vários crimes. Normalmente tem constrangimento ilegal, lesão corporal de natureza leve, ou pode ir progredindo até chegar numa difamação, injúria, calúnia, ameaça, incitação ao suicídio.
O tipo penal em si do bullying ainda está em tramitação legal para ser inserido no código. Existe apenas uma legislação, que é numerada como 13.185 de 2015 que institui um programa de combate ao bullying, mas ela não tem pena.
Esse processo é realizado de uma maneira simples: se o agressor for menor de idade, de 12 anos até aos 18 incompletos, responderá pelos tipos penais que estão no código penal. Tudo isso vai ser reinterpretado pelo ECA, que é uma legislação penal, e será respondido de forma adequada pelo próprio estatuto.
A depender da gravidade do ato infracional cometido, o agressor poderá responder com advertência formal, algumas restrições e inclusive chegar ao apenamento máximo, que seria o encaminhamento à Fundação CASA, por no máximo três anos. Ao adolescente essa é parte que o advogado aplica.
Se o bullying estiver sendo praticado na internet ou já entre pessoas capazes e maiores, no ambiente profissional, aplica-se completamente a legislação penal. Será somado todas as penas, que são absorvidas. Mas, a depender do grau de criminalidade ou até mesmo o resultado útil do processo, pode variar de meses de detenção ou até anos de reclusão.
A parte criminal é assim que a gente comporta. A primeira análise que a gente vai fazer é essa extrata de maiores e menores, capazes e incapazes, em que ambiente, e daí será analisado qual a melhor legislação a ser aplicada. Mas, por enquanto, não temos uma lei para tipificar o bullying como crime. Isso não é negativo, porque o fato de não existir o crime ainda, quando a gente faz o apenamento do agressor, é somada várias penas de todos os tipos criminosos que ele cometeu.
A importância da atenção dos pais para a criança que sofre bullying reside no caráter quase sempre irreversível. Tratar do assunto com desatenção ou entubar qualquer conduta como se fosse piadas do cotidiano, pode causar um mal permanente na criança, que crescerá imbuída de traumas, sobretudo a dificuldade da convivência social e profissional.
Segundo Pirani, essa dificuldade de sociabilidade ou fobia de se relacionar acaba fechando portas para todo tipo de seguimento na vida adulta. As angústias são muito pessoais. Cabe, até por força Constitucional, à família, sociedade civil e Estado, a manutenção do bem-estar das crianças e adolescentes. Perceber com muita empatia essa condição e procurar imediatamente minimizá-las é fundamental. Infelizmente, por vezes, esse mau passa despercebido e só se percebe quando alcança resultados extremos, como os suicídios de algumas crianças e adolescentes.