Família de adolescente morto pela PM em Santos fica sem velório e sem cortejo

Por Tulio Kruse/Folhapress em 08/11/2024 às 11:00

Allison Sales/Folhapress
Allison Sales/Folhapress

A família de Gregory Ribeiro Vasconcelos, 17, fez seu enterro sem velório, sem o cortejo que havia planejado pelo bairro onde ele morou e sem vê-lo dentro do caixão. Ele foi morto por policiais militares enquanto andava de moto com outro adolescente de 15 anos no Morro São Bento, em Santos, na noite de terça-feira (5). Na ação, Ryan da Silva Andrade Santos, 4, também foi baleado e morreu.

O velório foi cancelado devido às condições precárias de conservação do corpo. Familiares e amigos disseram que ele ficou fora do refrigerador durante mais de 24 horas. Além disso, contam que um dos tiros o atingiu no rosto, o que já impediria uma cerimônia com o caixão aberto.

O cheiro do cadáver e a demora na liberação do corpo fizeram com que o velório, que já havia sido contratado, fosse cancelado.

A Polícia Militar afirma que Gregory e o outro adolescente que estava na moto atiraram contra agentes da Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas), que teriam revidado o ataque. Eles estariam num grupo de até dez pessoas que hostilizaram os policiais, segundo as informações oficiais.

Família e moradores negam essa versão. Dizem que os dois adolescentes foram abordados por estarem andando em alta velocidade sem capacete numa área de favela, que foram baleados pelas costas e que, mesmo com os dois caídos no chão, houve disparos em direção à uma parte da rua onde crianças estavam brincando -atingindo em cheio o menino Ryan e ferindo de raspão o braço de uma mulher.

Porta-voz da PM, o coronel Emerson Massera falou em troca de tiros com, possivelmente, mais de cem disparos. Nenhum policial ficou ferido. Em dois boletins de ocorrência sobre o caso, não há menção a viaturas ou motos da PM atingidos por disparos dos suspeitos.

Uma familiar do adolescente, que conta ter ido ao local da ocorrência, disse que um policial mostrou a ela uma foto do adolescente reproduzida de uma rede social. Isso teria ocorrido minutos após ele ser ferido pelos policiais.

A reportagem ouviu de três pessoas, entre amigos e familiares de Gregory, que houve uma recomendação de policiais à família para que não fizesse um cortejo como o que ocorreu em homenagem a Ryan, morto na mesma ocorrência.

Durante a manhã desta quinta (7), uma equipe do Batalhão de Choque bloqueou a passagem da carreata de Ryan por alguns minutos. Houve troca de ofensas entre motociclistas que participavam do ato e policiais, antes que o caminho fosse liberado.

Moradores reclamaram da presença policial junto ao cortejo do menino, o que entenderam como uma intimidação. Após o enterro, houve um desentendimento entre o ouvidor das polícias, representantes de entidades de proteção aos direitos humanos e uma equipe da Força Tática da PM.

A família de Gregory, por sua vez, sugere que o atraso na liberação do corpo tenha sido proposital, para que a família não pudesse fazer o velório.

O carro fúnebre chegou ao cemitério da Areia Branca com atraso e sem a coroa de flores que havia sido encomendada. Revoltados, parentes e amigos ficaram em pé em volta do carro, recusando-se a deixar o caixão entrar no cemitério sem a coroa de flores -que chegou cerca de 15 minutos depois.

“Ele já está todo cortado lá dentro. Precisava fazer isso com ele, trazer desse jeito? Por que todos vêm com flores e o meu não?”, disse a mãe, Lucineia. “Meu menino não era marginal.”

Amigos de Gregory soltaram dezenas de rojões e bombas, tanto do lado de fora do cemitério quanto lá dentro, enquanto transportavam o caixão.

Alguns cantavam. Quase todos vestiam camisetas em homenagem ao garoto, algumas delas com referências a seu apelido: Surfista.

O pai fez um discurso e um sermão, direcionado principalmente aos adolescentes, antes que o caixão fosse colocado numa gaveta fúnebre e fechado com tijolos e cimento.

“Honre seu pai e sua mãe sempre”, ele disse. “A polícia matou um menino inocente”, declarou.

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