Casal santista condenado por lesar artista com sonho europeu deve ressarci-lo em R$ 1,4 milhão

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 15/11/2025 às 06:00

Freepik
Freepik

Vítimas de um megaestelionato que os lesou em R$ 1,4 milhão, um artista plástico e a sua mulher devem ser indenizados integralmente. A decisão é da 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Ela deu provimento ao recurso de apelação da advogada do casal, a fim de que ele seja ressarcido pelo trio condenado por enganá-lo, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP).

A decisão do colegiado foi unânime. O acórdão também negou provimento aos recursos dos réus, que pleitearam a reforma da sentença para absolvê-los por insuficiência de prova ou, ao menos, reduzir a pena por estelionato. Pedro Rodrigues de Melo Junior, Tiago Carvalho Siqueira e Fabíola de Almeida Freire (mulher de Tiago) foram condenados a três anos de reclusão, em regime inicial semiaberto.

A juíza Fernanda Helena Benevides Dias, da 10ª Vara do Fórum Criminal de São Paulo, não fixou a verba indenizatória sob a justificativa de que, “tratando-se de danos materiais, o Ministério Público deixou de indicar valor exato para indenização”. Porém, na dosimetria das penas, a magistrada apontou circunstâncias judiciais “bastante desfavoráveis, eis que o golpe acarretou grande prejuízo da ordem de R$ 1,4 milhão”.

Relator das apelações, o desembargador Renato Genzani Filho acolheu os argumentos da advogada das vítimas. Ela sustentou que a fixação de indenização em sentença penal condenatória, para fins de reparar o dano causado pelo crime, não exige a menção de valor na denúncia. Conforme o julgador, para se impor a verba indenizatória na sentença, basta pedi-la na inicial, desde que a quantia seja depois aferida e comprovada na ação.

A advogada Luiza Nagib Eluf, que representa as vítimas, interpôs o recurso na qualidade de assistente da acusação. Segundo o relator, a insurgência dela procede, “sendo o caso de se fixar o valor indenizatório no montante de R$ 1,4 milhão, pois correspondente ao prejuízo material comprovadamente suportado pelas vítimas”. A desembargadora Carla Rahal e o desembargador Guilherme Strenger seguiram o voto de Genzani.

Para o colegiado, apesar de o MP não expressar em valores o montante requerido, ele fez referência ao efetivo prejuízo suportado pelas vítimas, “bem demonstrado pelos documentos constantes dos autos e confirmado pela prova oral produzida em juízo”. Desse modo, a quantia foi submetida ao contraditório e à ampla defesa, superando por isso os requisitos legais e jurisprudenciais exigidos para o arbitramento da indenização.

Fabíola, Tiago e Pedro: pena de três anos no semiaberto

Desfalque financeiro

Em relação ao golpe em si, ao negar provimento aos recursos defensivos, a 11ª Câmara de Direito Criminal destacou que inexiste controvérsia quanto ao desfalque financeiro imposto às vítimas, sendo a conduta de cada réu individualizada. “A manutenção da responsabilização de todos os acusados é medida de rigor. E, irretocável até aqui a sentença, tampouco as penas comportam qualquer ajuste”.

“O crime ora em apreço muito extrapolou o ordinário para casos da espécie, merecendo deste modo sancionamento mais severo que ordinariamente se aplica”, observou o relator. Assim sendo, ele considerou adequada para o caso a pena de três anos de reclusão, por ficar em um patamar intermediário. O artigo 171 do Código Penal (CP) pune o estelionato com um a cinco anos.

O relator apontou o regime semiaberto e a não substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito como acertos da sentença. Segundo ele, a sanção condiz com os “agudos prejuízos que suportaram as vítimas, que experimentaram a angústia de perderem as economias de suas vidas no elevado montante de R$ 1,4 milhão, além de também amargarem consequências para a sua saúde e relações com familiares”.

Além da pena de três anos de reclusão, cada réu foi condenado ao pagamento de 30 dias-multa, também mantido pelo colegiado por estar lastreado em dados do processo. Em relação a Pedro, devido à falta de informações precisas sobre a sua condição financeira, cada dia-multa foi fixado no mínimo legal (um trigésimo do salário mínimo da época do crime, em 2017), o que perfaz o total de R$ 937,00, já calculada a quantidade de diárias.

Por expressarem possuir valioso patrimônio de cerca de R$ 17 milhões, Tiago e Fabíola, que são casados, tiveram cada dia-multa estabelecido em três salários mínimos, totalizando a sanção em R$ 843,3 mil. A pena de multa é revertida ao fundo penitenciário e tem como parâmetro o salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, conforme o artigo 49, caput, e parágrafo 1º do CP.

Pacote de ilusão

Com o sonho de se mudar para a Áustria e lá expor os quadros pintados pelo artista plástico, o casal lesado realizou entre os meses de julho e outubro de 2017, em São Paulo, quatro aportes financeiros para os réus depositarem em conta que eles prometeram abrir em nome das vítimas naquele país europeu. A primeira parcela entregue foi de R$ 800 mil, sendo as outras três de R$ 200 mil cada.

Tiago e Pedro eram sócios da empresa que à época dos fatos prestou a pretensa assessoria às vítimas na suposta operação financeira. Fabíola, por sua vez, teve sua atuação voltada a convencer o artista plástico e a mulher dele de que o negócio feito era seguro e vantajoso, porque os investimentos na Áustria poderiam lhes render juros de aproximadamente 30% a cada seis meses.

De acordo com a juíza Fernanda Dias, Fabíola teve “papel essencial” na fraude para ludibriar as vítimas. Além disso, essa ré foi a responsável por fazer o artista plástico acreditar que poderia expor as suas telas em uma galeria de artes que ela inauguraria em Viena, capital austríaca, “de modo que as vítimas foram ao país europeu e levaram diversas obras de arte para uma exposição que nunca ocorreu”.

A ação penal foi ajuizada em 2019, mas o casal réu, residente em Santos, no litoral de São Paulo, demorou quase três anos para ser citado. A sua antiga defesa indicou nos autos endereços na Eslovênia e na Áustria, retardando o regular andamento do processo. Após a citação, as vítimas chegaram a ter a real expectativa de serem ressarcidas, porém, tudo não passou de novo engodo orquestrado por Tiago e Fabíola.

Esses dois réus aceitaram acordo de não persecução penal (ANPP) proposto pelo MP. O juízo homologou o ajuste, que tem na confissão do crime um dos seus pressupostos e na reparação integral do dano uma de suas condições, conforme dispõe o artigo 28-A do CPP. Contudo, sem que Tiago e Fabíola cumprissem o combinado no prazo definido, houve a rescisão do ANPP, sendo a ação retomada.

Do valor que os acusados se comprometeram a devolver, nada chegou a ser depositado na conta bancária indicada pelo artista plástico. Segundo o MP, a vida das vítimas foi “devastada”, porque perderam tudo o que pouparam e tornaram-se inadimplentes. Para piorar, o artista sofreu um acidente vascular cerebral devido ao estresse causado pela fraude e ficou impossibilitado de pintar, tornando-se totalmente dependente da mulher.

*Texto por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News

loading...

Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.