Procurador eleitoral analisa o papel do Ministério Público e os desafios das eleições municipais

Por Santa Portal em 17/09/2024 às 11:00

Sarah Vieira/Santa Portal
Sarah Vieira/Santa Portal

O procurador regional eleitoral de São Paulo, Paulo Taubemblatt, discutiu, em entrevista ao Rumos & Desafios, exibida na última quinta-feira (12), as funções do Ministério Público nas eleições, os desafios enfrentados, e a importância da integridade eleitoral, no contexto das fake news e da violência política. Confira a entrevista na íntegra abaixo.

Neste ano, o senho foi designado pelo procurador geral da República, o Paulo Gonet, para integrar o Grupo Executivo Nacional da Função Eleitoral (Genafe). O que faz esse grupo?

O Paulo Gonet é o procurador-geral eleitoral do exercício anterior no Ministério Público Federal, ou seja, conduziu as eleições de 2022. Então ele é um colega com extrema experiência na área eleitoral.

E o Genafe tem uma função de coordenação de todos os PREs, ou seja, de todos os procuradores regionais eleitorais em cada um dos estados. Então ele estabelece as diretrizes gerais a partir das quais nós atuamos e também as diretrizes gerais que são encaminhadas aos promotores eleitorais em cada um dos municípios do Brasil.

Algum pedido em especial foi feito para as eleições municipais deste ano?

Sim, participamos inclusive de uma reunião com a ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, que nos instou a todos a tomarmos muito cuidado com os registros de candidatura envolvendo pessoas com passado de criminalidade organizada.

Qual é o papel do Ministério Público nas eleições?

O papel do Ministério Público é um papel de fiscalização geral do processo eleitoral, que tem uma série de protagonistas. Num sentido amplo, o maior protagonista do processo eleitoral é o cidadão eleitor. Ele que vota, ele decide quem ganha, quem perde, quem ocupa as câmaras, nas eleições gerais quem é governador, quem é senador, quem é deputado. Nas eleições agora que viveremos em 2024, prefeitos, vice-prefeitos, prefeitas, vice-prefeitas e vereadoras e vereadores.

O Ministério Público é um dos atores nesse processo. Além dos candidatos, ele tem um papel de legitimação própria para propor as ações eleitorais. Nas impugnações de candidatura, por exemplo, o MiP tem a legitimidade para dizer que esse candidato tem uma causa de inelegibilidade, ele não pode ser candidato. Aquele outro cometeu uma falta grave durante o processo eleitoral, então vamos entrar com uma ação de investigação judicial eleitoral para que o registro dele seja ao final cassado e ele perca a diplomação dele caso eleito.

E o MP, quando ele não é o protagonista, porque partidos políticos e candidatos também podem propor ação, ele faz parecer eles, ou seja, ele atua como o fiscal da lei em todos os processos eleitorais. Tem muito trabalho nessa época, muita movimentação.

Nesse caso das eleições municipais, quem faz esse papel é o promotor de Justiça local?

Sim, temos pela via da Procuradoria Regional Eleitoral, que hoje está sob o meu encargo no Ministério Público Federal, uma interface muito boa com o Ministério Público Estadual.

Dr. Paulo Sérgio Oliveira, que é o procurador-geral de Justiça, tem uma equipe de assessoria na área eleitoral, temos duas colegas lá com quem eu tenho uma interface muito boa, que são a Vera Tabert e a Ana Laura Lunardelli, e conversamos diariamente. E quem atua hoje, quem é o protagonista, quem dá início a todas as ações promovidas pelo Ministério Público são em torno de 430 promotores eleitorais que há no estado de São Paulo.

Participo de um grupo com essas colegas que mencionei e mais um ou dois colegas do Ministério Público. Esse é simples. Agora, elas duas têm um grupo de WhatsApp com 400 colegas, elas dizem para mim que é uma loucura.

E tem prazo para fazer essa análise? Porque o senhor falou que é um volume muito grande de informações. Como que é lidar com isso?

A partir do final das convenções não existe mais feriado e fim de semana na Justiça Eleitoral. Então, os prazos são contínuos e não se interrompem aos sábados, domingos e feriados. Ou seja, não vão se interromper no dia 12 de outubro, em 7 de setembro e aos domingos e etc.

Então, muitos prazos são de 24 horas, que no final se traduzem por um dia. E eles vão e vêm. Estava aqui aguardando uns minutos e estava respondendo o processo aqui. Estava abrindo processos para ver o que eu tinha que fazer, o que tinha que mandar embora. Porque se mandar amanhã, perdi o prazo.

E esse trabalho continua depois da eleição também?

Esse trabalho muito pesado vai até o final do ano. Nos anos pares é muito trabalho. Nos ímpares dá uma pequena folga.

Qual é a importância do direito ao voto em tempos onde a democracia vem sendo atacada?

O voto é o exercício fundamental. Se a pessoa tiver a curiosidade de abrir a Constituição da República, ela vai ver no preâmbulo da Constituição que os deputados constituintes escreveram o Estado Democrático de Direito. A minha instituição, que é o Ministério Público, no artigo 127 vai estar escrito que o MP atua na defesa do Estado Democrático de Direito.

Então, o que é o Estado Democrático de Direito. É o Estado republicano, é o Estado de Direito, ou seja, respeita uma ordem legal, e ele é democrático porque a formação da vontade desse Estado incumbe a população quando sai de casa e vai exercer esse direito sagrado do voto.

Então, é muito importante que, ao votar, o cidadão e a cidadã tenham realmente ponderado sobre a melhor escolha possível.

E isso hoje está tão difícil da gente ver.

Penso que nós sempre achamos que algum dia foi melhor ou que estamos no pior dos mundos. Esse é o copo, vamos dizer, meio vazio.

O copo meio cheio é que talvez nunca se falou tanto em política, nunca se ponderou tanto sobre isso, nunca se debateu tanto sobre isso. Há radicalismo, há a corda sendo puxada até quase arrebentar, é verdade. Mas vejo também de outra forma que as pessoas estão estudando, lendo, se informando, sabendo quais são os maiores problemas. E, sob uma certa perspectiva, eu tenho lá o meu otimismo moderado.

As urnas eletrônicas foram alvo de muitos questionamentos. Como é que o senhor vê esse movimento e a oportunidade de falar mais sobre o processo seguro que é esse processo eleitoral?

A urna eletrônica é uma conquista maravilhosa do Brasil. Até lamento que a gente jogue contra aquilo que temos de bom. Participei de testes de integridade das urnas e elas são absolutamente seguras.

Vou dar o exemplo da cidade de São Paulo, que teve vitoriosos em todos os campos ideológicos e partidários nos últimos 20 anos. Então, ganhou a direita, a esquerda, o centro, a mulher, o homem, o nordestino, o preto, a branca. Então, é aberto a todo mundo, a urna é aberta. As pessoas escolhem e ela entrega o verdadeiro resultado da eleição rapidamente. Ela é uma grande conquista nossa.

E o que dizer para quem ainda acha que tem fraude?

Eu peço a ela que tente se informar melhor. Eu digo que, assim, na eleição anterior, o Tribunal Superior Eleitoral organizou grandes comissões para se debater a urna. Todo mundo apresentou sugestões, fez perguntas.

Repito, aqui em São Paulo participamos do teste de integridade das urnas. Crianças de colégio são chamadas para votar. Aí, escolhem em eleições simuladas entre times de futebol ou marcas de carro de Fórmula 1, seja lá o que for, e fazem a escolha e veem o resultado. Enfim, é super seguro.

É bom que as crianças já vão se acostumando com esse processo, certo?

Penso que a juventude não vai aceitar outra forma de votar, que essa é simples demais e rápida e, enfim, segura. Ela tem tudo a ver com o futuro.

O senhor falou no início da entrevista sobre essa questão do crime organizado, que, infelizmente, é uma realidade nos dias atuais. Nas últimas duas eleições, a gente teve episódios de limitação de acesso a alguns candidatos em bairros, áreas da região. Como que o senhor, como representante do Ministério Público, vê esse tipo de situação e como enfrentar essa questão?

Se isso acontece, e eu sei que acontece, quando acontece, em primeiro lugar, nós lamentamos. Numa segunda análise, faço parte de uma organização de Estado e tenho que atuar para ele agir nessas localidades.

Porque isso representa, na verdade, significa a ausência do Estado. E o Estado tem suas forças, Polícia Militar, Polícia Civil. Muitas cidades têm guardas civis e metropolitanas e é o Estado que tem que ocupar essas áreas. Primeiro oferecendo os serviços que a população tem que ter. Escolas, saúde, segurança, etc. E, depois, retomando as áreas que, porventura, tiverem sob o poder da criminalidade.

Como que a Justiça Eleitoral se preparou, ao longo dos anos, para trabalhar com a realidade das fake news?

O Tribunal Superior Eleitoral tem uma resolução, que é a 23.610, que foi alterada para essa eleição, que busca combater as notícias falsas. A notícia falsa é tipificada como crime na Lei Eleitoral.

Quem lança uma notícia sabidamente inverídica pode ser condenado, pode vir a se tornar inelegível. Então, ela é objeto de retirada das propagandas, onde ela for verificada. Ou seja, ela tem uma punição eleitoral com multa, com perda de horário eleitoral.

Toda notícia que seja sabidamente inverídica ou que atente contra a honra e a imagem das pessoas candidatas e eleitores, que visem influenciar falsamente no processo eleitoral, a Justiça age de maneira bastante intensa para combater as fake news. O processo eleitoral hoje, eu diria, que começa com alistamento e vai terminar com a diplomação do candidato eleito.

Ele tem três inimigos, vamos dizer, legitimação, que são as fake news, o assédio eleitoral e a violência política de gênero. São os três inimigos hoje desse processo que vejo como mais graves. Até diria que desses três, o que menos me incomoda são as fake news, pessoalmente.

Uma investigação para combater uma fake news é rápida?

Sim, é imediata. Até porque a fake news vai sempre envolver um candidato em detrimento de outro, um partido em detrimento de outro. Então as próprias partes vão agir para fiscalizar. Essa fiscalização é praticamente imediata.

As redes, as chamadas big techs, têm obedecido às ordens. Sim, vivemos um problema, não vou ocultar aqui, mas é um problema que de uma maneira ou de outra está solucionado até o momento.

Não é da maneira que gostaríamos, mas vejo que qualquer empresa que queira atuar no Brasil tem que seguir o ordenamento jurídico do Brasil, assim como qualquer empresa que vá atuar nos Estados Unidos vai seguir o ordenamento jurídico americano, na Alemanha o alemão, e assim sucessivamente.

Então se a empresa não está disposta a seguir aquilo que está dito, que está ordenado no nosso sistema jurídico, então ela não pode estar no Brasil. Se ela mudar de ideia e resolver entrar no Brasil e obedecer aos ditames da nossa lei, ela, como toda empresa, é muito bem-vinda.

O senhor citou três e falou que a fake news é a que menos preocupa. Qual que mais lhe preocupa?

Me preocupam mais a violência política de gênero e o assédio eleitoral, porque em relação a fake news, as pessoas sabem que elas existem. E as pessoas são menos vulneráveis a elas.
Porque primeiro, sabem que existe. Segundo, sabem que tem muita mentira, sim. E terceiro, tem como verificar.

Qualquer pessoa sabe entrar na internet e falar isso aqui é verdade, isso aqui aconteceu, dia 9 de dezembro do ano X, fulano fez tal coisa ou não fez, enfim. E os outros dois não. Os dois problemas pegam as pessoas em uma situação de maior vulnerabilidade, contra a qual elas têm menos defesas, tanto o assédio eleitoral quanto a violência de gênero.

O que seria o assédio eleitoral? Porque talvez muitos dos que estão nos acompanhando até são vítimas disso e não sabem.

O assédio eleitoral talvez seja uma versão mais moderna daquilo que ficou no anedotário da política, como o voto de cabresto. ‘Eu sou o dono da terra aqui, você trabalha na minha terra, você vota em quem eu determinar’. O assédio ele coloca o trabalhador, mas não precisa ser necessariamente o trabalhador. O assédio pode ocorrer na caserna militar, por exemplo.

Coloca aquela pessoa com a hierarquia mais baixa, sob o comando daquela com hierarquia mais alta, que tem algum poder sobre ela, no caso nas empresas, o poder de dar ou tirar o emprego dela, numa relação de trabalho que não envolve o direito à livre consciência. Uma pergunta anterior que foi feita, por que o voto é importante? Porque o voto é importante porque as pessoas vão votar livremente.

Num assédio eleitoral, essa liberdade de voto é prejudicada. As pessoas ficam numa situação de vulnerabilidade, vendo ameaçados alguns dos seus direitos mais fundamentais. O direito ao emprego é, evidentemente, no mundo em que vivemos, um direito fundamental. E as pessoas não podem abrir mão dele.

Então, se são ameaçadas a provar que votaram no fulano ou na beltrana, por conta da imposição de um patrão, isso é muito grave para a democracia.

Como denunciar irregularidades no processo eleitoral e também o sistema pardal?

Todas as páginas do Ministério Público, em qualquer cidade, vão ter um link. No caso do Ministério Público Federal, tem um link que está escrito serviços. Entrou ali, e vai ter como fazer uma denúncia, é muito simples. Páginas dos Ministérios Públicos Estaduais vão ter um link assemelhado.

O pardal é um aplicativo que a pessoa pode baixar e ver alguma irregularidade, tirar uma fotografia e encaminhar. Isso vai para o TSE e o TSE encaminha imediatamente para o Ministério Público da localidade.

E que tipos de irregularidades, normalmente, podem ser identificadas pelo cidadão comum e ser comunicadas ao Ministério Público?

Desde as mais graves, o conhecimento de processos de compra de votos, por exemplo. Tem um grande processo de compra de votos em um determinado bairro, aqui em Santos, por exemplo. E claro que se está havendo isso em uma determinada comunidade, localidade, as pessoas da vizinhança estão sabendo disso.

Elas podem, de alguma maneira, fotografar, gravar, tirar testemunhos e encaminhar isso. Até coisas mais simples, como propagandas irregulares, faixas estendidas em lugares proibidos.

Enfim, abusos de poder político nas prefeituras, poder econômico por parte desse ou daquele cidadão, depende da própria dinâmica pessoal da pessoa que vai levar a notícia para a gente.

Pelo pardal você consegue mandar fotos, vídeos e eu acho que é uma questão também importante. É possível fazer denúncias anonimamente?

É possível fazer denúncias anonimamente. Em todas as páginas do Ministério Público essa possibilidade é reservada.

Sabemos que infelizmente tem muitas candidaturas laranjas, e também a questão das candidaturas femininas. Como o MP lida com essa questão?

A lei reserva uma quantidade mínima de 30% para os cargos do Poder Legislativo para cada gênero. Como é óbvio para todos, essa é uma medida protetiva do gênero feminino. E alguns partidos em várias localidades fraudaram isso com candidaturas que são chamadas horas de laranja, horas de fictícias.

São as candidaturas falsas, na verdade. São mulheres que preenchem ali o quadro para dar os 30%, mas na verdade não são candidatas. Podem ser esposas de candidatos, podem ser funcionárias da empresa de alguém importante no gerenciamento daquele partido, ou algum candidato. Não fazem campanha, não tem gasto nenhum, muitas vezes não tem voto, nem elas mesmas votam em si.

Isso é muito comum e foi identificado como fraude ao sistema, iniciando a cassação de todo o grupo partidário. Então aqueles partidos que estão em regra federados passou a ter um risco muito grande ao fraudar a cota de gênero.

No entanto, o brasileiro é muito criativo, encontra formas novas de fraudar, destinando alguns votos ou dinheiro de campanha.

Enfim, a Justiça, na medida do possível tem cassado as candidaturas de todos os envolvidos nas agremiações partidárias que fraudam a cota de gênero.

No caso das candidaturas laranjas, por exemplo, também pode ser feito pelo pardal?

O pardal trabalha muito com a imagem, a fraude a cota partidária eu acho melhor ser levada à página do MP.

Aqui na nossa região tivemos duas cidades que tiveram toda chapa cassada, Praia Grande e São Vicente, na última eleição. Acredita que a partir desse posicionamento do TSE, criou um efeito pedagógico importante para evitar esse tipo de situação?

Há um efeito pedagógico, várias candidaturas foram cassadas, é um fato. No entanto, o problema persiste. Apesar disso, a participação feminina na política tem aumentado.

Não na velocidade que seria da nossa vontade, mas houve um aumento no número de deputadas federais eleitas em 2022 e relação a 2018. A expectativa é que haja um aumento no número de vereadoras em 2024 em relação a 2020.

Como o senhor vê a importância da participação feminina?

Acho fundamental as pessoas participarem e que a mulher não se sinta constrangida. Porque digo sempre que tem uma violência que é mais sutil e te impede de participar de uma convenção partidária, por exemplo. Isso não vai parar no Ministério Público, não vai para o jornal e a imprensa não comenta.

Você simplesmente não vai e se retrai e essa segurança que queremos emprestar para cada cidadã que queira participar da política.

Como o senhor avalia o papel da imprensa nesse cenário eleitoral e o protagonismo da Santa Cecília, promovendo debates das nove cidades da região?

Eu parabenizo pela iniciativa, já soube da expertise de vocês nesse processo que vai, inclusive, além das eleições, enfim. Em relação à imprensa em modo geral, muitas vezes tem um viés a favor de determinados candidatos. As pessoas têm que ler e ouvir com espírito crítico, mas é a imprensa, ainda que tem um viés, que vai permitir que as pessoas se informem e cheguem a uma conclusão daquilo que elas querem como ideia de mundo.

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