Presidenciáveis têm diferentes planos para lidar com a dívida das famílias
Por Thiago Bethônico/Folhapress em 09/09/2022 às 11:00
As famílias brasileiras nunca tiveram tantas dívidas quanto agora. Segundo levantamento mais recente da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), o nível de endividamento bateu recorde em agosto, atingindo 79% dos lares do país –o maior patamar desde o início da pesquisa, em 2010.
Num cenário econômico marcado por juros altos e inflação galopante, as dívidas acabam se transformando em outro problema: a inadimplência. Dados do Serasa mostram que o Brasil chegou a 66,6 milhões de nomes negativados em maio, outro recorde.
Quem quer que seja declarado vencedor das eleições de 2022 vai assumir a Presidência com o desafio de melhorar esses dois indicadores de consumo.
Em geral, os candidatos se comprometem com propostas para enfrentar o desemprego e a perda de renda, o que de certa forma tangencia os temas. No entanto, dos quatro melhores colocados nas pesquisas –que juntos representam cerca de 90% das intenções de voto– apenas Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fazem menção direta ao endividamento das famílias nos programas de governo protocolados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Lula (PT)
A campanha do ex-presidente Lula, por sua vez, tem propostas para renegociar as dívidas de famílias e empresas. O plano de governo protocolado no TSE diz que a ideia é fazer isso por meio dos bancos públicos e de incentivos para que as instituições privadas ofereçam condições adequadas aos devedores.
Segundo Guilherme Mello, professor da Unicamp e um dos responsáveis pelo programa econômico do PT, a proposta envolve duas frentes de atuação: uma para as dívidas bancárias e outra para as dívidas não-bancárias, que incluem redes de varejo, serviços de água, luz, gás e telefone.
No caso das dívidas bancárias, o objetivo é incentivar as instituições a reconsiderar descontos, prazos e custos para o pagamento em modalidades como cartão de crédito, cheque especial e empréstimos. Isso seria feito por meio da disponibilização de uma parte dos depósitos compulsórios que os bancos fazem junto ao Banco Central.
Para enfrentar as dívidas não-bancárias, Lula anunciou o programa “Desenrola, Brasil”, cuja proposta é criar condições para que consumidores com dívidas em atraso e já incluídos em cadastros negativos possam renegociar seus débitos e limpar o nome.
Seria criado um fundo garantidor de crédito para viabilizar a renegociação, constituído por um aporte do governo, via orçamento ou títulos da dívida, por exemplo. “Tenho falado que é uma espécie de parceria público-privada. O setor público catalisa um fundo garantidor, e o setor privado entra com descontos, parcelamentos e taxas de juros menores para as dívidas”, diz Mello.
Segundo o economista, a ideia é fazer o programa em fases, começando com famílias que ganham até três salários mínimos e expandindo para as demais faixas de renda.
Jair Bolsonaro (PL)
O presidente Jair Bolsonaro (PL) não apresentou oficialmente um plano para enfrentar a inadimplência ou as dívidas dos lares. De acordo com um integrante da campanha, o candidato à reeleição não propõe um perdão, desconto ou refinanciamento de débitos contraídos.
A aposta seria numa espécie de “ciclo da prosperidade”, que começa com o aumento do emprego, levando a um aquecimento do consumo e maior arrecadação de impostos. Dentro desse modelo, as pessoas passariam a ter mais condições de quitar suas dívidas e menos necessidade de contraí-las.
Além disso, Bolsonaro também considera o Auxílio Brasil uma política para amenizar o endividamento, tendo em vista que o pagamento não é cortado caso o beneficiário encontre um emprego formal –que passaria a ter uma “renda extra”.
Recentemente, o presidente ainda anunciou o empréstimo consignado ligado ao Auxílio Brasil. Contudo, na avaliação de especialistas, a oferta de crédito para famílias de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social tem potencial para aprofundar ainda mais as dívidas.
Ciro Gomes (PDT)
Lula introduziu a ideia de negociar as dívidas das famílias com o sistema financeiro durante entrevista ao Jornal Nacional, no dia 25 de agosto. Na ocasião, Ciro Gomes o acusou de copiar uma proposta que marcou sua campanha de 2018, na qual enfatizou que tiraria o nome dos brasileiros do Serasa.
O candidato do PDT trouxe o “SPCiro” novamente para a corrida eleitoral deste ano, que consiste num refinanciamento governamental dos débitos com taxas de juros menores e prazos mais longos de pagamento.
O economista Nelson Marconi, coordenador do programa de governo do Ciro, diz que não se trata de um perdão aos devedores e destaca que, atualmente, o próprio mercado financeiro já está renegociando as dívidas com deságio, ou seja, por um valor menor.
“O que estamos propondo é que os bancos públicos comprem essa dívida num leilão reverso –onde ganha quem vender por um valor mais baixo–, passe a ser o credor e refinancie o débito do devedor. A diferença é o prazo maior, estamos propondo 36 meses, e taxas de juros menores”, afirma.
Outra proposta de Ciro para enfrentar o endividamento das famílias é o que vem sendo chamado de “Lei da Antiganância”. A proposta trata da proibição de que os bancos cobrem mais do que o dobro do valor de um empréstimo ou de uma dívida no cartão ou cheque especial. Na prática, a pessoa que quitar o equivalente a duas vezes a quantia da operação terá seu débito liquidado.
A proposta vem sendo chamada de tabelamento dos juros, mas Marconi diz que isso só aconteceria se o governo definisse um prazo para os pagamentos.
Simone Tebet (MDB)
A candidata do MDB não faz menção ao endividamento familiar em seu plano de governo. Procurada para falar sobre as propostas de campanha sobre o tema, a assessoria de Simone Tebet enviou uma nota com medidas que procuram dar mais segurança ao sistema financeiro e baratear o crédito.
“Incerteza política e intervenções atabalhoadas exigem elevações na Selic e prejudicam o mercado de crédito. Logo, primeiro precisamos de um governo competente, responsável e sério”, diz.
A assessoria da candidata também menciona o estímulo a novas instituições financeiras –a fim de promover competição e barateamento dos serviços– e a criação de um mecanismo de compartilhamento de informações para que os bancos tenham dados mais detalhados sobre os tomadores.
Uma outra via de atuação é o fortalecimento das garantias. Segundo a campanha de Tebet, a execução de garantias ainda é morosa e cara, sendo necessário simplificar os processos e diminuir a insegurança jurídica.
“Isso não significa incentivar o banco a tomar o bem de uma pessoa, de um empresário, mas sim saber que ele está colocando esse bem em garantia porque tem condições e intenção de pagar o empréstimo. Isso se reflete numa taxa de juros menor e em mais crédito”, afirma a nota.