Convocação de bolsonaristas para fiscalizar seções cresce às vésperas do 2º turno
Por Renata Galf e Paula Soprana/Folhapress em 29/10/2022 às 08:00
O partido do presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados intensificaram ao longo da última semana campanha para mobilizar apoiadores a se inscreverem como fiscais para o segundo turno.
Na redes, a principal porta-voz do movimento tem sido a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). Em grupos pró-governo no WhatsApp e Telegram, mais de 1.400 mensagens chamando as pessoas para fiscalizarem as seções eleitorais foram difundidas durante a campanha do segundo turno, de acordo com levantamento do Observador Folha/Quaest.
São textos diretos, como “seja fiscal eleitoral de Bolsonaro”, com o link para o cadastro no site do Partido Liberal, ou mais ideológicos: “você é o olho do presidente Bolsonaro na sessão local. Vamos lutar para impedir que nosso país caia nas mãos da ‘corruptocracia’ e do comunismo”. Muitas das convocações, porém, aparecem relacionadas com discursos de fraude e de desconfiança.
A atuação dos fiscais está prevista na legislação. Entre outras tarefas, eles podem conferir os documentos dos eleitores e apresentar reclamações a serem registradas na ata da seção eleitoral, que fica com o time de mesários. Ao final da votação, têm direito a pedir uma via do boletim de urna, que é emitido com a somatória dos votos registrados.
Parte da militância bolsonarista chega ao pleito convencida de que houve fraude no primeiro turno. Nas redes e nos grupos, são diversas e constantes as teorias conspiratórias propagadas, que incluem desde supostos algoritmos que teriam alterado o resultado até a alegação de atuação irregular de mesários em Minas Gerais e na região Nordeste, onde Lula teve mais votos
“Incentive pessoas a serem fiscais no dia da votação, principalmente na Região Nordeste”, diz uma das mensagens compartilhadas. “As urnas até podem ser confiáveis em algum nível, mas os mesários (humanos) são corruptíveis e podem votar por terceiros que faltaram à votação.”
Em um dos vídeos convocando para inscrição, Zambelli afirma: “Você já sabe o quanto é importante a gente ter fiscais na urna, inclusive porque muita urna pode dar problema no meio do caminho”.
A campanha petista também publicou em seu site um texto incentivando apoiadores a se inscreverem. Nas redes sociais, contudo, não se vê uma campanha de mobilização a exemplo do campo adversário.
Segundo as regras, é proibido que os fiscais criem tumultos, obstáculos ou interferências, dificultando o trabalho dos mesários e do presidente da seção. Esse tipo de atitude pode configurar crime eleitoral. A lei prevê detenção de até dois meses para quem “promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais”.
O fiscais podem acompanhar os procedimentos de reparo ou de troca de urna realizados pela Justiça Eleitoral, assinar os documentos emitidos pela urna e acompanhar a remessa dos documentos da seção eleitoral à junta eleitoral -de onde são então transmitidos para posterior totalização. Além disso, estão aptos a apresentar impugnações e protestos, que devem ser registrados na ata.
Volgane Carvalho, secretário-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), explica que os protestos podem abranger variadas irregularidades, como reclamações sobre o presidente da seção. Já as impugnações podem se referir à identidade dos eleitores, no caso de suspeita de que alguém esteja votando no lugar de outra pessoa, ou às próprias urnas.
Já o professor da Faculdade de Direito da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Jaime Barreiros afirma que cabe ao juiz eleitoral responsável pela zona eleitoral decidir se há ou não fundamento nas alegações dos fiscais.
Advogados consultados pela reportagem veem pouca possibilidade de a atuação dos fiscais gerar problemas concretos, mas não descartam que ela possa criar fatos para reverberar nas redes e serem instrumentalizados politicamente. Um dos cenários aventados seria o registro de impugnação de urnas alegando problemas de procedimento, de modo aleatório, o que poderia atrasar a transmissão dos votos, já que demandaria decisões dos juízes de cada junta eleitoral.
Cada partido tem direito a ter até dois fiscais por seção eleitoral -ou seja, por cada sala com uma urna. Eles devem utilizar um crachá de identificação assinado pelo partido, registrar presença assinando a ata da seção e podem ficar, um por vez, dentro da sala (sem violar o sigilo de quem está votando).
O controle de quantos fiscais estão credenciados não passa pela Justiça Eleitoral. Os partidos devem informar apenas o nome das pessoas autorizadas a emitir os crachás dos fiscais e delegados dos partidos.
A Folha de S.Paulo questionou diferentes integrantes do PL quanto à adesão até o momento, mas eles disseram não ter o número consolidado. A campanha do PT também não informou a quantidade.
Um dos comandos da militância bolsonarista é para que fiscais enviem o boletim de urna para grupos de Telegram. “Cada turma será responsável por uma zona eleitoral, estes farão a soma dos BUs [boletins de urna], enviarão para seu grupo no Telegram para ficar salvo e também no grupo regional e grupo estadual, onde centralizaremos a totalização”, diz uma convocação.
No primeiro turno, milhares de eleitores se reuniram em grupos de “contagem paralela”, mas na ocasião o incentivo era para o envio de comprovantes de votação, não de boletins de urna.
Uma outra mensagem diz que é preciso “votar, fiscalizar e acompanhar o resultado”, mas que é preciso estar preparado: “se houver golpe, todos precisamos fazer o contragolpe imediatamente”. O comunicado cita a reunião de todos os boletins de urna como contraprova de qualquer tentativa de fraude. Assim, não haveria “tempo hábil de fraudar todas as máquinas”.
Em um dos vídeos divulgados por Zambelli, uma mulher diz ter recebido “muitas denúncias do primeiro turno” e afirma que os fiscais devem aguardar o fechamento das urnas, ressaltando que “nenhum voto entre depois das 5 da tarde”. Ela sugere que fiscais de esquerda podem tentar computar votos no lugar das pessoas que faltaram, caso não haja fiscais de direita.
No entanto, em caso de haver filas na seção eleitoral, os eleitores podem votar após as 17h. Nesses casos, os mesários são instruídos a distribuir senhas para controle daqueles que já estavam na fila no horário limite.