Ato por cartas une sociedade com falas duras pela democracia e contra Bolsonaro

Por Folha Press em 11/08/2022 às 13:47

Bruno Rocha/Agência Enquadrar/Folhapress
Bruno Rocha/Agência Enquadrar/Folhapress

A mais ampla manifestação por democracia sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) teve ápice na manhã desta quinta-feira (11) com um ato na Faculdade de Direito da USP em que foi lida, sob aplausos e falas contra o autoritarismo, a carta iniciada na instituição e assinada por mais de 945 mil pessoas.

O texto, que não cita diretamente Bolsonaro, mas prega a manutenção do Estado democrático de Direito e o respeito às eleições diante das ameaças golpistas do presidente de contestar o resultado e questionar as urnas eletrônicas, foi precedido da leitura de outro manifesto, endossado por mais de cem instituições.

O movimento, a menos de dois meses do primeiro turno das eleições, é considerado um marco simbólico na reação da sociedade civil à escalada de ameaça às instituições promovida por Bolsonaro, que insufla apoiadores para saírem às ruas no 7 de Setembro, data do Bicentenário da Independência.

Segmentos que estavam inertes perante as intimidações por alinhamento ao bolsonarismo ou receio de represálias, sobretudo no ambiente empresarial e financeiro, decidiram aderir às mobilizações.

A “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” remete à histórica “Carta aos Brasileiros”, apresentada em ato público em agosto de 1977, na mesma Faculdade de Direito da USP, que marcou a luta contra a ditadura militar (1964-1985) e por redemocratização.

Oradores repudiaram, em tom de espanto e indignação, a necessidade de em 2022 a sociedade ter que brigar novamente por democracia e respeito à Constituição de 1988. O Poder Judiciário, que Bolsonaro frequentemente ataca, também foi defendido, assim como a Justiça Eleitoral.

O salão nobre e o pátio da faculdade, no largo São Francisco, região central de São Paulo, foram tomados por organizadores e convidados, dos mais diferentes segmentos e correntes políticas ideológicas.

Signatários e apoiadores também se concentraram do lado de fora do prédio, inicialmente sob frio e garoa, que depois arrefeceram. A plateia acompanhou as falas por um telão. Organizações como a UNE e a OAB fizeram marchas até o local.

Atos simultâneos em outras universidades em todos os 26 estados brasileiros também tiveram a leitura da carta.
Faixas com referência ao regime militar foram estendidas no pátio das Arcadas da faculdade, com mensagens como “ditadura nunca mais”, “para que não se esqueça”, “para que jamais aconteça”. Outros apelos eram por “Estado de direito sempre” e “democracia sem fome”.

“Temos aqui a reunião de sindicalistas, empresários e movimentos sociais da sociedade civil. Isso mostra que as eleições já têm um vencedor”, disse o diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Fernandes Campilongo.

“Esse vencedor é o sistema eleitoral brasileiro. Esse vencedor é a legalidade do Estado democrático de Direito sempre. E, principalmente, o mais importante, o vencedor das eleições é o povo brasileiro”, completou.

A carta foi lida por três professoras da USP, que se descreveram, respectivamente, como preta – Eunice Aparecida de Jesus Prudente -, branca – Maria Paula Dallari Bucci – e morena – Ana Bechara -, e um homem branco, o advogado Flávio Bierrenbach.

Após a leitura, no pátio das Arcadas da faculdade, o público entoou coros de “fora, Bolsonaro”. Uma parte cantou “olê, olê, olá, Lula, Lula”. O hino nacional também foi executado. No encerramento, a cantora Daniela Mercury pediu respeito ao Estado de Direito e cantou a música “O Canto da Cidade”.

O presidente da República acabou por legitimar as reações da sociedade ao falar nos últimos dias que as “cartinhas”, como se referiu aos documentos, têm o objetivo de atingi-lo. Bolsonaro disse que jamais desafiou o regime democrático e ofendeu quem assinou os textos. Chamou os signatários de sem caráter e caras de pau e afirmou que entre eles há “empresários mamíferos”.

Bolsonaro, que busca a reeleição, está em segundo lugar na corrida ao Planalto e tem 29% das intenções de voto, segundo a mais recente pesquisa Datafolha, de julho. Seu principal rival, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), lidera com 47%. O petista assinou o manifesto capitaneado pela USP.

Menções a Lula foram evitadas nas falas dentro da faculdade, mas do lado de fora representantes de movimentos sociais e apoiadores do petista citaram o ex-presidente. Coordenador nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), João Paulo Rodrigues pediu voto no petista.

Na redação dos textos, foram tomadas precauções para limitar o conteúdo à questão democrática e evitar viés eleitoral pró-Lula ou anti-Bolsonaro.

Antes da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, foi lido também na Faculdade de Direito outro manifesto em favor da democracia, assinado por entidades como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos).

Apelidado de “carta dos empresários”, o documento “Em Defesa da Democracia e da Justiça” conseguiu unir parceiros improváveis, como a Fiesp, centrais sindicais (como CUT, Força Sindical e UGT), a Febraban, a Academia Brasileira de Ciências e a UNE (União Nacional dos Estudantes).

A amplitude política e ideológica foi representada no ato pela presença de nomes da esquerda à direita. “Estou aqui para uma redenção dos equívocos que pratiquei na última eleição. Vim lavar a alma”, disse o advogado Luiz Carlos Magalhães, eleitor arrependido de Bolsonaro em 2018.

Ele afirmou ter votado no presidente por insatisfação com o governo de Dilma Rousseff (PT). “Foi uma época de revolta e, hoje, independentemente de partido, a gente entende que houve um golpe. Infelizmente ajudamos o país a chegar a essa situação”, disse Magalhães.

Ex-presidente da Fiesp e hoje presidente do conselho deliberativo da IBÁ (Indústria Brasileira de Árvores), Horácio Lafer Piva discursou em defesa dos pilares constitucionais. “Todos que estão aqui hoje lutam contra a apatia, contra o populismo, contra as ameaças. Lutam contra os riscos de deixar de lado o melhor de nós mesmos. Temos uma Constituição. Tudo está dito lá. Respeitemos.”

Escolhido para ler ao microfone o manifesto “Em Defesa da Democracia e da Justiça”, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns, disse antes da leitura que, com a mobilização inédita, “capital e trabalho se unem em defesa da democracia”.

O ex-presidente do Banco Central do Brasil Arminio Fraga frisou que “as sociedades mais prósperas do planeta são todas democracias” e disse: “Falo com toda a convicção de quem pensa 24 horas por dia no nosso país que nós não temos outro caminho que não o da libedade, da democracia, da Justiça”.

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