Entre tendências na internet, conteúdos mais curtos dominam atenção de usuários

Por Renan da Paz em 25/08/2024 às 12:00

Reprodução/Millena Nicoli
Reprodução/Millena Nicoli

Sempre antenado, o brasileiro pega seu dispositivo favorito – seja celular, tablet ou computador – e passa cerca de 9h13 navegando entre aplicativos em um só dia, sendo o WhatsApp (93,4%), o Instagram (91,2%) e o Facebook (83,3%) os mais utilizados, como revela a pesquisa Digital 2024. Mas o queridinho do momento entre os jovens é, na verdade, o TikTok: são mais de 30 horas semanais de consumo e 65% de adesão.

É que nós somos um país ‘cronicamente on-line’, e isso não é questão de opinião ou meme. O registro do Relatório Digital 2024: 5 billion social media users, publicado em parceria entre as empresas de comunicação digital We Are Social e Meltwater, também comprova isso. De acordo com o estudo, o Brasil é o segundo país em que os usuários passam mais tempo na internet, atrás apenas da África do Sul, com uma média diária de 9h24.

E como não seríamos tão conectados assim? Afinal, a medida em que as plataformas surgem e desenvolvem-se, uma ampla cartela de novas ferramentas e tendências é apresentada aos quase cinco bilhões de usuários pelo mundo. A influenciadora praia-grandense Millena Nicoli, de 22 anos, observando todas essas opções, decidiu criar um canal no YouTube há nove anos – e, hoje em dia, acumula 1,5 milhão de seguidores nas redes sociais.

Tudo ia bem até mudar

“Eu assistia outros canais e me inspirei em alguns de comédia pra começar”, relata a influenciadora. Para Millena, o interesse pela música era muito evidente na época, então, começou a fazer vídeos mais engraçados e, depois, se rendeu ao lado musical. “Depois de postar alguns covers (regravações de outros artistas) no Facebook, decidi levá-los para o YouTube”, relembra.

E deu certo. Entre os vídeos mais assistidos da ‘napolitana’ – como é carinhosamente conhecida devido ao icônico cabelo repartido em fios preto, loiro e rosa –, figuram vídeos cantando Piggyback, da cantora Melanie Martinez, e IDFC, do Blackbear. Ambos os covers, assim como vários outros no canal, possuem milhares de visualizações.

Foto: Reprodução/Millena Nicoli

Apesar do sucesso na plataforma de vídeos, ela percebeu que conteúdos com duração mais curta passaram a chamar atenção e foi cativada pelo TikTok. “A popularidade do aplicativo fez eu pensar que migrar (do YouTube para o TikTok) seria uma boa. Na verdade, eu cheguei mais tarde justamente porque sempre fui meio teimosa; continuei por um tempo no YouTube para ver se melhorava”, afirma.

E pensando bem… ela tomou a decisão: teria de focar na rede social conhecida pelos vídeos de até um minuto para ampliar seu alcance. Então, muita coisa mudou para Millena, inclusive as referências. “As figuras populares e até as não muito populares mudaram drasticamente entre os dois aplicativos. Enquanto o YouTube valorizava a fala, as histórias e os vlogs, o TikTok tinha as dancinhas”.

E quanto tudo muda, é preciso se adaptar

Com as mudanças, a menina que havia começado no YouTube notou que o conteúdo produzido no TikTok chamava atenção e passou a ser mais ativa por lá – mas a adaptação foi necessária. “A dinâmica dos vídeos influencia muito, tanto pelo engajamento, quanto pelas famosas trends que, de fato, são mais fáceis de abordar em vídeos mais curtos”, destaca.

A adaptação, no entanto, foi natural. Tornou o perfil no TikTok um verdadeiro complemento ao que já produzia para o YouTube e para o Instagram. Basta acessar qualquer um de seus perfis e você vai se divertir com vídeos de dança, rotina, curiosidades e muito humor.

Millenosa também analisa que a geração atual – nomeada Geração Z ou GenZ para definir as pessoas nascidas entre 1997 e 2012 – gosta disso e se conectou mais rapidamente com o TikTok, surgido em 2016 e impulsionado durante o período pandêmico. No entanto, com o passar do tempo, as transformações na forma de “fazer TikTok” também aconteceram.

Isso porque, enquanto vídeos de 15 segundos a um minuto são a característica principal da rede – e que chegou ao Instagram em 2019 com os ‘Reels’, por exemplo –, eles também são sobrepostos às necessidades das tendências criadas por influenciadores. Ou seja: pode ser que você assista cinco abruptos segundos e passe para o próximo no feed, mas o tempo de idealização e produção é bem maior.

“Independentemente do tempo de duração do conteúdo, levam até três horas de preparação, dependendo do que seja. Algumas vezes consigo levar meia-hora pra fazer o vídeo, quando ele é bem curto, mas quando a gente é meio-perfeccionista, fica difícil ser rápida”, brinca. Mas isso não é impeditivo porque, em cinco anos de TikTok, já foram mais de 1.200 vídeos e quase 13 milhões de curtidas.

Foto: Reprodução/Millena Nicoli

Mas será que tudo isso é indicativo do sucesso?

Depois de muitos penteados memoráveis, cores influenciáveis de cabelo, looks ornamentais e até criações de fã-clubes apaixonados, a praia-grandense percebeu que existem muitos indicativos consideráveis para responder à pergunta do intertítulo – tudo depende.

“Alguns criadores prendem a nossa atenção em vídeos mais longos, que ainda existem no YouTube, geralmente entre os criadores mais antigos na plataforma, mas eles também são adaptáveis, cortes compartilhados em outras redes para cativar outros públicos”, analisa.

Foto: Reprodução/Millena Nicoli

Em comparação, ela acredita que há mais engajamento na versão curta desse conteúdo. “Infelizmente, o mundo de hoje está bem imediatista, pois querem os resultados antecipadamente. Acelerar vídeos, chegar no fim logo… por essas e outras, os vídeos de até um minuto parecem mais dinâmicos e, consequentemente, recebem mais público”, complementa.

Sobretudo, para a napolitana, acompanhar novidades e aplicativos que vão chegando é importante, mas também requer estudo, o que é essencial para quem é – ou quer ser – criador de conteúdo. “Mesmo que tenhamos um tema ou nicho principal, precisamos sempre nos adaptar às coisas novas que vêm chegando”, finaliza Millena.

Quantidade versus qualidade

Deu para perceber que, nas redes sociais, a tendência pelo consumo de conteúdos de curta duração tem se intensificado, certo? De acordo com Nara Assunção, professora especialista em Jornalismo Digital, da Universidade Santa Cecília, a resposta é “sim”, e isso está diretamente relacionado a uma combinação de fatores algorítmicos – ou seja, um conjunto de dados e regras para determinar quais conteúdos aparecem primeiro para o público na linha do tempo de cada conta.

“Por um lado, os algoritmos das redes sociais tendem a favorecer conteúdos que retêm a atenção do usuário por mais tempo, e conteúdo mais curtos são mais fáceis de consumir rapidamente. Por outro, os hábitos dos usuários também mudaram: com a quantidade de informações disponíveis e o ritmo acelerado da vida moderna, as pessoas preferem conteúdos rápidos e diretos que possam ser consumidos em momentos curtos ao longo do dia”, explica.

Entretanto, ‘menos tempo’ não quer necessariamente dizer ‘menos qualidade’. Para Nara, o grande desafio está, na verdade, em produzir informação com rapidez. “A qualidade de um conteúdo não está apenas na duração, mas na capacidade de transmitir uma mensagem clara e engajante. Conteúdos curtos podem ser muito bem produzidos e impactantes, desde que sejam concisos e tenham uma proposta bem definida”, afirma.

Ela ainda acredita que a chave está em adaptar a mensagem ao formato e ao público-alvo, mantendo a relevância e a profundidade. Mas isso significa que vídeos longos perderam espaço na internet? Não. Segundo o Kantar Ibope Media, o YouTube foi a plataforma de vídeo on-line mais assistida no Brasil em 2023, ficando à frente de gigantes como Netflix, GloboPlay e Amazon Prime Video.

A empresa de pesquisa registra que plataformas de vídeo on-line foram acessadas por 26% dos dispositivos digitais ou TV conectada no Brasil, com o YouTube representando 16,1% da audiência. O percentual é superior à soma da audiência dos outros serviços digitais de vídeo, que, juntos, têm apenas 11% do share. Além disso, em 2023, o YouTube registrou o dobro da audiência da TV paga, ficando atrás apenas da TV aberta.

Arte por Renan da Paz

“Vídeos com duração maior são mais aceitos em contextos onde o público busca aprofundamento e está disposto a investir mais tempo, como tutoriais detalhados, entrevistas, documentários, análises críticas e conteúdos educativos. Esses formatos permitem uma exploração mais completa de temas complexos”, finaliza a professora Nara Assunção.

Menos tela, mais vida

É como se o processamento rápido presente nos dispositivos digitais que utilizamos tivesse sido absorvido por nós. Não conseguimos mais esperar. A constatação é da psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Unisanta, Gisela Monteiro. “Em uma fila, a pessoa não consegue aguardar sua vez sem se ocupar com o celular, por exemplo. Como temos acesso à velocidade digital, nos acostumamos com essa facilidade”, explica.

A ocupação, no entanto, é ‘superficial’, segundo a psicóloga. “É uma ilusão pensar que podemos nos aprofundar e aprender, se não temos paciência para ler um livro ou assistir a um filme. Para essas pessoas, a realidade é dura, chata e repetitiva, e por isso, o conteúdo do mundo virtual parece mais interessante”. Seria o caso das pessoas mais jovens – aquela mesma Geração Z citada anteriormente.

Para ela, essa imersão nas telas acontece como um looping, o que pode resultar em transtornos psicológicos como ansiedade e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). De acordo com Gisela, a alternativa para garantir um acesso saudável sem deixar as redes sociais de lado é usar a internet com parcimônia e, sobretudo, calma.

Como coordenadora de Psicologia, ela ainda promove o projeto ‘Menos Tela, Mais Vida’, uma proposta para redução do uso de tela entre crianças e adolescente, em conjunto com professores e estudantes. O objetivo é prestar auxílio às unidades escolares da região, conforme disponibilidade, envolvendo profissionais da saúde e da educação.

Para o Notícias Unisanta, ela destacou: “Esse projeto é muito importante porque é o reflexo de uma realidade muito dura que a gente está vivendo, de altos índices de transtornos mentais e o comprometimento do desenvolvimento de crianças e adolescentes, com uma série de comprovações cientificas de que o uso de telas tem sua parcela de responsabilidade”.

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