Educafro Alzira Rufino: transformando vidas por meio da educação em Praia Grande

Por Renan da Paz em 29/08/2023 às 06:04

Reprodução/Renan da Paz
Reprodução/Renan da Paz

Em um cenário em que a educação é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e inclusiva, mas que também contém acesso desproporcional e lacunas presentes, o projeto comunitário Educafro, em Praia Grande, tem se destacado ao oferecer cada vez mais oportunidades de ensino e aprendizado para jovens de baixa renda e, em especial, afrodescendentes.

Ministrando aulas preparatórias para vestibulares e concursos públicos desde 2016, o núcleo Alzira Rufino tem sido a luz no caminho de centenas de estudantes que acreditam no poder da educação e do voluntariado. A escola estadual Vilma Catharina Mosca Leone (Av. Milena Petrusch, S/N), no Jardim Melvi, em Praia Grande, abre suas portas aos sábados, das 8 horas às 16h30, tornando-se um espaço de esperança e transformação.

Desde março deste ano, os alunos associados têm se dedicado a estudos intensivos. A turma, formada por 19 frequentadores assíduos, conta com estudantes do ensino médio, que visam enfrentar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2023, e um seleto grupo indicado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de Peruíbe. Afastados de seus respectivos serviços por problemas de saúde, eles pretendem retomar ao mercado de trabalho através de concursos públicos.

Funcionamento

De maneira sabatina, são aplicadas oito aulas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) por dia, como Língua Portuguesa, Matemática e História, além das disciplinas adicionais de Libras, que reforça a acessibilidade com pessoas surdas ou deficientes auditivos, e Cidadania, que visa formar valores e habilidades para o exercício da participação ativa, consciente e responsável dos estudantes na sociedade.

No grupo docente, uma equipe composta por 11 profissionais da educação, totalmente voluntária. Semana sim, semana não, os professores Magno Santos, Cléber Rogério, André Gomes, Denise, Michele de Sousa, Rita de Cássia, Alfredo Gomes, Maria Inês de Almeida, Jennifer Irene, Márcia Duarte e Eduardo da Silva conduzem as aulas em uma dinâmica alternada, garantindo que os alunos não percam nenhum conteúdo. Cada um com sua abordagem didática, o objetivo é proporcionar atividades simples, porém precisas, para uma aprendizagem significativa.

Reprodução/Renan da Paz

De acordo com Cléber Rogério, de 45 anos, professor de Filosofia e Sociologia no núcleo, ter estudado na Educafro em 2005 e alcançado a graduação em Direito despertou nele o desejo de retribuição. Ele relembra: “Um dia, alguém abdicou do seu tempo para me ensinar — e não há nada mais precioso do que o ‘tempo’. Tomar consciência disso fez com que eu voltasse.”

Já Eduarda Viana, de 17 anos, concluinte da terceira série do ensino médio, cruzou o caminho da Educafro por meio de uma passageira do Uber que a mãe dirigia. Com as aulas, ela enfrenta as dificuldades do novo ensino médio, reforçando conteúdos e se deparando com informações que nunca tinha ouvido antes. “É muito bom!”, declara entusiasmada.

Voluntariado e arrecadações

Para garantir o pleno funcionamento do projeto e a disponibilidade de recursos didáticos e alimentação (café da manhã, almoço e café da tarde), os jovens contribuem – de forma voluntária – com apenas R$ 10 por mês; a matrícula fica por R$ 30. Além do engajamento financeiro dos estudantes, a Educafro também conta com o apoio valioso de doações da comunidade. Também são comercializados camisas personalizadas e livros autorais de Alzira Rufino.

Reprodução/Renan da Paz

Os interessados em contribuir com o núcleo podem entrar em contato a coordenação por meio de e-mail (nucleo.educafroalzirarufino@gmail.com) ou via WhatsApp com Sueli Muniz (13 99781- 8689), Thayany Muniz (13 99729-4201), Ingrid Tavares (13 99123- 3025) e Renata Laurentino (13 98178-7394). Itens de alimentação, higiene básica e materiais didáticos são algumas das recomendações de doação.

Com previsão de aulas até novembro, quando o Enem será aplicado, ainda é possível se inscrever. “O que importa é acolher os que têm vontade”, diz Sueli Muniz, principal coordenadora do núcleo.

Entretanto, a Educafro não é apenas um cursinho preparatório. Trata-se de uma organização nacional com um propósito maior: consolidar a população afrodescendente na sociedade, combatendo a exclusão e potencializando as oportunidades de estudo e trabalho.

O projeto reconhece que, somente por meio da união de esforços, é possível ampliar os horizontes da educação e combater a exclusão social — um ambiente de luta cuja história começa 47 anos atrás.

História

No turbilhão dos anos 70, quando ideias revolucionárias e movimentos de luta por direitos civis varriam o mundo, nascia a organização que se tornaria uma luz para milhares de jovens negros e de baixa renda no Brasil. Essa história de coragem e perseverança começou em 1976, quando o padre David Raimundo dos Santos, o Frei David, homem de fé e de espírito inquieto, embarcou em uma jornada para se tornar frade franciscano.

Sua busca por um caminho espiritual logo se viu excedida pela realidade amarga do racismo, com hostilidades e preconceitos que nunca imaginara encontrar na senda da fé. Em vez de se resignar, ele transformou sua dor em combustível para fazer com que os negros abraçassem com orgulho sua negritude e se unissem para reescrever suas histórias.

Foi em São João de Meriti, no Rio de Janeiro, por meio do movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), que a Educafro nasceu, em 1993. Quatro anos depois, em 1997, iniciou suas atividades em São Paulo e, em 2000, chegou à Baixada Santista, cujo primeiro núcleo foi implantado na comunidade de Santa Cruz dos Navegantes, no Guarujá.

Em Praia Grande, a iniciativa ganhou vida graças à aposentada Sueli Muniz, de 66 anos, em 2015. Ela recorda: “Eu estava participando de uma palestra do Curso Ondjango, que ensina e debate relações étnico-raciais. Júlio, coordenador da Educafro OFS Valongo, também estava presente. Trocar ideias com ele me fez perceber que eu era capaz de levar o projeto para a cidade”. A partir desse encontro, a semente da Educafro começou a florescer no município caiçara.

Auxiliada pela filha Thayany Muniz e com o apoio da equipe gestora do Vilma Catharina, desde então, a incansável luta de Sueli tem sido crucial para possibilitar o acesso à educação superior de jovens desfavorecidos. Atualmente, a coordenação conta também com a participação de Ingrid Tavares e Renata Laurentino, que somam forças na causa.

Para Sueli, o que o jovem precisa é oportunidade. “Minha maior preocupação é fazê-los entender que eles podem chegar onde quiserem. Estamos aqui para direcioná-los, ensiná-los e motivá-los”, afirma.

Basta querer a ajuda, e o núcleo estará de portas abertas. “Já são sete anos de serviço, auxiliando o ingresso de jovens em universidades públicas e privadas. Ficamos muito felizes quando eles retornam para compartilhar suas conquistas!”, acrescenta a coordenadora.

Reprodução/Renan da Paz

Alzira Rufino

Reprodução/Redes Sociais

Nascida em Santos, no Macuco, Alzira dos Santos Rufino (1949-2023) foi uma ativista brasileira, defensora dos direitos humanos e luta contra o racismo e a desigualdade social. O núcleo praia-grandense da Educafro recebeu seu nome como forma de homenagem devido ao seu relevante papel no ativismo negro e na luta por oportunidades educacionais dignas.

Aos 73 anos, em 26 de abril passado, faleceu em Santos. A pioneira do feminismo negro não pôde conhecer pessoalmente o núcleo da Educafro em que foi — e é — patronesse. Porém, admirada e feliz com a homenagem, Alzira fez doações especiais de livros como Eu, Alzira Rufino, resisto – 2ª Edição (2019), Violência Contra a Mulher e Saúde – Um Olhar da Mulher Negra (2004) e a coleção Bolsa Poética (2010).

Reprodução/Renan da Paz

Outros núcleos da região

Das seis unidades da Baixada Santista, apenas três estão atualmente em atividade, além do Núcleo Alzira Rufino. São Vicente e Santos também contam com pontos de estudo semanal. Para mais informações sobre como entrar em contato, confira abaixo:

Núcleo Educafro Vila Margarida

Aulas aos domingos, das 8h às 18 horas, na EMEF Lúcio Martins Rodrigues, em São Vicente (Rua Odair Muller, S/N — Vila Margarida)

cleo Educafro Kalunga

Aulas aos sábados, das 8 horas às 18h30, na EMEF União Cívica Feminina, em São Vicente (Praça Rui Barbosa, S/N — Praça São Vicente)

Núcleo Educafro Valongo

Aulas de segunda a sexta-feira, das 19h às 22 horas, e aos sábados, das 8h às 20 horas, na Ordem Franciscana-Secular (OFS) Valongo, em Santos (Rua Marquês de Herval, 24 — Valongo)

Com unidades por todo o Brasil, autonomia própria e um objetivo comum, os núcleos interagem harmoniosamente, promovendo eventos e atividades integradas em momentos de confraternização. Para mais informações, acesse o site.

loading...

Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.