Shopping de Santos e pet shop são condenados por fratura causada por cão em idosa; VÍDEO
Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 30/07/2024 às 10:18
Sob pena de ser responsabilizado civilmente, ainda que haja eventual homologação de acordo de não persecução penal (ANPP), um estabelecimento comercial pet friendly (amigo dos animais) tem a obrigação de garantir a segurança dos seus usuários para evitar eventuais incidentes causados pelos bichos.
Com esse entendimento, a 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou solidariamente o Miramar Shopping, em Santos, e um pet shop que nele funciona por danos material e moral a uma idosa de 84 anos. Ela fraturou o punho direito ao ser derrubada por um cão que estava sem coleira e saiu da loja.
“As apeladas deveriam garantir a segurança e a incolumidade física de seus consumidores, garantindo um ambiente organizado, fiscalizado e seguro a seus frequentadores, jamais permitindo que um cachorro fosse deixado solto no local, livre para causar danos (de forma voluntária ou não) às pessoas ali presentes”, destacou a desembargadora Anna Paula Dias da Costa, relatora da apelação interposta pela idosa.
Com a observação de que a filha da idosa acariciou o cachorro, que levantou as patas e derrubou a mãe dela, o juiz Rodrigo Garcia Martinez, da 12ª Vara Cível de Santos, julgou a ação improcedente. Segundo o magistrado, a interação com o animal afastou a responsabilidade do shopping e do pet shop, caracterizando “culpa exclusiva” da autora.
Martinez acrescentou que a dona do cão, contra quem não foi ajuizada a demanda cível, confessou a culpa pelo ocorrido em ação penal de lesão corporal culposa e celebrou acordo de não persecução penal (ANPP). A tutora admitiu que foi omissa ao deixar o cachorro no pet shop para se dirigir a uma cafeteria no próprio shopping.
Nos termos do ANPP, homologado pelo juízo da 4ª Vara Criminal de Santos, a dona do animal assumiu as seguintes obrigações: prestar serviços à comunidade por 20 dias, pagar um salário mínimo (R$ 1.320 à época do acordo) em favor do Fundo Municipal de Saúde de Santos e indenizar a vítima em R$ 10 mil, a título de reparação dos danos causados, em cinco parcelas mensais e iguais.
“Entendo que a autora, como vítima, já foi suficientemente reparada pelos danos que acabou suportando, não havendo motivos para estender a responsabilidade aos corréus (shopping e loja), os quais não deixaram de descumprir algum dever genérico de conduta para evitar o acidente”, concluiu o juiz Martinez.
Falha no serviço
A relatora Anna Paula anotou inicialmente que a relação jurídica em análise é de consumo, inexistindo qualquer dúvida quanto ao caráter objetivo da responsabilidade das apeladas, prestadoras de serviço, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
De acordo com o parágrafo 3º do artigo 14, essa responsabilidade somente pode ser eximida se o fornecedor/prestador do serviço comprovar que o defeito inexiste ou que houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Porém, segundo a desembargadora, tais hipóteses não foram verificadas.
Imagens de câmeras de segurança mostram que o acidente ocorreu no corredor do shopping, em frente ao pet shop. Com base nas filmagens, a julgadora minimizou a conduta interativa da filha da autora, por ser uma “situação normal e corriqueira entre humanos e animais em geral”.
“O relevante, aqui, é que a causa do tombo ocorreu pelo pulo que o animal deu em cima da demandante, levando-a ao solo, de costas, que, repise-se, estava sem coleira e sozinho”, frisou a relatora. Segundo ela, o ônus do dever de vigilância do bicho competia a quem estava responsável pela sua posse, não podendo ser imputado à recorrente.
“Na medida em que o estabelecimento comercial, por liberalidade, franqueia a entrada de seus clientes com seus respectivos animais de estimação respondem pelos danos que os animais vierem causar a terceiros”, assinalou a Anna Paula, em relação à responsabilidade do shopping. A julgadora também considerou indubitável a culpa do pet shop, porque o cão estava sob a sua tutoria.
Sobre o ANPP, a desembargadora disse que ele não é apto a afastar os pedidos de danos moral e material. “As prestadoras de serviço aqui demandadas sequer foram acionadas na referida ação penal, logo, não podem ser beneficiadas pelo abatimento da prestação pecuniária penal no âmbito da indenização cível”
Valores a pagar
O shopping e o pet shop foram condenados a ressarcirem a autora dos gastos com medicamentos e tratamentos a título de dano moral. Tais despesas foram contabilizadas em cerca de R$ 8 mil na inicial, mas o colegiado ressalvou que nada impede de outras integrarem o montante condenatório, desde que sejam comprovadas no curso da ação.
O pleito de dano estético foi negado sob a justificativa de que não houve agressão à esfera íntima a ponto de abalar a autoestima da idosa. Conforme o acórdão, a perícia não identificou na vítima cicatrizes profundas, sequelas visíveis e incômodas, deformidades ou problemas que causem mal-estar ou insatisfação duradoura com sua aparência.
O pedido de dano moral foi julgado procedente por ser in re ipsa, ou seja, presumido, sem depender de prova. Para a relatora, “é inegável o trauma sofrido pela idosa, bem como a dor e o sofrimento, de modo que a indenização é devida”. Ela considerou a quantia de R$ 20 mil sugerida na inicial como “adequada, proporcional e proporcional”.
Segundo a julgadora, esse valor é suficiente para, ao mesmo tempo, repreender os apelados, prevenir a repetição dos fatos e compensar a apelante pelo sofrimento experimentado, sem, contudo, gerar enriquecimento sem causa.
O shopping e o pet shop também deverão arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios, arbitrados em 15% sobre o valor total da condenação atualizado. Também participaram do julgamento do recurso os desembargadores Spencer Almeida Ferreira e Lavínio Donizetti Paschoalão, que acompanharam o voto da relatora.
O acidente aconteceu em 4 de junho de 2021. A dona do pet shop alegou ilegitimidade passiva por não ser a dona do cachorro e ainda argumentou que o animal não estava sob a sua responsabilidade. A defesa do Miramar atribuiu a culpa exclusiva à vítima, como causa excludente de sua responsabilidade civil.
*Texto por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News