PM revela apagar vídeo após morte de suspeito em ação investigada por alteração da cena dos fatos; VÍDEO

Por Santa Portal em 07/12/2024 às 19:00

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Um policial militar da Rota confessou, durante uma ação da Operação Verão, ter apagado imagens registradas por uma testemunha após a morte de Allan de Morais Santos, conhecido pela polícia como Príncipe, de 36 anos. A revelação foi gravada por uma Câmera Operacional Portátil (COP) de outro agente que estava em uma das equipes de apoio.

O caso ocorreu em 10 de fevereiro deste ano, no bairro Saboó, em Santos. O tenente Diogo Souza Maia e o cabo Glauco Costa, que realizaram ao menos seis disparos, tornaram-se réus pela morte de Allan, que estava dentro de um carro quando foi seguido e cercado por viaturas da Rota. Allan era roupeiro do Jabaquara e voltava para casa após um jogo.

Nas imagens obtidas pelo Santa Portal, um policial, que estava em uma equipe de apoio, afirma para o outro: “Ele fez um vídeo, já apaguei”. Quando questionado por um terceiro sobre quem fez o vídeo, o PM responde: “O frentista, já apaguei”. Os policiais estavam próximo a um posto de gasolina, ajudando a desviar o trânsito do local da ação.

Essas e outras imagens de câmeras de monitoramento foram usadas pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para denunciar os dois policiais por homicídio qualificado. Os promotores alegam que as circunstâncias indicam a alteração da cena dos fatos, simulando um confronto e plantando um fuzil no veículo da vítima. Apenas três COPs dos cerca de 30 policiais envolvidos estavam com áudio ativado. Além disso, câmera do tenente Diogo Maia estava descarregada no momento da ação.

Em entrevista à reportagem, a advogada Letícia Giribelo, que representa a família de Allan, argumenta que os policiais simularam um confronto inexistente.

“Allan não estava armado. Foi tudo forjado pela Rota”, afirmou a advogada. “Fica nítido, nas imagens das câmeras de rua, que o carro da vítima já estava sendo seguido desde a saída de seu local de trabalho, demonstrando que o crime foi premeditado e sem qualquer motivação legítima”.

Segundo a advogada, a PM informou à promotoria que um dos vídeos solicitados na investigação — que poderia tiras as dúvidas sobre se o fuzil foi ‘plantado’ no carro de Allan — foi excluído.

“Nas imagens das COPs aparece o policial Glauco “plantando” o fuzil. Os policiais fizeram de tudo para apagar registros e obstruir as investigações. É perceptível que estão interferindo no processo, pois câmeras estratégicas não foram apresentadas pela corporação”, concluiu.

Reprodução/PM – Momento em que a advogada aponta que o cabo Glauco ‘plantou’ o fuzil no porta-malas do carro

O que diz a SSP

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado de São Paulo informou que a ocorrência foi investigada por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM), encaminhado à Justiça. Os policiais envolvidos permanecem afastados do serviço operacional até a conclusão do processo.

A pasta acrescentou que todos os casos de Morte em Decorrência de Intervenção Policial são rigorosamente investigados pelas forças de segurança, com acompanhamento das respectivas corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário. As imagens foram anexadas e encaminhadas à Justiça.

Relembre o caso

Allan morreu com ao menos seis tiros, entre disparos de pistola e fuzil. A denúncia foi baseada principalmente nas imagens das câmeras corporais dos PMs, que mostram vários momentos em que as gravações são bloqueadas e em que policiais se posicionam de costas para a cena do crime, deixando de filmar os momentos em que armas e uma cápsula teriam sido posicionadas na cena.

Policiais afirmaram que abordaram o veículo após receber uma dica do setor de inteligência da PM, informando que o suspeito estaria transportando armas no carro. Segundo a versão dos policiais, após uma viatura bloquear seu caminho, Allan teria tentado alcançar uma pistola no painel do carro mas foi alvejado antes que pudesse disparar. Em meio aos tiros, ainda avançou com o carro e colidiu com uma das viaturas da Rota.

As imagens não mostram Allan no momento em que ele foi alvejado. Mostram a pistola atribuída ao suspeito no momento em que ela já está no chão e o corpo dele no carro.

Os promotores afirmam que “em razão da multiplicidade e gravidade dos ferimentos, não havia como a vítima manobrar e acelerar o carro para fugir do local, tampouco manusear uma pistola para disparar, em meio ao confronto, contra os policiais”.

Obstrução de imagens

Uma das câmeras foi acionada para gravar som e geolocalização apenas cerca de meia hora após o momento dos disparos. A maior parte das gravações ocorreu de forma automática, sem que os PMs acionassem os botões para aumentar a qualidade do vídeo, o que é exigido pelas normas da corporação. O tenente Diogo Maia estava com a câmera descarregada no momento da ação.

“Todos os policiais da viatura adotaram condutas que impossibilitaram a devida captação das imagens pelas câmeras portáteis, em violação às diretrizes que disciplinam o emprego de câmeras operacionais portáteis”, dizem os promotores. Parte das câmeras, no entanto, teriam captado o som do momento em que policiais teriam disparado a pistola atribuída a Allan para simular um confronto, segundo a denúncia.

Os promotores afirmam que, ao todo, sete viaturas participaram da ocorrência -o que não consta no boletim de ocorrência. Parte das viaturas teria sido usada para cercar o carro de Allan quando ele já estava morto e bloquear o momento em que um fuzil teria sido colocado no porta-malas do carro, segundo a denúncia.

Fuzil encontrado após 14 minutos

Segundo a denúncia, uma gravação mostra que o compartimento já havia sido inspecionado sem que nada tivesse sido encontrado. “Embora a primeira revista não tenha encontrado nada de ilícito, passados aproximadamente 14 minutos, o acusado Glauco Costa, por volta das 18h01min55s, realizou uma segunda, quando, então, encontrou um fuzil”, diz o documento do MP-SP.

A denúncia traz vários registros de imagens em que policiais colocam os dedos na frente das câmeras para bloquear as imagens, o que é ilegal. Um deles teria bloqueado a lente da câmera por mais de meia hora.

“Quem não obstruiu por iniciativa própria, foi alertado para que a câmera fosse bloqueada”, dizem os promotores. A denúncia traz a imagem de um policial colocando a mão na frente da câmera no peito de um colega.

Dois dos quatro PMs que integravam a equipe policial não foram denunciados. A denúncia diz que não é possível provar que eles colaboraram com a fraude na cena do crime. O juiz determinou que o tenente e o cabo sejam afastados de suas funções operacionais externas.

À época da morte, Allan foi identificado pela polícia com a alcunha de “Príncipe do crime” e familiar de uma liderança do grupo criminoso PCC. O inquérito policial mostra que ele tinha uma condenação por tráfico de drogas e duas denúncias por homicídio, entre 2005 e 2007.

Em depoimento, a mulher de Allan disse que ele havia deixado o crime após cumprir pena, que ele trabalhava como roupeiro num clube de futebol e que ela acompanhava de perto sua rotina. “Ele foi retratado como um criminoso perigoso, o que não procede”, disse a advogada Letícia. “Era alguém que estava tentando reconstruir a própria vida.”

Operação Verão

O caso ocorreu oito dias após a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo, companheiro de batalhão dos dois PMs envolvidos. A morte de Cosmo deu início ao período de maior letalidade nas ações da polícia na Baixada Santista em ao menos 11 anos.

Oficialmente, a Operação Verão deixou um saldo de 56 mortos na região. Somando-se três operações do gênero que ocorreram na Baixada Santista desde julho do ano passado, chega-se ao saldo oficial de 93 mortos pela polícia. Se considerados todos os casos em que a PM matou nas cidades da região, inclusive quando agentes estavam de folga, foram 110 mortes.

*com informações da Folha Press

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