Libra mais barata não atrai brasileiro
Por Clayton Castelani/Folha Press em 29/09/2022 às 11:00
A libra esterlina despenca cerca de 20% frente ao dólar neste ano e ronda o seu menor valor desde 1985. Um quarto dessa queda ocorreu desde a semana passada, com o mercado reagindo mal a um pacote de corte de impostos que aumenta o endividamento do Reino Unido em plena crise inflacionária.
Apesar do preço da libra representar uma barreira financeira para turistas brasileiros que viajam à Europa cruzarem o Canal da Mancha, o tombo da moeda britânica não resulta até o momento em um crescimento expressivo da procura pela divisa nas casas de câmbio do Brasil, segundo sondagem da Abracam (Associação Brasileira de Câmbio).
“A libra esterlina caiu quase 6% desde a semana passada, mas ainda assim não houve procura acentuada pela moeda”, disse Kelly Massaro, presidente da Abracam.
“Devido à proximidade do inverno europeu, os viajantes brasileiros temem problemas de distribuição de gás pela Rússia e a demanda para turismo não tem aumentado, apesar da desvalorização”, comentou.
Em retaliação às sanções econômicas impostas pela União Europeia à Rússia após o início da Guerra da Ucrânia, o presidente russo Vladimir Putin ameaça interromper a operação do principal gasoduto que abastece a região central do continente europeu.
Se por um lado os turistas brasileiros parecem pouco interessados na compra de libras, por outro, a procura pelo euro está aquecida, segundo a Abracam. “Em relação ao euro, desde junho notamos demanda maior do que para o dólar”, disse Massaro.
Apesar do aumento do interesse pelo euro, porém, a procura pelo dólar ainda é um pouco maior em relação à divisa europeia no acumulado de 2022. “Estimamos uma proporção de 55%, para o dólar, a 45%, para o euro”, comentou.
Turista pode ampliar compra, mas sem exagero
Apesar da queda histórica da moeda britânica, comprar quantidades elevadas de uma única vez para uma viagem em um futuro distante é arriscado. A estratégia recomendada é a do câmbio médio. Isso significa realizar comprar periódicas -uma por mês, por exemplo- e em quantidades iguais até a data da viagem.
Comprar um pouco mais da moeda em período de queda pode ajudar na estratégia de conseguir uma taxa média um pouco mais vantajosa, orienta Ricardo Amaral, presidente da Western Union Brasil.
“O ideal é ir fazendo o estoque ao longo do tempo”, diz Amaral. “Claro, há momentos de queda acentuada e você pode aproveitar, caso disponha de um pouco mais de recurso.”
Para quem está se perguntando se vale a pena comprar libra agora, a resposta é sim, mas desde que com moderação.
Embora o turista possa até aumentar o valor da sua compra mensal neste momento, ele deve persistir na estratégia para formar um preço médio, pois isso evitaria um grave prejuízo em caso de novas quedas fortes da moeda estrangeira.
Amaral recomenda que turistas façam esse estoque por meio de remessas para resgate no exterior, em vez de acumular dinheiro vivo em casa. É uma questão de segurança.
Para isso é preciso verificar se a casa de câmbio possui correspondente no exterior. Nesse caso, o cliente faz a remessa e retira no destino, apresentando os números dos comprovantes de depósito e o passaporte.
O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) cobrado nessa modalidade é de 1,1%, o mesmo aplicado à compra do dinheiro estrangeiro em espécie. É uma taxa mais baixa do que os 6,38% para compras no exterior com o cartão de crédito.
Ainda é possível utilizar uma conta bancária no exterior para realizar esse planejamento. O IOF também é de 1,1%. É importante verificar, nesse caso, se o banco dá a possibilidade de realizar o saque em países que não utilizam o dólar ou o euro como moeda e se essa operação tem custo adicional.
Por que moedas fortes estão caindo
A libra está em forte queda neste ano, mas a divisa do Reino Unido não está mergulhando sozinha. O euro já recuou cerca 15%. O iene, a moeda do Japão, também já derreteu perto de 20%. Exceção do grupo das moedas das maiores economias globais, o real ainda sustenta ligeiro ganho frente ao dólar neste ano.
O movimento do câmbio reflete o ambiente desfavorável ao crescimento das empresas e, consequentemente, de maior risco de desvalorização para as ações negociadas nas Bolsas de Valores. Investidores buscam segurança em ativos ligados ao dólar, principalmente os títulos do Tesouro dos Estados Unidos.
A disparada da inflação em diversas partes do mundo é a responsável por esse temor sobre os rumos da economia. Para frear os índices de preços, bancos centrais estão elevando agressivamente suas taxas de juros. A medida aumenta o custo de financiamentos para empresas e do crédito aos consumidores.
A bola da vez é a libra. A moeda ficou em evidência devido ao temor de que o Reino Unido terá grande dificuldade para segurar a inflação. Essa preocupação ganhou força após o novo ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, anunciar o maior pacote de corte de impostos em 50 anos. O plano, que será financiado pelo aumento na dívida, foi anunciado na última sexta-feira (23).
Kwarteng está tomando emprestado dezenas de bilhões de libras para financiar seus planos, o que aquece a economia no momento em que o Banco da Inglaterra aumenta as taxas de juros para controlar a inflação.
O banco central inglês tem uma meta de inflação anual de 2%, mas o índice de preços ao consumidor britânico está atualmente em 9,9% no acumulado em 12 meses até agosto.
É como se a política monetária do banco central e a política fiscal do governo estivessem caminhando em direções opostas, explica Antonio van Moorsel, sócio da Acqua Vero Investimentos.
“As medidas visam impulsionar o consumo e reduzir as chances de uma recessão britânica. Todavia, o pacote contrata mais pressão inflacionária à frente, o que eleva os riscos de um aperto monetário [alta de juros] ainda mais agressivo do Banco da Inglaterra”, disse Moorsel.
Há consenso no mercado sobre a necessidade de tornar o crédito mais caro para retirar dinheiro de circulação.
Essa é a principal medida adotada por bancos centrais na tentativa de frear a inflação mundial, que teve início devido a falhas provocadas pela pandemia no abastecimento global e piorou com a Guerra da Ucrânia.
É a dose do remédio para combater a inflação o que está assustando investidores. As fortes elevações de juros podem conduzir a economia global para um cenário de recessão.
Em momentos de ameaças à economia, investidores buscam segurança nos títulos do Tesouro dos países com moedas fortes, sendo que os papéis da dívida dos Estados Unidos são considerados os mais seguros. Participantes do mercado costumam dizer que o risco de calote do Tesouro americano é zero.
Além de seguros, esses papéis também estão oferecendo retornos mais elevados porque o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) está aumentando agressivamente os seus juros de referência, também para conter uma inflação histórica no país.
Com muitos sinais de recessão à frente, investidores estão tirando seus dólares de aplicações espalhadas ao redor do mundo e os levando para o Tesouro dos EUA. Isso torna a moeda americana mais escassa e, consequentemente, valorizada em relação aos seus pares.