TJ-SP exime Sabesp de fornecer água para casa em área de proteção em Guarujá

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 10/12/2025 às 15:00

Divulgação/Prefeitura de Guarujá
Divulgação/Prefeitura de Guarujá

A recusa em prestar serviço básico não ofende o princípio da dignidade humana se estiver em jogo o interesse da comunidade por um meio ambiente saudável. Essa fundamentação foi aplicada pela 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) ao negar provimento ao recurso de apelação de uma munícipe de Guarujá, no litoral de São Paulo. Ela reivindica ligação de água e esgoto em sua casa.

“Deve se sobressair o direito da coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito que assiste não apenas à coletividade atual, como, ainda, às futuras gerações”, destacou o desembargador Mário Daccache, relator do recurso. O julgador embasou o seu entendimento no caput do artigo 225 da Constituição Federal, que trata sobre o tema. O acórdão foi publicado no dia 31 de outubro.

A demandante ajuizou em 2019 ação de obrigação de fazer contra a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e o Município de Guarujá. Ela narrou que reside há 26 anos no imóvel citado na inicial, mas nunca teve acesso às redes de água e esgoto, apesar de lhe ser fornecida energia elétrica e ter acesso a serviço de internet.

De acordo com a autora, a Sabesp sempre indeferiu os seus pedidos de fornecimento de água, sob o argumento de que a moradia se localiza em área irregular. Conforme a concessionária, o atendimento do requerimento dependeria de expressa autorização do Município de Guarujá, que nunca houve. A estatal e o Poder Público municipal confirmaram a recusa em juízo, defendendo a improcedência da ação.

A Sabesp alegou impossibilidade de implantação dos sistemas de água e esgoto por questões técnicas e jurídicas. O Município, por sua vez, explicou que não pode autorizar os serviços pretendidos pela autora porque ele figura como réu em ação civil pública na qual foi deferida liminar impedindo novas construções ou modificações na área onde está localizado o imóvel da requerente.

O juiz Cândido Alexandre Munhóz Pérez, da Vara da Fazenda Pública de Guarujá, julgou a ação improcedente em maio. O magistrado mencionou na sentença laudo pericial “minucioso, amplamente fundamentado, de onde se extrai que o imóvel está inserido em área cuja regularização fundiária é potencialmente inviável, diante de sua proximidade com o Rio Osteiras, área de preservação permanente”.

Apesar da conclusão da perícia, a autora recorreu para assegurar o direito que sustenta possuir em razão do “princípio da dignidade da pessoa humana”. Ela acrescentou na apelação que, na mesma quadra de sua casa, situada na Vila Santa Rosa III, funciona uma escola municipal com os serviços básicos garantidos. Além disso, vários vizinhos dispõem de fornecimento de água.

Tratamento diferente

Daccache ressalvou que o fato de o imóvel estar localizado em loteamento irregular, por si só, não é suficiente para impedir o usufruto de serviços essenciais (energia elétrica, água e esgoto), conforme, inclusive, ele já decidiu em outras oportunidades. No entanto, o relator ponderou que o caso dos autos possui uma particularidade e exige posicionamento diferente.

“O imóvel da autora, conforme constatado em perícia realizada nos autos, está localizado em área ambiental de preservação permanente, considerado inclusive como ‘crítico’, dada à sua proximidade com o Rio Osteiras”, frisou o julgador. Por essa razão, ele anotou não ser possível prover a apelação da recorrente, porque não há como se cogitar posterior regularização documental.

“Há uma diferença entre a negativa da concessionária de serviço essencial baseada na simples irregularidade documental do loteamento e na negativa baseada no fato de o imóvel estar em área ambiental especialmente protegida. No primeiro caso, entendo prevalecer o direito do consumidor de ter acesso ao serviço essencial”, concluiu Deccache. Os desembargadores Barbosa Ferreira e Silvia Rocha seguiram o seu voto.

Ações civis públicas

A decisão do colegiado também levou em conta duas ações civis públicas envolvendo o mesmo loteamento. Ambas ainda estão em curso. Na primeira delas, ajuizada em 2002, o Ministério Público (MP) pleiteia a “desocupação das áreas ou faixas em que são terminantemente proibidos o desmatamento, remoção de cobertura vegetal, obras ou edificações”.

Segundo o MP, órgãos de proteção do meio ambiente não foram consultados sobre a possibilidade, ou não, de aprovação da regularização do loteamento, apesar de estar localizado em área coberta por manguezal, na Mata Atlântica, classificada como reserva ecológica e protegida pelo direito ambiental. O autor também pede a condenação do Município e de duas imobiliárias a repararem os danos ambientais causados.

Na outra ação civil pública, de 2021, o autor é o próprio Município de Guarujá, que pede a interrupção das degradações ambientais no referido loteamento. Para a 29ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, a tramitação dessas ações civis reforça o acerto da sentença que julgou improcedente a demanda da moradora que pretendia a ligação de água e esgoto em sua casa.

“A situação envolvendo o loteamento em que se situa o imóvel da autora é complexa e as irregularidades no referido loteamento estão sendo discutidas nas demandas coletivas acima mencionadas. (…) Não se mostram corretas, portanto, soluções individuais e pontuais, como a pretendida nesta demanda. Por esses fundamentos, a ação é realmente improcedente”, avaliou o acórdão.

loading...

Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.