24/12/2025

Pobreza e falta de instrumentos de prevenção aumentam mortes por deslizamentos, diz estudo

Por Folha Press em 24/12/2025 às 08:44

Rovena Rosa/Agência Brasil
Rovena Rosa/Agência Brasil

Um novo estudo com municípios brasileiros apontou que a ocorrência de óbitos por deslizamentos é maior em municípios onde fatores socioeconômicos, como o PIB (produto interno bruto) e o índice de pobreza, são piores, mesmo quando a presença de órgãos de Defesa Civil e outros instrumentos de prevenção a desastres são similares.

A presença de populações de alta vulnerabilidade social em locais onde já há um risco elevado de deslizamentos está associada a uma maior mortalidade por essa causa, indicando a necessidade de mapeamento tanto de áreas de risco quanto de vulnerabilidade social para prevenir mortes. Isso pode ajudar governos municipais, estaduais e federais na elaboração de políticas públicas de proteção socioambiental.

Os achados estão em artigo publicado na Revista de Administração Pública, publicada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) no início de dezembro. Assinam o estudo Isabela Barbosa, pesquisadora do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e primeira autora do estudo, Marcelo Marchesini da Costa, professor assistene do Insper e coordenador da pesquisa, e demais pesquisadores do Insper e do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

A pesquisa avaliou apenas o risco de mortes por deslizamentos para analisar a influência de indicadores socioeconômicos frente a desastres. Também optaram por classificar como “desastres” os eventos de deslizamentos, e não “desastres naturais”, uma vez que consideram a influência humana tanto na frequência como no desfecho desses desastres.

“Todos os desastres têm algum nível de participação humana, não são fenômenos absolutamente aleatórios. E não são fenômenos complexos, que precisamos ter controle de todas as variáveis. Apenas com duas condições, que é a capacidade estatal de resposta aos desastres e os indicadores socioeconômicos, já vimos um impacto na ocorrência de mortes por deslizamentos”, afirma Costa.

Na metodologia do estudo, os autores selecionaram 91 municípios da região Sudeste com tamanho populacional de 100,1 mil a 500 mil habitantes que registraram deslizamentos no ano de 2020 (dados mais recentes disponíveis), segundo nota técnica conjunta da Casa Civil e do Cemaden publicada em 2023.

A escolha da região foi por concentrar a maior parte da população e de áreas de risco para deslizamento, e os municípios de 100,1 mil a 500 mil habitantes por concentrarem o maior número de óbitos (45%). Os dados referentes à população foram obtidos a partir do Censo do IBGE (Instituto Brasileo de Geografia e Estatística) de 2022.

Em seguida, avaliaram os registros de óbitos em 2020 no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do DataSUS cuja causa estava sob a CID X36 (Classificação Internacional de Doenças), que é a classificação de óbitos por deslizamentos.

Os municípios também tiveram os indicadores socioeconômicos (PIB e índice de pobreza, definido pelo número de pessoas com cadastro no CadÚnico) avaliados. Estes foram então pareados (considerando-se um município com o mesmo tamanho populacional e os mesmos indicadores socioeconômicos) para avaliar o risco de óbito por deslizamento, chegando a 31 municípios.

Eles foram, então, analisados segundo a capacidade dos órgãos municipais, estaduais e federais de resposta aos desastres, como número de organizações de gestão de desastres (Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, secretarias municipais voltadas à prevenção, etc.) e presença de mapeamento de risco e sistema de alerta para deslizamentos.

Destes, 12 registraram óbitos por deslizamentos, e 17 não registraram. Nos municípios que registraram óbitos, mesmo quando havia uma estrutura de proteção aos desastres, a vulnerabilidade social, indicada por uma maior presença de pessoas em situação de pobreza ou menor PIB, refletiram em maior risco de morte, afirma Barbosa, cujo trabalho foi fruto de sua dissertação de mestrado.

Para ela, a pesquisa traz dados inéditos justamente ao conectar esse maior risco com indicadores socioeconômicos e de ação estatal. “Desastre é vulnerabilidade mais exposição, não é só exposição, e também não é só vulnerabilidade, é preciso entender que essa intersecção existe. Na configuração com um alto percentual de pessoas inscritas no CadÚnico, e se o município tem ferramentas de mapeamento de risco e de alertas, a resposta é mais efetiva”, diz.

Um dos exemplos é Cubatão (SP), na Baixada Santista. Apesar de ter um alto risco para deslizamentos, o município não registrou nenhum óbito por essa causa de 2013 a 2020, enquanto Guarujá, Santos, São Vicente e Praia Grande, todos na mesma região, tiveram mortes por deslizamentos.

Segundo os autores, o PIB de Cubatão é cerca de duas vezes maior ao das outras cidades, além de ter capacidades estatais para alertas e prevenção de risco, oferecendo uma resposta frente a desastres mais eficaz.

Segundo dados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, para o período de 1988 a 2022, 4.146 mortes ocorreram em 959 deslizamentos em todo o país.

Só nos últimos anos, São Sebastião, município do litoral norte de São Paulo, teve 64 mortes causadas por deslizamentos em 2023, e a cidade de Petrópolis, na serra fluminense, registrou 241 mortos após deslizamentos em 2022.

“Um problema comum também quando se trata de desastres é a culpabilização da vítima, dizendo que as pessoas ocuparam uma área de risco, mas esse discurso é muito cruel. Cabe às competências tratar dessas questões de desenvolvimento socioeconômico de forma mais ampla, de combate à pobreza, mas também ter uma atenção aos sistemas e as rotinas de resposta às emergências”, avalia Costa.

Segundo ele, não é possível olhar para essa problemática sem pensar, também, nas diferenças raciais e de gênero que afetam os óbitos por deslizamentos.

Para os autores, espera-se, com esse estudo, fomentar políticas públicas que podem, inclusive, levar a outras pesquisas no futuro para melhor avaliar a forma de investimento em ações para redução de risco e prevenção de mortes.

“É preciso uma coordenação federativa mais efetiva para que os investimentos sejam melhor direcionados”, avalia Barbosa.

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