Selton Mello vira garoto-propaganda de 'Anaconda' após 'Ainda Estou Aqui'
Por Folha Press em 24/12/2025 às 13:55
Depois de estrelar “Ainda Estou Aqui”, filme de Walter Salles que trouxe ao Brasil o seu primeiro Oscar, Selton Mello foi convidado para treinar cobras. Se o aclamado drama que retrata o peso da ditadura sobre uma família de classe média alta projetou o artista mundialmente, o novo capítulo da franquia “Anaconda” reforça o brasileiro como estratégia para o sucesso mesmo num processo marcado por desconfianças.
“É a primeira vez que posso dizer que um filme meu estreia no mesmo dia, no mundo todo”, diz ele à Folha de S.Paulo, numa entrevista em que, assim como Carlos Santiago, seu papel, arrisca respostas em língua portuguesa e em inglês. “Sempre fiz um ‘mix’ entre produções independentes, com grande potencial crítico, e filmes com grande potencial de bilheteria. Nossos trabalhos estão sempre nos preparando para próximos.”
Numa Hollywood carente de produções originais e que todos os anos ameaça restaurar sagas clássicas, o longa que estreia neste Natal aposta na ironia. Protagonizada por Jack Black e Paul Rudd, a trama da vez coloca dois fãs da obra original besteirol de 1997 que se tornou popular ao reunir Jennifer Lopez e Ice Cube na luta contra uma cobra gigante para regravar o título de maneira independente. Com câmeras baratas, equipe amadora e um domador de serpentes vivido por Mello, a dupla embarca para a Amazônia.
É onde monstros maiores do que os esperados começam a surgir e colocam todos em risco. Nos trailers, inclusive, esse clima de ameaça despertou apreensão por parte de seguidores do brasileiro. Muitos foram às redes para criticar as poucas cenas, em prévias, com o ator, alegando que Santiago era um estereótipo e a teoria de que o personagem seria um dos primeiros a morrer se tornou quase consenso digital.
Essa atmosfera, aliás, já era diferente da empolgação deixada pelo anúncio, simultâneo à turnê de “Ainda Estou Aqui”, deste novo “Anaconda”: num barco, na Austrália apesar do roteiro, assim como o do original, se passar no Brasil, Black, Rudd e Mello dançavam e cantavam juntos.
Questionado sobre essa controvérsia, o diretor Tom Gormican não se esforça para desmentir o destino de Santiago, mas afirma que os brasileiros receberão o personagem de braços abertos. Reconhecido também por publicar memes no TikTok e adepto ao mundo virtual, Mello, por sua vez, defende que a internet está repleta de “Sherlock Holmes” usuários que atuam como detetives e chegam a conclusões precipitadas.
De toda forma cuidado com os possíveis “spoilers”, mesmo que as consequências de alguns ataques fiquem em aberto por algum tempo, Santiago é, sim, uma das primeiras vítimas do réptil.
Mas, em seu tempo de tela, ele é motivo de risos pela aparente comunicação com animais selvagens e pela sensibilidade em relação à natureza. O tempo pode parecer curto, mas não mina o ânimo de Mello em relação ao projeto.
Ele exalta a liberdade dada por Gormican durante o processo e agradece a receptividade dos colegas de elenco. Antes e depois das indicações de “Ainda Estou Aqui”, relatos descrevem que Mello foi tratado como realeza.
Segundo Black e Rudd, que elogiam a estranheza do ator, a admiração é mútua. “Tinham momentos em que ficávamos admirando ele atuar em takes extras. ‘Deixe ele brilhar’, pensávamos'”, diz Black, que se anima ao saber que o repórter também é brasileiro.
“O filme é uma espécie de homenagem ao Brasil”, afirma Gormican, “da música que usamos até algumas das localizações”. “E foi importante ter alguém como Selton para que o projeto ficasse ainda mais genuíno.” Entre os núcleos paralelos da trama, que ainda conta com uma aparição do também brasileiro Rui Ricardo Diaz, homens armados correm pela Austrália, fantasiada de Amazônia, na tentativa de prender uma ladra.
De um jeito ou de outro, “Anaconda” foi recebido com aplausos em pré-estreias no Brasil. No outro canto da América, veículos especializados como o Deadline e o IndieWire apontam a irreverência de Mello como o trunfo do longa e previsões de boa bilheteria, se concretizadas, podem provar a eficiência do filme em brincar com duas tendências do momento.
Popularizados por séries de comédia como “O Estúdio” e “A Franquia”, a primeira são os autodiagnósticos, com projetos que tiram sarro de Hollywood e denunciam a busca alucinada pelo lucro, os investimentos em propagandas e a falta de criatividade. À sombra da possível fusão entre a Netflix e a Warner, Gormican, Black e Rudd também defendem, com garras e dentes, a necessidade de se assistir ao filme nos cinemas.
A segunda, e que se depender dos artistas nacionais terá uma vida longa, é a expansão dos brasileiros em premiações de prestígio e gravações de grandes estúdios americanos. Na agenda das estatuetas, Wagner Moura pode repetir o feito de Fernanda Torres no Globo de Ouro com seu papel em “O Agente Secreto”. Já nos sets, Bruna Marquezine testemunhou os poderes do “Besouro Azul”, Alice Braga enfrentou os “Novos Mutantes” e Maria Fernanda Cândido contracenou com feiticeiros em um derivado da série “Harry Potter”.
Não quer dizer que os artistas nacionais só achem espaço em adaptações da Marvel e da DC Comics ou em sagas de bichos assassinos. Há dois anos, o renomado diretor Michael Mann escolheu Gabriel Leone como um dos pilotos do seu “Ferrari”, e hoje o próprio Moura concorre também, ao Critics Choice Awards, por uma série elogiada da Apple TV, “Ladrões de Drogas”.
“Fizemos história com ‘Ainda Estou Aqui’ e agora o mundo está de olho na gente”, diz Mello. Seu autodiagnóstico é menos doloroso que o de remakes desnecessários. Afinal, como Gormican sugere, o “sabor brasileiro” é sempre bem-vindo.
Anaconda
- Quando Estreia nesta qui. (25) nos cinemas
- Classificação 12 anos
- Elenco Jack Black, Paul Rudd e Selton Mello
- Produção EUA, 2025
- Direção Tom Gormican