Lula vai sancionar alívio na dívida dos estados com aval a federalização de estatais
Por Idiana Tomazelli e Bruno Boghossian/Folhapress em 14/01/2025 às 08:18
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai sancionar o projeto que alivia a dívida dos estados com a União com a manutenção do dispositivo que permite federalizar empresas estatais para abater parte do saldo devedor.
Este é um dos pilares da proposta patrocinada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que defende a federalização da Cemig e outras estatais de Minas Gerais -estado pelo qual ele foi eleito e que é um dos mais endividados.
A manutenção deste trecho foi costurada após uma reunião dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil) com o próprio Pacheco nesta segunda-feira (13) e contraria a recomendação inicial da equipe econômica, que defendia o veto devido ao potencial impacto dessa medida nas contas federais.
A avaliação técnica do governo é que a eventual federalização de estatais estaduais tem impacto no resultado primário calculado pelo Banco Central, órgão responsável pelas estatísticas oficiais. A operação eleva a dívida líquida, indicador que engloba obrigações e desconta ativos financeiros, como reservas internacionais e valores a receber dos estados.
Na prática, a transação significaria trocar um ativo financeiro por outro não financeiro (ações de uma empresa), sendo que este não conta para o indicador. O aumento da dívida líquida piora o primário sob a ótica do BC.
Haddad chegou a sinalizar na semana passada que o governo vetaria trechos do projeto de socorro a estados que tivessem impacto no resultado primário. No entanto, segundo governistas, a decisão final de Lula levou em consideração um equilíbrio entre a necessidade de vetar pontos que ameaçassem a meta fiscal e, ao mesmo tempo, evitar atritos com o Congresso.
Isso só foi possível porque o dispositivo da federalização de empresas prevê a concordância da União como requisito à transação. Ou seja, a sanção do dispositivo não gera impacto imediato. Eventual operação dependerá de uma série de etapas, que incluem autorização, avaliação do valor da empresa, aprovação das leis e compatibilização do Orçamento para absorver o impacto primário.
A avaliação na equipe de Haddad é de que é pouco provável que algum processo avance no curto prazo. A União inclusive poderá vetar a operação em si com base no argumento de falta de espaço no Orçamento. Segundo interlocutores, os senadores foram avisados dessa prerrogativa durante as negociações para manter o trecho da lei.
Outros trechos com possível impacto no primário serão vetados. Um deles é o que permitia aos estados abater do saldo devedor valores investidos em “prestação de serviços de cooperação federativa” nas áreas de segurança, defesa civil, ciência e tecnologia, obras de infraestrutura, entre outros.
O diagnóstico do governo é que o dispositivo poderia gerar uma fatura incalculável para a União, que não teria controle sobre o montante a ser deduzido pelos estados por meio desses gastos.
O presidente também vai vetar a possibilidade de uso do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), criado na reforma tributária, para abater parte da dívida com a União.
Na visão da União, o artigo é inconstitucional, pois desvirtua a finalidade do fundo, que é promover incentivos à atividade produtiva e ao desenvolvimento de regiões menos desenvolvidas. Além disso, ao desviar os recursos para o pagamento da dívida, os estados poderiam pressionar o governo federal a ampliar os repasses ao FNDR no futuro com o objetivo de restabelecer as políticas de incentivo.
A espinha dorsal do chamado Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados), por sua vez, foi mantida por Lula na sanção da lei.
O programa reduz os juros cobrados dos governos estaduais daqui para frente, promovendo um alívio bilionário e abrindo espaço no caixa desses entes para incrementar gastos a menos de dois anos da eleição de 2026.
A nova lei promove duas mudanças significativas nos encargos. A primeira delas é a possibilidade de reduzir os juros reais de 4% para 0% ao ano, mediante contrapartidas como investimentos em áreas específicas.
A segunda é a simplificação do coeficiente de atualização monetária da dívida, que seguia uma fórmula complexa e resultou em uma correção ao redor de 7,3% em 2024, acima da inflação. O texto substitui essa variável pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que ficou em 4,83% no ano passado.
Estimativa do economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), aponta um subsídio de R$ 48 bilhões anuais decorrente do projeto, podendo chegar a R$ 62 bilhões no primeiro ano. Os valores foram calculados em setembro de 2024 e refletem os encargos que a União deixará de receber dos estados após a renegociação.
Essa mudança não tem impacto sobre a meta fiscal do governo, mas pode ampliar os desequilíbrios na regra de ouro do Orçamento (que impede a emissão de títulos da dívida para pagar despesas correntes) e piorar a trajetória da dívida pública.
Ao reduzir a taxa de juros cobrada dos estados, o governo federal perde receitas financeiras que hoje ajudam a honrar suas obrigações com investidores. Sem esses recursos, a União precisará emitir mais títulos no mercado para captar recursos.
Integrantes da equipe econômica reconhecem que este não é o melhor momento para implementar um socorro dessa magnitude, dado o ambiente adverso de câmbio e juros, mas afirmam que o Congresso Nacional aprovou o projeto preservando premissas defendidas pela própria equipe econômica, com a destinação de parte dos recursos poupados para o ensino profissionalizante.