Isolamento da extrema direita cai na Alemanha em votação histórica
Por José Henrique Mariante/ Folha Press em 29/01/2025 às 16:43
Uma moção que pede fronteiras fechadas na Alemanha foi aprovada nesta quarta-feira (29) no Parlamento Alemão, em Berlim. A sessão ganhou contornos históricos, já que a oposição ao governo Olaf Scholz contou com votos da extrema direita para aprovar a resolução, proposta após novo episódio de violência ligado a imigrantes irregulares.
O ato não tem força de lei, é apenas uma orientação a ser seguida. A votação, porém, mobilizou o debate público no país. De um lado, os que veem a necessidade de medidas urgentes para coibir a crise imigratória; do outro, os que temem a naturalização da AfD, uma legenda populista, nacionalista, que defende a saída da União Europeia, a volta do marco alemão e tem integrantes investigados por discurso de ódio e neonazismo.
Friedrich Merz, líder da CDU, autor das moções e favorito para conquistar o cargo de primeiro-ministro nas eleições de 23 de fevereiro, fez força para desvincular seu ato do apoio da AfD. Sem os votos da legenda extremista, porém, sua proposta não passaria. Ao propô-la, portanto, ele já estaria contando com o apoio e derrubando o Brandmauer, o firewall, a distância regulamentar que todos os partidos democráticos mantêm da AfD. Ou, segundo os críticos, que mantinha.
Os números da votação mostram como a estratégia de Merz era mesmo ter o apoio da extrema direita. O chamado Plano de 5 Pontos teve 348 votos a favor e 345 contra, além de 10 abstenções. O documento pede que o governo proíba a entrada de imigrantes sem documentos, controle permanente nas fronteiras, detenção de solicitantes de asilo rejeitados ou que estão em situação ilegal no país e deportações diárias.
“Hoje é um dia histórico, no sentido negativo”, declarou Britta Hasselmann, líder dos Verdes, na tribuna do Bundestag. “Maiorias foram buscadas fora do centro democrático. E você é o responsável”, afirmou a parlamentar, apontando para Merz. É a primeira vez que algo assim ocorre na política alemã no pós-guerra, com implicações óbvias.
“Este é um verdadeiramente um momento histórico”, declarou, na sequência, Bernd Baumann, da AfD. “Algo novo está começando”, afirmou, também apontando para Merz.
O político conservador, que lidera as pesquisas de opinião, mas está longe de contar com uma maioria no próximo Bundestag, começou o dia sob críticas da sociedade civil. Representantes da Igreja Evangélica, dominante na Alemanha, e da Católica publicaram uma carta pedindo que recuasse, algo constrangedor para quem lidera a CDU, sigla para União Democrática Cristã.
No começo da tarde, Merz foi duramente criticado por Scholz, que abriu a sessão parlamentar. “O direito de asilo faz parte do sistema jurídico alemão. O senhor quer que violemos a legislação europeia, algo que só Viktor Orbán fez até aqui”, declarou o primeiro-ministro.
Scholz lembrou que os dois episódios recentes de violência relacionados a imigrantes ocorreram em estados governados pela oposição. Nos dois casos, perpetrados por pessoas com histórico de transtornos mentais, ficou evidente que o aparelho estatal falhou em algum momento.
Em Magdeburgo, em dezembro, um médico saudita, asilado, atropelou centenas no mercado de Natal local, matando seis pessoas. Na semana passada, um afegão, que já tinha concordado com a própria expulsão, esfaqueou pessoas a esmo em um parque em Aschaffenburg, matando dois, incluindo uma criança de dois anos.
“Política, em nosso país, não é pôquer”, disse Scholz a Merz, ao criticar sua tolerância com a AfD. O rival respondeu minutos depois, logo ao assumir a tribuna, tecendo em sua primeira fala uma crítica não ao rival, mas ao partido de extrema direita.
“Não estamos querendo ferir as leis europeias. Estamos propondo fazer o que vários países já estão fazendo à nossa volta. É possível decretar emergência. Quantos mais terão que ser assassinados até que o primeiro-ministro veja que estamos em uma emergência”, perguntou.
Em sua explanação, Alice Weidel, a candidata a premiê que conta com o controverso apoio público de Elon Musk, chamou de “ultrajante” o discurso de Scholz sobre o fato de Merz não recusar votos de seu partido. “O firewall nada mais é do que um acordo de cartel antidemocrático para minar a vontade dos eleitores.”
Uma segunda moção da CDU, que pedia mudanças no funcionamento das polícias, foi amplamente rejeitada. Também foi recusada proposta do FDP, que pedia a demissão da ministra do Interior, responsável pela política de imigração, e outra, da AfD, que previa o fim da dupla nacionalidade