Quem é Nikolas Ferreira, o deputado mais votado de 2022
Por Anna Virginia Balloussier / Folha Press em 04/10/2022 às 10:36
Nikolas Ferreira (PL-MG) conta que, ao nascer, sua mãe o “consagrou para Cristo”. É Ruth quem hoje pede que ele tenha “cuidado com esse povo da esquerda” antes de postular: “Deus te abençoe”.
A batalha contra “esse povo da esquerda” fez do fiel da Comunidade Evangélica Graça e Paz, um vereador de primeiro mandato em Belo Horizonte, o candidato a deputado federal mais votado em todo o país, com 1,49 milhão de votos. A marca anterior no estado era de Patrus Ananias (PT), com 520 mil votos em 2002.
Aos 26 anos, Nikolas se firmou como uma das maiores potências do bolsonarismo, a ponto de ser cogitado nos bastidores como uma carta na manga para futuras eleições presidenciais.
Ele é de direita desde que se entende por gente. Na família, só um avô votava no PT. O neto começou a ler Olavo de Carvalho aos 13 anos. Impressionou-se com aquele homem que “traduzia em uma frase o que eu queria dizer”, contou a Cíntia Chagas, professora-influencer queridinha de bolsonaristas por opiniões como a de que o uso de pronomes neutros na linguagem inclusiva -como “todes”- são uma “histeria coletiva”.
Nikolas dilatou seu capital político com críticas ao que chama de doutrinação ideológica à esquerda em escolas e faculdades. Um “antro de ativismo” que diz ter visto de perto, ao cursar direito na PUC mineira.
Orgulha-se de ter chamado a polícia quando uma professora de filosofia, segundo ele, aplicou uma prova que deveria ser feita em dupla por todos na sala, menos pelo aluno crente. Sugeriu que ele fizesse par com Deus. Ele conta à Folha que outro docente, para debochar de sua fé, o apelidou de “Jesus me ama”, além de ter usado tempo da aula para defender o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro.
Nikolas tremula várias das bandeiras do bolsonarismo. Diz se interessar por pautas “em defesa da vida desde a concepção” e que prestigiem as forças de segurança pública. Também defende que “homem use banheiro de homem, e mulher, de mulher”, fórmula usada por conservadores para se opor a transgêneros.
O Ministério Público abriu uma investigação, hoje em andamento, após o vereador expor uma aluna trans menor de idade que foi ao toalete feminino do colégio. A irmã do agora deputado eleito filmou a colega, e ele compartilhou o vídeo. “Não preciso nem falar que dentro da sala de aula, com relação à matéria de história, ocorre doutrinação. Travesti no banheiro da escola da minha irmã”, afirmou à época.
No dia seguinte à eleição, ofendeu no Twitter a trans Duda Salabert (PDT), a mulher mais votada para a Câmara em Minas Gerais. Nikolas disse que esse mérito era da segunda mais bem colocada, Greyce Alias (Avante). “Quando mudarem a biologia, aí vocês dão o título para outro. Até lá: parabéns, Greyce.”
Antes, gravou vídeo exibindo um rifle e, em setembro de 2021, foi barrado ao tentar visitar a estátua do Cristo Redentor, no Rio, porque não tinha comprovante de vacinação contra Covid. O episódio foi usado para viralizar nas redes. Ele depois tomou sua dose, para poder viajar à Europa a trabalho. Em solo inglês, foi a um ato antivacina. Disse na ocasião ser contra a imunização imposta pelo Estado.
Uma vez na Câmara, estará de olho nas comissões de Constituição e Justiça, a mais poderosa, e na de Direitos Humanos, por querer “mostrar que a pauta social não é monopólio da esquerda”.
O futuro deputado afirma que vai “dialogar com todo mundo” porque o Congresso é como “uma sala de aula gigantesca em que você tem que pedir lápis de alguém porque esqueceu”. Mas se aliar ao outro lado, jamais. “Não tenho aliança com esquerda, com comunista. São cínicos, mentirosos.”
Assuntos sensíveis ao polo oposto se tornam alvo fácil de Nikolas. Após ouvir da colega Bella Gonçalves (PSOL) que ele fazia “TikToks inúteis”, atacou no plenário da Câmara Municipal uma proposta para mudar o nome de um centro de saúde para Marielle Franco, “uma pessoa que não fez nada por nossa cidade”.
Chamou a vereadora carioca assassinada de “abortista” e disse que todos entrariam “em pane” se ele propusesse rebatizar o centro com o nome de Brilhante Ustra, notório torturador na ditadura militar.
“Lamento a forma que [Marielle] morreu, mas a morte não faz de ninguém santo”, disse, para em seguida evocar próceres da esquerda que não mereceriam a santificação póstuma, como Che Guevara.
Nikolas coleciona desafetos e conviverá com um deles na Câmara, o conterrâneo André Janones (Avante). Os dois já se engalfinharam em pugilatos virtuais. Num recente, o bolsonarista referiu-se ao aliado de Lula (PT) como “Danones” e recebeu de resposta: “Nos vemos nas urnas, mascote da milícia!”. Janones foi o segundo colocado no estado, mas com 1,2 milhão de votos a menos do que o fenômeno eleitoral.
Os valores conservadores Nikolas diz que aprendeu em casa. A mãe foi aprovada para o curso de psicologia na universidade federal, mas desistiu para cuidar dos filhos -“e isso foi importante”, porque teria oferecido a ele uma “infância feliz”, jogando bola e vendo o anime “Dragon Ball Z” na Cabana do Pai Tomás, favela em Belo Horizonte que leva o nome do famoso romance sobre a escravidão nos EUA.
Ruth lia para ele histórias bíblicas, o que o fez crescer tendo “heróis da fé”, como Davi e Sansão. Também aconselhou o filho a reparar como uma mulher trata a mãe dela e se mantém as unhas bem-feitas. Ele, que ainda não se casou, diz acreditar em sexo depois do matrimônio, como manda a Bíblia.
Nikolas conta a história de dois tios que eram irmãos. Um virou policial, e o outro, criminoso. Insinua-se aqui uma visão meritocrática do vereador, que destaca como ambos tiveram as mesmas chances na vida, com desfechos tão díspares. Nikolas vê mérito, mas também a mão de Deus em sua votação recorde.
“Consagrei minha eleição ao Senhor, e estou colhendo frutos de um trabalho que não é de agora. Me espelho na força de Bolsonaro, que por 27 anos no Congresso esteve sozinho e hoje é presidente.”
Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da bancada evangélica, a qual Nikolas se juntará em 2023, descreve o futuro colega como “um craque nas redes sociais” que evoluiu rapidamente para “um líder político com valores cristãos arraigados”. Era fevereiro quando dividiram o púlpito da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia. Participavam do Imersão Amplitude, evento voltado à juventude.
Em sua fala, Nikolas quis saber quantos jovens ali estavam na universidade e lemboru sua passagem pela PUC, que comparou à Babilônia, cidade tida como símbolo da degradação moral na Bíblia.
Um tipo de experiência que, se depender dele, está com os dias contados. “O Brasil está sendo transformado por pessoas como nós, pessoas que têm o caráter do Reino [de Deus].”