Indígenas começam a trabalhar em propostas para Lula e Ministério dos Povos
Por João Gabriel / Folha Press em 06/11/2022 às 12:11
Lideranças da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) já começam a esboçar uma proposta do que pode vir a ser o Ministério dos Povos Indígenas, promessa de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas que não chegou ao seu plano de governo.
Membros da articulação se reuniram em Brasília nos últimos dias e aprovaram a criação de um grupo de trabalho que atuará, nos próximos dois meses, debruçado sobre estudar as possibilidades para a nova pasta, incluindo sua estrutura.
Pessoas do movimento ouvidas pela reportagem, sob anonimato, dizem que o encontro foi apenas uma conversa inicial. A partir de agora, esse grupo, que deve ter cerca de 20 membros, irá aprofundar o debate. Ainda não houve conversa formal sobre nomes para ocupar cargos no Executivo a partir de 2023.
Os indígenas demandam, por exemplo, ter integrantes no comitê de transição chefiado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) –até agora, no entanto, ninguém foi formalmente procurado. A ideia é que o grupo de trabalho municie esses representantes, para que eles possam articular o ministério junto ao governo eleito.
O debate entre as lideranças girou em torno de dois pontos. Um é trabalhar, desde agora, no Congresso, para garantir que haja orçamento para as políticas indígenas, inclusive da nova pasta. Outro é garantir que a participação indígena no governo não se limite a este setor, mas se espalhe por diversas instituições.
Existem hoje, distribuídos por diferentes instâncias do Executivo, alguns órgãos que cuidam de questões relativas aos povos. Por exemplo, a Funai (Fundação Nacional do Índio), a principal instância sobre o tema e que é subordinada ao Ministério da Justiça.
Há um debate se a fundação deve, ou não, ser incorporada ao Ministério dos Povos. Na conversa, segundo pessoas presentes, surgiu até a ideia de que apenas uma parte seja incorporada –por exemplo, a que cuida de questões sociais.
Ainda segundo esses interlocutores, há uma maioria que defende que a Secretaria de Saúde Indígena, a Sesai, siga dentro do Ministério da Saúde.
Em ambos os casos, há o consenso sobre a importância de que os órgãos, assim como o de educação indígena (hoje, competência de uma secretaria no Ministério da Educação), sejam chefiados por representantes indígenas.
Segundo essas lideranças, o dilema para a criação da estrutura do novo ministério é garantir que a participação indígena não seja limitada a ele, mas aconteça em outras instâncias, e ao mesmo tempo cuidar para que seu organograma não absorva órgãos grandes demais –que correriam o risco de ficar inoperantes em uma pasta recém criada.
Além disso, o grupo elaborou uma carta pública, na qual vai propor metas para os primeiros dias do governo Lula.
Por exemplo, a revogação de atos e decretos prejudiciais aos direitos indígenas, bem como a conclusão do processo demarcatório de 17 Terras Indígenas que, segundo levantamento da Apib, já passaram por todo o seu trâmite burocrático e dependem apenas de uma assinatura para serem validados.
Finalmente, segundo essas lideranças, foi ressaltada a importância da retomada de uma política nacional voltada aos povos indígenas e dos conselhos nacionais dos povos indígenas.
Por enquanto, ainda não há nomes de representantes indígenas anunciados para o comitê de transição de governo, tampouco para o ministério.
Dentre os especulados para chefiar o Ministério dos Povos Indígenas, os mais fortes são o da deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) e da deputada eleita Sonia Guajajara (PSOL-SP). Também é ventilado, mas com menos força, o nome do advogado Eloy Terenã.
Contra Guajajara pesa o fato de que ela e Célia Xakriabá (PSOL-MG) são importantes nomes do movimento dentro da Câmara para a próxima legislatura.
Sob este cenário, o nome de Wapichana ganha força, uma vez que ela não foi reeleita como deputada federal e não terá cargo a partir de fevereiro de 2023.
Há também a expectativa de que algum anúncio sobre isso seja feito por Lula durante a COP27, a conferência internacional do clima da ONU, que acontece no Egito.
Pessoas ouvidas pela reportagem deixam claro que, qualquer que seja o convite, ele teria que ser referendado pelo movimento indígena e, se for o caso, também por partidos políticos, antes de ser aceito.
Enquanto nenhuma movimentação oficial sobre o assunto é feita por parte da equipe de transição, lideranças importantes reafirmam seu apoio ao próximo governo, ao passo que reiteram a postura de cobrança quanto às promessas feitas na campanha.
“Temos que ter paz entre brancos e indígenas. É para isso que eu trabalho. Eu quero encontrar o Lula para tratarmos de assuntos de interesse dos povos indígenas, bem como os trabalhos a serem feitos no tema”, afirmou o caiapó Raoni Metuktire à reportagem.
Uma das mais importantes lideranças indígenas do Brasil, ele já foi indicado ao Nobel da Paz, viu sua esposa morrer de Covid-19 e também contraiu o vírus. Aos 90 anos, anunciou apoio ao petista nestas eleições.
Ele diz que vê no discurso do presidente eleito pontos de confluência com seus ideais, sobretudo no que toca à preservação do meio ambiente. Mas lembra que, caso essas promessas não sejam cumpridas, o prejuízo não será apenas dos povos indígenas.
“Se não fizerem [o que prometeram], teremos problemas para todos. Vocês brancos devem nos respeitar assim como nós indígenas devemos respeitar os brancos”, afirmou.
Megaron Txucarramãe, tido como um dos sucessores de Raoni, cobra que os indígenas tenham participação ativa e espaço no governo, e espera que Lula, agora em seu terceiro mandato, “acerte as coisas que ele errou na primeira vez em que foi presidente”.
“Queremos que o presidente Lula aceite nossa indicação para o ministério, vamos querer indicar alguém para a Funai e também para a Secretaria de Saúde Indígena”, disse.
“Os indígenas estão confiantes que ele fará o que é preciso, lembrando que é obrigação do governo federal dar apoio aos povos. Esperamos que ele fortaleça as instituições que nos atendem e retome as demarcações de terra e as consultas às comunidades”, completa.