Governo Bolsonaro vai terminar sem cumprir plano de ampliar Enem digital
Por Paulo Saldaña e Isabela Palhares/Folha Press em 12/11/2022 às 13:30
O governo Jair Bolsonaro (PL) chega ao fim sem conseguir avançar com a consolidação do Enem digital, o que seria um dos maiores legados da gestão na área da educação, como anunciado no primeiro ano do mandato. A ideia era que em 2022 já haveria quatro aplicações digitais, o que vai acontecer.
A iniciativa de aplicar as provas em computador, iniciada em 2020, ainda tem aspectos de projeto-piloto, com poucos inscritos e custo e abstenção altos. A promessa de tornar a prova totalmente digital até 2026 foi abandonada.
O Enem 2022 ocorrerá nos dias 13 e 20 de novembro. No mesmo dia serão aplicadas as versões impressa e digital.
Inscreveram-se para fazer o exame no computador 65 mil candidatos. O número é menor do que das duas edições passadas. Já para a prova tradicional em papel foram 3,4 milhões de inscritos.
A adesão ao Enem digital é feita no momento da inscrição, a partir da oferta de um conjunto de locais de prova credenciados pelo governo.
Desde que o Enem foi transformado em uma espécie de vestibular nacional, em 2009, há planos dentro do MEC (Ministério da Educação) para viabilizar a aplicação digital. O plano era poder ofertar mais de uma aplicação por ano, a exemplo do que ocorre em avaliações como o SAT, exame de seleção para universidades nos EUA.
“Há cem anos a gente faz exame do mesmo jeito, em papel. Queremos fazer como é feito lá fora”, disse em 2019 o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub ao anunciar o projeto que não vingou.
A metodologia matemática por trás das questões do Enem é o que possibilita isso. Os itens são pré-testados para garantir níveis de dificuldade controlados e, dessa forma, é possível fazer diferentes provas com o mesmo grau de complexidade.
Mas o problema é ter questões em número suficiente. Isso é que havia emperrado o avanço do plano nos governos passados, mas a gestão Bolsonaro ignorou as dificuldades ao anunciar o Enem digital em 2019.
Passados três anos, a escassez de questões do Enem é tão grande que o governo precisou reciclar itens para não usar perguntas repetidas. O governo atual não produziu itens em quantidade adequada, comprometendo a expansão do Enem digital e mesmo da prova impressa.
Ao menos desde fevereiro de 2021 o baixo número de questões tem sido alertado dentro do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). O órgão, ligado ao MEC, é responsável pela prova e já está em seu quinto presidente durante esse governo.
MEC e Inep foram questionados mas não responderam.
Com projeção de custo quase quatro vezes superior ao da prova em papel, a primeira edição digital teve a maior abstenção já registrada no exame. A versão digital do Enem 2020 teve abstenção de 71,3% -índice bastante superior ao da versão impressa, que foi de 55,3%.
No ano passado, quando a aplicação digital recebeu 69 mil inscrições, a taxa de faltosos foi de 50,1%. Na impressa havia sido de 29,5%.
Desde o anúncio do Enem Digital, em julho de 2019, o MEC não apresentou estudos ou relatórios que comprovassem a garantia do mesmo grau de dificuldade e de comparabilidade entre os dois formatos. Também não conseguiu implementar novos recursos na versão digital, como o uso de vídeos nos enunciados das questões, conforme havia prometido.
Para Ocimar Alavarse, coordenador do Gepave (Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional) da USP, o governo não apresentou aos alunos vantagem ou incentivo para testar o modelo novo. “O candidato não vê vantagem em trocar de formato, participar de um grupo pequeno, sem entender em como se beneficia desse modelo”, diz.
Mais do que não ver vantagens, Alavarse diz que o modelo não transmite segurança aos candidatos. O Inep nunca apresentou nota técnica que assegure que os dois formatos de prova têm o mesmo nível de dificuldade. “O Inep tem que provar que as duas provas são absolutamente equivalentes, mesmo que sejam feitas com questões diferentes.”
Um receio em digitalizar totalmente a prova era de que estudantes desacostumados com o uso do computador pudessem ser prejudicados. Mas antes disso, ainda há o desafio de infraestrutura, uma vez que é grande o número de escolas sem computador e internet.
No Enem 2021, houve falhas em ao menos 13 locais de aplicação do Enem digital. Um caso grave ocorreu em Arapiraca (AL).
No segundo dia de aplicação, a energia acabou no local e, ao ser retomada, houve falha no software da prova, que não carregou os itens. Participantes ficaram cerca de 6 horas no local para saber se fariam ou não a prova e se haveria direito à reaplicação.