Orgulho: Cris do Quiosque e seus 35 anos de luta pela causa LGBTQIA+

Por Noelle Neves em 01/07/2021 às 06:05

A empresária Cristiane Margarida Lopes Lorca, a Cris do Quiosque, conheceu o amor aos 6 anos. De maneira inocente e pura, nutriu sentimentos por uma professora durante certo tempo, mesmo sem entender o que isso, de fato, significava.

Nascida em Pirajuí, no interior de São Paulo, próximo à Bauru, sempre se considerou “maria-moleque”. Suas brincadeiras favoritas incluíam soltar papagaio, chupar uva do pé e andar de papelão na grama.

Também adorava andar de bicicleta pela Cidade e esse hobby, antes tão solitário, ganhou um toque especial: uma amiga passou a acompanhar nesses passeios. Involuntariamente, as borboletinhas começaram a surgir e encontrou-se, mais uma vez, apaixonada por uma mulher.

“Nas brincadeiras de casinha, eu era sempre ou o marido ou a médica. Não que eu me sinta homem. Gosto de meninas e de ser quem sou. Amo ser mulher”.

Cris Lorca, empresária

Dessa vez, com mais noção do que o amor significava, começou a entender um pouco mais sobre quem era. Por isso, aos 13 anos, começou a trabalhar para se aproximar cada vez mais da própria independência. Tudo o que mais queria era conquistar seus objetivos. Sem deixar de as lições de altruísmo de lado, nas folgas do serviço, praticava a caridade.

“Meu primeiro relacionamento com outra mulher foi com uma amiga minha de escola. Eu estava fazendo um técnico de informática, colegial… e conheci essa menina lá, super gracinha. Já trabalhava à noite e ela ficava me esperando na porta do trabalho para irmos embora juntas. Subíamos a rua, parando para nos beijar e abraçar. Tivemos aquelas emoções do primeiro beijo e abraço do primeiro relacionamento”, disse Cris em entrevista ao Santa Portal.

Por já ter a independência e entender quem era, se assumir não foi um desafio. No entanto, sua luta pela causa LGBTQIA+ estava longe de ser fácil. Durante 35 anos, dá sua cara a tapa e batalha pela conquista de direitos e equidade.

Foto: Arquivo pessoal

Quiosque da Cris

Cristiane Lorca é conhecida por ter o primeiro quiosque com atendimento especializado no público LGBTQIA+. Localizado na praia do Itararé, em São Vicente, o espaço atrai visitantes de todo o mundo.

O que pouco sabem é que o espaço, hoje prestigiado e premiado, nasceu fruto de muito esforço.

“Eu trabalhava em cinco empregos diferentes para conseguir me manter em Campinas, onde morava. Um dia, minha irmã e meu cunhado me ofereceram para morar em São Vicente, para que o apartamento de veraneio que tinham não ficasse tão sozinho. Visitei em um feriado e conheci uma pessoa que trabalha em um carrinho de pastel na praia. Foi aí que as coisas começaram a mudar”, contou.

Na conversa, 35 anos atrás, Cris perguntou todos os detalhes necessários para que pudesse ter um carrinho de pastéis. Com a ajuda do senhor, entendeu toda a burocracia e o mais importante: como fazer um bom pastel, com bastante tempero e massa crocante.

Então encomendou um carrinho de alumínio com o que havia de mais moderno na época. Assim nasceu o Pastéis Lua e Estrela, carrinho locado em frente ao Pão de Açúcar.

O sucesso não demorou a chegar. Em um dia, chegou a vender mil pastéis por dia. A maioria dos clientes eram famílias. “Gostavam do cuidado que eu tinha. Tinha saquinho com nome, tirinhas, fazia questão de ser simpática e ter um bom diálogo com todos”, revelou.

Certo dia, após finalizar o expediente, decidiu tomar cerveja no carrinho de um amigo. Foi quando viu um trailer fechado. Decidiu conversar com os proprietários para ser inquilina. Afinal, o ponto era muito bom.

E assim, Cris começou a fazer história com o “Mudança Radical”. “Estávamos entrando na Era da Revolução, com energia e água potável. Foi uma inovação por completo, eram bons, conhecidos e trabalhando bem para receber turistas”, destacou.

Foi com a reurbanização do Itararé que o Quiosque da Cris nasceu. Os trailers precisaram sair da praia e os proprietários lutaram por um projeto de quiosques.

Foto: Arquivo pessoal

Uma história de luta pela causa LGBTQIA+

O quiosque tem uma bandeira LGBTQIA+ de dois metros fincada. O orgulho de ser quem é e defender o que defende, já a fez apanhar de Skin Heads e ir para a delegacia inúmeras vezes.

“Eu tinha 20 anos de idade, quando abri meus braços para proteger esse público. Sabia que iria enfrentar desafios. Mas hoje, minha história é referência no Brasil por preservar a bandeira do arco-íris”.

Cris Lorca, empresária

Apesar de oferecer atendimento especializado, é um quiosque familiar e friendly. Então é comum encontrar idosos, crianças e famílias inteiras se divertindo.

“Uma cliente minha é historiadora e mora no Mato Grosso. Ela disse que somos conhecidos do Oiapoque ao Chuí. Conquistamos o mundo”, afirmou.

Levando o nome de São Vicente para o mundo

De acordo com Cris, pelo quiosque ser conhecido mundialmente, também exalta a Cidade de São Vicente. “Isso é algo muito positivo, porque como viramos notícias em veículos de cobertura nacional e internacional, damos visibilidade para o município. Tenho muito respeito e sei que a população tem por mim também”, disse.

O espaço, além de ser um marco para a comunidade LGBTQIA+, também se destaca pelos prêmios recebidos, já que recebeu títulos de Melhor Lanche da Cidade, por conta da linguiça na cachaça e da banana da terra com recheio de carne de siri.

foto: arquivo pessoal

Os desafios de Cris na pandemia

Uma das maiores lições que Cris aprendeu foi na pandemia: ser forte em todos os momentos, independente da circunstância. “Fiquei desesperada em certo ponto, porque tenho uma equipe de 13 funcionários. Me perguntei como ficaria com o quiosque fechado, cheia de mercadoria. Fiquei 5 meses sem poder abrir. Tive perda grande nos dez primeiros dias, porque roubaram toda a fiação do quiosque, a lona foi rasgada. Além disso, perdi um container com mercadorias, o que somou um prejuízo de mais de R$ 50 mil”, contou.

Por mais que tivesse dinheiro guardado para emergências, não era o suficiente para ficar tanto tempo “sem conseguir pagar as contas”. O alívio veio quando o governo liberou o benefício para os trabalhadores. Com relação a eles, ficou tranquila. No entanto, para ela, ainda havia muito a ser feito, especialmente referente a negociação de dívidas.

Orgulho LGBTQIA+

“Acho que uma das piores coisas que passei nesses 35 anos foi precisar contratar uma advogada internacional para me representar diante de um delegado homofóbico, espumando preconceitos. Depois da intervenção dela, ele começou a me enxergar. Assim, parei de ser levada a delegacia por coisas que não fiz ou que não aconteceram no quiosque”, lembrou.

Para ela, o mês de junho representa muito luta. Durante seus 55 anos de vida, mais da metade deles passou defendendo a comunidade. Por isso, acompanhou de perto o povo sendo preso, espancado, ignorado, marginalizado e sendo colocado para fora de casa.

A bandeira do arco-íris, de acordo com Cris, representa uma luta de amor ao próximo e resiliência. Um lembrete para nunca deixar a felicidade de lado.

“Quem tem preconceito, deve olhar para si mesmo primeiro. Entender quem ama e como ama as pessoas ao redor. Precisamos um do outro para seguir a linha da vida. E o respeito é o segredo”.

Cris Lorca, empresária

Aos membros da comunidade, a empresária pede cuidado e empatia pelo próximo, porque isso diz mais sobre si do que sobre o outro. “É preciso cuidar do próximo, amar Deus e se proteger, especialmente durante uma pandemia”, concluiu.

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