05/07/2024

Trio é condenado por dano moral a coletivo ao "exorcizar" terreiro de Candomblé

Por Eduardo Velozo Fuccia/Vade News em 05/07/2024 às 06:00

Márcio Vasconcelos
Márcio Vasconcelos

A tentativa de impor a própria fé a terceiros, mediante um discurso de pretensa superioridade que desqualifica a crença alheia, caracteriza intolerância religiosa e gera o dever de indenizar. Com esse entendimento, o juiz Douglas de Melo Martins, da Vara de Interesses Difusos e Coletivos de São Luís, condenou dois homens e uma mulher a pagarem indenização de R$ 5 mil por danos morais coletivos. Eles fizeram manifestação em frente a um terreiro de candomblé na capital maranhense para “exorcizá-lo”.

“A força das manifestações emanadas pelos réus não aparenta mero proselitismo, pois as frases de ordem tentam comunicar uma hierarquia entre as crenças, a partir de uma suposta supremacia religiosa por parte dos réus”, observou Martins. Ele julgou procedente a ação civil pública movida pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE-MA). Para o juiz, houve “situação grave de intranquilidade social, gerando danos relevantes na esfera moral da coletividade, muito além do limite da tolerabilidade”.

De acordo com a inicial, sob liderança dos réus, um grupo de integrantes das igrejas Pentecostal Jeová Nissi e Ministério de Gideões realizou manifestação em frente à Casa Fanti-Ashanti por ocasião de uma festividade em homenagem ao orixá Ogum. Com direito a carro de som, faixas e distribuição de panfletos, os acusados anunciaram a intenção de “expulsar os demônios”. Imagens mostram que eles estenderam as mãos segurando Bíblias para “exorcizar” o terreiro de matriz africana e os seus adeptos.

“Houve, de fato, uma conduta intolerante, sob a forma de violência verbal e simbólica, contra as convicções religiosas da Casa Fanti-Ashanti”, concluiu o julgador. Ele fundamentou a sentença no artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, que assegura a igualdade de todos perante a lei e proclama como “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”.

A decisão também cita outros dispositivos constitucionais, tais como o artigo 3º, inciso IV, conforme o qual é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Já artigo 5º, inciso XLI, determina que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. Por fim, o artigo 19, inciso I, consagrou a laicidade estatal.

Conforme o magistrado, a Carta Magna conferiu ao Estado a sua condição de laico, de forma a não direcionar a verdade para apenas uma religião, mas sim buscando garantir a existência do pluralismo religioso”. Martins acrescentou que, apesar de o Brasil ser um país predominantemente cristão, ele é caracterizado por uma forte presença do sincretismo religioso: “As religiões afro-brasileiras estão incorporadas à identidade cultural do País”.

Se pode mais, pode menos

Como forma de reforçar ainda mais a procedência da ação civil pública, o juiz lembrou que o artigo 208 do Código Penal tipifica as condutas de “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa, impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. O artigo 20 da Lei 7.716/1989, por sua vez, considera crime de racismo o ato de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de religião”.

“Se a esfera penal, que é baseada no princípio da intervenção mínima, tipifica tais condutas, no âmbito cível elas jamais poderiam passar despercebidas”, finalizou Martins. A sua única objeção recaiu sobre valor da indenização. A DPE-MA pediu R$ 20 mil, mas o juiz ponderou que a condição econômica dos réus recomenda moderação. Para ele, a quantia de R$ 5 mil é adequada para atingir o propósito educativo da condenação, sem se revelar desproporcional e excessivamente onerosa aos requeridos.

A indenização será revertida ao Fundo Estadual de Direitos Difusos. Os réus também arcarão com as custas processuais e os honorários advocatícios, que foram fixados em 10% sobre o valor da condenação e se destinarão em favor do Fundo de Aparelhamento da DPE-MA. A decisão ratificou a tutela de urgência que determinou aos demandados, sob pena de multa, se absterem de promover quaisquer manifestações que ameacem, ofendam ou agridam as religiões de matriz africana e os seus praticantes.

Por Eduardo Velozo Fuccia / Vade News

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