14/06/2018

Três meses depois, família da vereadora Marielle se manifesta: "Vamos continuar na luta"

Por Agência Brasil em 14/06/2018 às 08:37

POLÍCIA – Os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, em 14 de março, completam hoje (14) três meses, e nenhum suspeito foi preso ou teve o nome oficialmente divulgado pela Polícia Civil, que investiga o caso em sigilo. Nesse período, Antônio Francisco Silva, pai da vereadora, conta que informações sobre o crime chegam a ele apenas pela imprensa, e que o silêncio das autoridades angustia.

“A gente quer o sigilo, mas a gente exige que a resposta nos seja dada”, disse o pai de Marielle. “Se os órgãos não derem respostas à sociedade, vão dar carta branca para as pessoas que fizeram e para as que mandaram fazer”.

Nesses três meses, pai, mãe, irmã e viúva da vereadora estão constantemente em protestos e eventos públicos manifestando sua revolta e tristeza com o crime. O objetivo é impedir que a cobrança sobre as investigações diminua. “É necessário participar desses atos, porque, em 90 dias, não temos ainda nenhuma resposta da elucidação desses casos. Ela foi calada e não sabemos por quem, quem mandou e por que fizeram isso”, disse Antônio Silva.

O crime levou milhares de pessoas às ruas e gerou reação internacional, com manifestações como a do Escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, do Parlamento Europeu e até do papa Francisco. Para a Anistia Internacional, que acompanha o caso de perto, a imagem do Brasil também está em jogo. Assessora de direitos humanos da entidade, Renata Neder afirma que a comunidade internacional acompanha o caso com preocupação.

“Não apenas porque a Marielle era uma defensora de direitos humanos que trabalhava há anos, mas também porque ela foi a quinta vereadora mais votada nasegundamaior cidade do país. Isso significa um nível de ruptura da institucionalidade e do Estado de Direito que é muito preocupante para outros países”.

Ontem (13), a Anistia Internacional cobrou uma atuação mais ativa do Ministério Público do Estado do Riode Janeirono caso, inclusive com o destacamento de uma força-tarefa especializada. O procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, recebeu representantes da organizaçãoe a família de Marielle e se comprometeu a dedicar todos os esforços ao caso. “Sabemos que, sem dúvida alguma, foi um crime politico”.

A viúva de Marielle, Mônica Benício, disse confiar no trabalho da polícia e afirmou também que o sigilo é extremamente importante para a solução do caso.

“Eu não quero qualquer resposta. Não quero um bode expiatório, não quero uma pessoa qualquer para ser responsabilizada. Eu quero que seja revelado quem matou, quem mandou matar e quais foram as motivações do crime. Essa satisfação o Estado Brasileiro deve ao mundo”.

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“A gente vai seguir na luta”, diz viúva de Marielle Franco

Após 14 anos de relacionamento com a primeira namorada, Mônica Benício entrou pela primeira vez de luto no Mês do Orgulho LGBT, que é comemorado em junho. Mas a tristeza pelo assassinato de Marielle Franco tomou forma de luta quando a viúva abriu a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo com um discurso de resistência e aproveitou o Dia dos Namorados para defender que demonstrar afeto em público é reafirmar a legitimidade do amor LGBT. Lésbica, nascida na Maré e militante dos direitos humanos, Mônica chega aos 90 dias da execução da companheira com a certeza de que é preciso seguir na busca por direitos.

“Acho legítimo que as pessoas sintam medo, mas a minha mensagem é de esperança, para dizer que o medo é legítimo, mas temos que seguir com medo mesmo, senão eles vão continuar nos matando e nos colocando nesse lugar subalterno e às margens das decisões sociais. Isso a gente não pode mais admitir”, disse Mônica

A luta de Mônica tem pela frente um cenário difícil. A arquiteta avalia que o país vive um momento em que o conservadorismo “avança a passos largos” e a sociedade “flerta com o fascismo”. “É um momento de muito retrocesso e de um Estado muito reacionário, mas eu não tenho mais motivo paratermedo de nada. Me coloco na luta de um outro lugar, porque não tenho mais nada a perder”.

O apoio das pessoas e principalmente de outras mulheres LGBT tem ajudado Mônica a reagir à perda da companheira. Ela conta que outros casais a procuram para narrar suas histórias e dizer que se identificam com suas palavras. Participar da Parada LGBT de São Paulo e receber o carinho dos manifestantes, relata ela, foi um momento de forte emoção.

“Isso tem me ajudado a ficar de pé nesse momento. Ainda acho que as pessoas boas e dispostas a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária são, sim, a maioria”.

Como muitos casais LGBT, Mônica e Marielle enfrentaram resistência dentro e fora de casa e demonstrar afeto lésbico publicamente no Complexo da Maré era uma grande dificuldade, lembra Mônica. Agressões verbais eram frequentes.

“Quando você não é o estereótipo do que eles entendem como a figura da ‘sapatão caminhoneira’, para ficar claro, você sofre uma certa repressão e até ameaça de estupro corretivo, porque se entende que se a gente parece mulher, entre aspas, a gente só está com outra mulher porque não encontrou o homem correto. Pensamento que é fruto dessa sociedade machista que a gente vive”.

O apoio do pai de Marielle, porém, era constante. Aposentado, Antônio Francisco Silva frequentava a casa de Marielle e Mônica e defende que o amor delas duas têm a mesma legitimidade que o de qualquer casal.

“Se a minha filha lutava por essas causas, não seria eu, o pai dela, que seria contrário a essa relação. Tanto a dela com a Mônica quanto a de outros casais no Brasil. O que é feito com amor não podeterobstáculo”.

Se os LGBTs enfrentam discriminação fora de casa, Antônio acredita que o lar deve ser o local em que eles são acolhidos e se fortalecem, e pede aos pais de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais que apoiem seus filhos. “Se você não tiver apoio dentro de casa fica muito difícil. Com esse apoio, a nível de sociedade vai ser mais fácil encarar, participar e agir dessa maneira”.

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Viúva de Anderson Gomes ainda não conseguiu voltar para casa
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de Anderson Gomes, há três meses, deixou Ágatha Reis, de 28 anos, viúva e com um filho de um ano e quatro meses. Casada com o motorista que levava Marielle para casa naquele dia, ela conta que tentou mudar sua rotina para atravessar o luto e ainda não conseguiu voltar para casa.

“A vida nunca vai ser a mesma coisa. Eu mudei o local de trabalho para as coisas ficarem um pouco mais tranquilas e mudar um pouco a rotina. Ainda não consegui voltar para casa, mas pretendo”.

Ágatha mora com a mãe, que a ajuda a se organizar para cuidar do filho. No mês seguinte ao crime, ela já estava de volta ao trabalho, como servidora estadual.

Sem informações sobre as investigações, que seguem sob sigilo, Ágatha conta que, às vezes, se angustia e tenta acompanhar o caso pela imprensa.

“Eu fico com aquela sensação de que não teve muita coisa feita, mas sei também que é a expectativa de alguém que tem aquele sentimento pela pessoa que faleceu. Eu não tô na investigação, eu não sei o quanto caminhou”.

Ela acredita que a falta de uma resposta deve ser mais leve para ela do que para a família de Marielle, porque a vereadora era o alvo do assassinato.

“Sei que o alvo não era o Anderson, sei que o crime não era dirigido a ele. Acredito que para a família da Marielle fica uma carga um pouco mais pesada, porque eles precisam saber de um motivo. E o motivo do [assassinato do] Anderson eu já sei: ele estava com ela”, disse.

O crime levou milhares de pessoas às ruas e gerou reação internacional, com manifestações como a do Escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, do Parlamento Europeu e até do papa Francisco, que cobram uma solução. Para a Anistia Internacional, que acompanha o caso de perto, a imagem do Brasil também está em jogo. Já ointerventor federal na Segurança Pública do Riode Janeiro, general Walter Braga Netto, criticaos vazamentos de informação sobre as investigações. Segundo ele, houve prejuízo à apuração.

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