30/12/2024

Trajetória da dívida pública e desaceleração do PIB desafiam Haddad até 2026

Por Folha Press em 30/12/2024 às 08:28

Divulgação
Divulgação

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) chega à metade do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diante de um duplo desafio: lidar com a deterioração da trajetória da dívida pública e administrar os temores crescentes no PT com os efeitos da desaceleração econômica nas eleições de 2026.

A natureza dos problemas expõe um dilema já presente no governo e que deve confrontar Haddad com maior intensidade nos próximos dois anos. Aprofundar o ajuste fiscal tende a esbarrar na restrição política, enquanto adotar medidas de impulso à atividade poderia agravar ainda mais a situação das contas do país.

O duelo interno entre as duas posições já resulta em um “posicionamento errático” do governo que precisa ser corrigido, segundo um ministro ouvido pela reportagem sob condição de anonimato.

A aprovação de uma versão desidratada do pacote de contenção de gastos, considerado tímido já na sua origem, é a expressão mais recente desse embate.

Antes mesmo de chegarem ao Congresso, as medidas de Haddad, idealizadas para conter o crescimento dos gastos e garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal, foram moderadas pelo filtro político de outros ministros e acopladas a mudanças no Imposto de Renda que têm forte apelo popular, mas foram mal recebidas pelo mercado financeiro.

Além do temor de que a perda de arrecadação com a isenção de IR até R$ 5.000 não seja plenamente compensada pelo imposto mínimo sobre milionários, a mudança na estrutura tributária vai ampliar a renda disponível de um grupo com maior propensão a consumir. Isso representa um estímulo adicional à economia, mas pode pressionar a inflação e exigir juros maiores para evitar o descontrole de preços.

Embora o projeto do IR ainda não tenha sido formalizado, o anúncio conjunto da medida com o pacote que deveria conter gastos foi visto como uma derrota política do ministro da Fazenda, que resistia à junção das iniciativas.

Aliados de Haddad avaliam que o próprio presidente Lula contribui para o posicionamento errático quando afirma que o maior problema atual é a taxa de juros, sem demonstrar convicção na agenda da Fazenda nem reconhecer os desafios fiscais que o governo precisa enfrentar.

Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou até a publicação deste texto.

Segundo projeções do Tesouro Nacional, a dívida bruta do Brasil pode atingir um pico de 83,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2028, caso o governo não consiga aprovar medidas adicionais de arrecadação.

Os números ainda podem estar subestimados, já que consideram parâmetros otimistas para a taxa básica de juros, a Selic, que remunera praticamente metade dos títulos públicos emitidos pelo Brasil. Pelos parâmetros do mercado, a dívida bruta chega a 89,8% do PIB em 2028, sem indicativo de estabilização.

A alta de juros é um dos fatores que impulsionam o endividamento do país, mas o próprio BC alertou, em sua última decisão, que a percepção desfavorável dos agentes sobre o pacote fiscal afetou “de forma relevante” os preços de ativos, especialmente a taxa de câmbio, e as expectativas de inflação. Por esse raciocínio, um alívio nos juros dependeria de um compromisso claro com o ajuste nas contas.

Haddad já sinalizou que pode apresentar novas medidas de ajuste em 2025. Embora essa visão tenha respaldo em parte do governo, há ceticismo no mercado quanto à real disposição de Lula em bancar uma nova rodada de medidas impopulares num período ainda mais próximo das eleições.

“[2025] Vai ser um ano muito complexo, porque nós vamos precisar voltar para a agenda fiscal em algum momento. Mas acho muito pouco provável que haja qualquer ação adicional no começo do ano”, diz o economista Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional.

Segundo ele, o crescimento ainda forte do PIB no primeiro semestre deve adiar esse tipo de decisão. “Acho que a situação vai ter que piorar bastante até que haja alguma condição de se atuar adicionalmente.”

Kawall avalia que o país já entrou em uma situação de crise fiscal, diante das dificuldades enfrentadas pelo Tesouro na rolagem da dívida pública. “A gente já está enfrentando o fracasso da política fiscal, do arcabouço. O que a gente vai ver a partir daqui é como o governo encara a realidade. A primeira tentativa de remendar, de fazer um puxadinho, não deu certo”, afirma.

“O problema é estrutural. Não é o Orçamento do ano que vem. É a trajetória da dívida pública ao longo dos próximos anos. A trajetória não é sustentável, o arcabouço não deu conta do problema. O governo não quer mexer, e aí os preços são outros”, diz.

Entre governistas, é consenso que errar na economia seria ruim para Lula na corrida eleitoral de 2026. O problema é que há diferentes visões no governo e no PT sobre o que seria este “errar na economia”.

Para aliados de Haddad, é fundamental fortalecer a agenda fiscal, enquanto a alta da Selic vai “diminuir um pouco a velocidade” do crescimento e evitar que a corrida muito rápida acarrete uma “queda do cavalo”. Outra ala vê na política de juros do Banco Central o principal fator de risco para o crescimento nos próximos dois anos.

“O problema em 2025 e 2026 é não deixar a economia desacelerar muito, principalmente por causa da política monetária”, afirma o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), futuro líder da bancada na Câmara dos Deputados. “Isso vai ser fundamental para que nosso projeto seja vitorioso.”

Para ele, o BC sob o comando de Gabriel Galípolo, indicado de Lula para presidir a instituição a partir de 2025, terá um “papel decisivo”. “Acho que pode existir uma situação em que o Galípolo consiga partir de um debate com o mercado e convencer que [elevar a Selic até 14,25% ao ano, como sinalizado na última reunião] seria um aperto gigantesco que poderia comprometer a economia”, afirma.

Crítico contumaz das medidas de maior aperto fiscal, Lindbergh diz que a mudança na política de valorização do salário mínimo foi uma medida estrutural importante, mas vê “má vontade” do mercado com o atual governo.

O petista afirma ainda que os limites para garantir o crescimento da economia são justamente as regras fiscais. Segundo ele, não há risco de Lula repetir expedientes adotados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que obteve aval do Congresso Nacional em 2022 para turbinar gastos sociais fora das regras na tentativa de se reeleger.

loading...

Este site usa cookies para personalizar conteúdo e analisar o tráfego do site. Conheça a nossa Política de Cookies.