31/03/2020

"Todo cuidado é pouco. Não sou alarmista. Sou realista", Ricardo Hayden, infectologista

Por Ted Sartori/#Santaportal em 31/03/2020 às 09:27

CORONAVÍRUS – O médico infectologista Ricardo Hayden participou do Bom Dia Cidades, da Santa Cecília TV, e também conversou com o #Santaportal sobre as medidas contra a propagação do coronavírus, o timing do Brasil nesse processo e as curas da doença.

Quanto tem sido importante o isolamento das pessoas para que a transmissão do coronavírus não se propague?
Essas medidas de isolamento são imprescindíveis, a despeito do grande desconforto. A maioria de nós está com os consultórios fechados e tudo mais em função dessa peculiaridade da transmissão da virose. O Brasil saiu em tempo. Ou conseguiu se antecipar ao problema. Poderia até ter se antecipado mais, porém se antecipou. Isso tudo se reflete em um crescimento mais lento da curva. Agora, a gente também não pode ser tão 100% assertivo na medida em que a gente tem favelamentos, aglomerações urbanas que podem às vezes fazer com que isso dispare. Porém, a gente observa aqui na Baixada Santista um crescimento um pouco mais lento do que a curva, comparada, por exemplo, com a cidade de São Paulo, com a cidade do Rio de Janeiro ou com outros países, onde a coisa está pegando de forma mais feia. A gente percebe, sim, essa importância das medidas antecipadas. E tem que ser firme. Autoridade precisa ser firme e manter as pessoas motivadas a continuar, mesmo com todo esse desconforto, a fazer o seu isolamento social, que eu chamo mais de isolamento cidadão.

Por que o termo?
Esse termo isolamento cidadão é o seguinte: eu sou responsável por mim mesmo, mas sou responsável pela minha família, por você e por todos. Todos nós temos que nos responsabilizar uns pelos outros. É um efeito cidadão, uma atitude cidadã, onde cada um de nós se preocupa com o próximo e havendo uma corrente coletiva desse isolamento cidadão as coisas vão dar certo de forma melhor.

A que se deve essa diferença na evolução dos casos em São Paulo e em Santos, cidades que são próximas geograficamente?
É a concentração imensa de pessoas em uma grande cidade como São Paulo, com transportes coletivos como o metrô e aqueles outros trens de superfície, além dos aeroportos, em especial. E algumas atitudes que, na minha ótica, não deveriam ter sido permitidas. Por exemplo, o Carnaval. Já fui carnavalesco outrora e hoje não ligo a mínima. Mas acho um absurdo você compulsoriamente autorizar que se aglomerem pessoas sob o pretexto do Carnaval. Para mim isso soa perto do absurdo. Doa a quem doer, goste ou não goste, é uma opinião técnica. Como eu disse e repito: já fui carnavalesco. Só que em um momento como esse a gente não pode se permitir a esse tipo de coisa. Quer ver outra estupidez consentida? Essa questão de navio de cruzeiro.

Por quê?
Navio de cruzeiro não tem que vir para o Brasil. Sei que há tratados comerciais e etc. Mas, se vier, fica de quarentena como estão fazendo com esse navio que está aqui em Santos. É um absurdo esse tipo de coisa. Respondi a umas 30 perguntas de pacientes meus, clientes meus, querendo saber se poderia ir para navio de cruzeiro. E a resposta foi não, não e não. As pessoas querem que o médico de confiança deles meio que os abençõe. Sempre faço uma alusão respeitosa de que se eu fosse um padre com a caldeirinha de água benta eu não te abençoaria nunca por uma atitude dessa. Isso contraria qualquer lógica com respeito à transmissão de vírus desse tipo no meio de uma pandemia que estamos vivendo. Então todo cuidado é pouco. Não sou alarmista. Sou realista. Com os dois pés no chão. Convivo com infectologista de grande peso técnico, doutor Caseiro, doutor Evaldo Stanislau, doutora Giovana e uma série de outros colegas aqui da Baixada e o grupo do Emílio Ribas II. Todos nós pensamos da mesma forma. Todo exagero, toda estupidez é mal-vinda nessa hora. E se enfiar dentro de um navio de cruzeiro é uma dessas coisas. Sinto muito. Pode não gostar da minha opinião, mas não abro mão dessa opinião técnica. E não é só minha. É de um coletivo de médicos infectologistas que têm bom senso. Então vamos tomar as medida corretas, vamos ficar em casa com todo o desconforto que isso gera, porque essa é a chance da gente desacelerar esse tipo de epidemia. Infelizmente.

Até porque quarentena não é o mesmo que férias…
Verdade. Quarentena é uma coisa usada desde a pandemia da Gripe Espanhola, em 1918. Então temos que ressuscitá-la.

O senhor havia falado do Carnaval. Subestimou-se esse período das festas populares? Os paises poderiam ter agido antes?
Com certeza. A gente percebe, não vou fazer uma análise aprofundada, que houve retardo na adoção de medidas em outros países. Claramente houve esse tipo de retardo e as pessoas pagam com a vida. Todo lugar aonde não se tomaram os cuidados antecipados e essa quarentena foi tardia está pagando uma conta maior. Outra coisa que parece que influencia é a questão do clima.

Como assim?
O Covid não gosta da temperatura quente. Nunca o calor e um verão mais extenso foram tão bem-vindos quanto nesse ano. Mesmo para quem não gosta do verão e dessa umidade relativa do ar que a gente tem em Santos, abençoado verão prolongado. Se Deus quiser, ele vai continuar assim por um bom tempo. Espero que o frio, nesse ano, fique longe. Que a gente tenha um outono e um inverno quentes, se Deus quiser. Vai nos ajudar sobremaneira. Então são várias questões.

E os curados de coronavírus? Como o senhor tem avaliado?
Isso é comum em todas as viroses. Uma parte se recupera espontaneamente. Tem gente que tem a virose e nem sabe que teve e se cura espontaneamente. Só que esses, às vezes, estão eliminando o vírus. Por isso o isolamento é importante. Estamos olhando atentamente e fazendo protocolos clínicos com outros hospitais do Brasil, em conjunto com a Sociedade Brasileira de Infectologia, a qual eu pertenço, para tratamento com a hidroxicloroquina e com a azitromicina para casos mais graves. Agora repito: tem muita gente usando preventivamente hidroxicloroquina, o que é um absurdo. Não tem qualquer menção ainda técnica de trabalho, de alguma coisa que justifique essa medida. Pode ser até que, no futuro, essa expectativa seja positiva, que a gente possa vir a fazer uso. Mas, hoje em dia, é altamente desaconselhável e só deve ser dado sob receita médica em situações específicas.

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