Santos, um berço de grandes craques

Por Ted Sartori/#Santaportal em 10/04/2020 às 11:34

ANIVERSÁRIO – O #Santaportal traz hoje a terceira reportagem da série sobre o Santos. A sequência de matérias se encerrará na terça-feira, 14 de abril, justamente quando o clube completará 108 anos de uma história gloriosa com muita luta, títulos, gols, craques e glórias.

O Peixe pode se considerar privilegiado. É impossível não ligar o time a grandes jogadores em boa parte de sua trajetória. Por essa razão, vamos contar as histórias de alguns deles. Doze, para sermos mais exatos. Não é uma lista. Nem há ordem de importância. Trata-se apenas de um panorama ao longo das décadas para simbolizar tantos nomes de uma vila com tantos moradores ilustres.

O Rei
Nada mais justo que começar por alguém que representa universalidade, na acepção da palavra, e que está além do tempo cronológico propriamente dito: Pelé. Pode-se até tentar explicar certas coisas na vida, mas fazer isso com ele é tarefa impossível.

O Rei do Futebol chegou ao Santos em 1956, um momento absolutamente propício. O time tinha sido campeão paulista e se livrado de 20 anos de jejum. Além disso, a equipe se encontrava em processo de renovação, sem esquecer-se da mescla com atletas experientes.

?Lógico que teve a boa relação entre o Waldemar de Brito, que me descobriu, e o então presidente Athié Jorge Coury, mas acabou sendo mesmo a mão de Deus que indicou o Santos. Senão eu teria ido para o Bangu, que chegou a levar alguns jogadores do Baquinho (Bauru Atlético Clube, onde o futuro Rei atuava)?, observou o próprio Pelé.

O futuro ficava aos olhos de Pelé a cada acontecimento. E dava pistas. Não à toa seu primeiro gol aconteceu diante do Corinthians, que se transformou em sua maior vítima. Não era o da Capital e, sim, o de Santo André, já extinto, em goleada por 7 a 1 para comemorar o Dia da Independência na cidade do ABC. O Rei, no entanto, garante que não tinha nada de especial enfrentar a equipe do Parque São Jorge. ?Não importava quem fosse. O que eu queria era fazer gol e ganhar?, afirmou.

No caso do Timão, apenas foi algo que aconteceu naturalmente, reforçado pelo tabu de 11 anos no Paulistão favorável ao Santos em Paulistas (1957 a 1968). ?O Tiãozinho jogava com a 10 no Baquinho e chegou a treinar no Corinthians, mas não ficou. No entanto, diziam que era eu em função do número da camisa e, por ter sido dispensado, achavam que eu tinha raiva do Corinthians. Jogava com a 8 nessa época?, justificou Pelé.

Sobrou até para as brincadeiras infantis. ?O meu time de botão era o Corinthians porque foi o que sobrou. Minha tia Maria, que era enfermeira em São Paulo, certa vez trouxe dois jogos de botão e o Zoca, meu irmão, ficou com o Palmeiras, por gostar do time. E eu não conseguia ganhar dele. Ficava louco com isso. Então criou-se esse mito que eu tinha raiva do Corinthians e me matava para enfrentar e ganhar deles. Não tem nada a ver?, lembrou.

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Divulgação/Santos FC

A projeção do Peixe ? e de Pelé, já sem o apelido Gasolina, de seus primeiros meses na Vila Belmiro – fora do Estado de São Paulo, no entanto, aconteceu graças à camisa do Vasco, entre os meses de junho e julho. Foi o período da Copa Morumbi (ou Copa São Paulo), realizada, ironicamente, no Rio de Janeiro, e que não terminou pela falta de interesse do público carioca. E acabou desfazendo uma confusão típica daqueles tempos de descoberta do futuro Rei, que deixou seis gols.

?Quando teve o combinado Santos-Vasco, que foi jogar um torneio no Rio de Janeiro, pouca gente fora do Estado conhecia o Santos. E o fato de eu ter ido, assim como outros jogadores, fizeram com que todos começassem a perguntar: ?Quem é esse Pelezinho??. E muita gente confundia Pelé com Telê. Eu ainda brincava: ?O Telê é o loirinho, o Pelé é o crioulo??. Aí todo mundo ficou sabendo que existia o Pelé e o Silvio Pirillo, então técnico da Seleção, me convocou, ainda naquele ano, para a disputa da Copa Roca diante da Argentina. Foi algo que pouca gente notou a importância. Tudo isso em poucos meses?, detalhou Pelé.

Da primeira bola na rede à milésima de Pelé passaram-se 13 anos, 2 meses, 12 dias e títulos incontáveis mundo afora ? no total, foram 1.091 bolas na rede pelo Peixe dos seus quase 1.300 na carreira. No jogo histórico diante do Vasco, no Maracanã, o Rei viu-se mais ansioso que em qualquer momento de sua carreira. Até porque ficou no quase por várias semanas, com direito ao zagueiro do Bahia salvar em cima da linha no jogo anterior. E, na hora da cobrança do pênalti histórico, ele olhou para trás e não viu nenhum companheiro por perto. Estavam todos perfilados sobre a linha que divide o campo, idéia combinada antes sem que Pelé soubesse. E o Rei preocupado, porque que não haveria ninguém para pegar um possível rebote. Lógico que não precisou.

Até as despedidas foram mais tranquilas, tanto da Seleção, em 1971, contra Áustria e Iugoslávia, no Morumbi e no Maracanã, respectivamente, quanto do Santos, três anos depois, diante da Ponte Preta, na Vila Belmiro.

?Eu já estava me preparando faz tempo, dentro daquela linha de pensamento do meu pai, de que era melhor parar no máximo da minha carreira. Mas, mesmo assim, eu sofri nos primeiros meses e ia no Santos várias vezes. Ainda bem que fui para o Cosmos, dentro do projeto de popularização do futebol nos Estados Unidos, e continuei mais um pouco. Assim deu para ir quebrando a ansiedade?, revelou.

A sorte, no entanto, poderia sido madrasta para Pelé se o roupeiro Olívio Soares, o Sabuzinho, não o tivesse encontrado saindo sorrateiramente da Vila Belmiro de manhã cedo. O destino era Bauru. E seria para sempre. O garoto estava envergonhado pelo pênalti perdido na final do campeonato juvenil contra o Jabaquara.

?Já tinha feito treinos com os profissionais, mas me botaram para reforçar o time de base. Como aconteceu isso comigo e eu tinha sido considerado reforço, fiquei muito chateado e queria ir embora. Foi quando o Sabuzinho me perguntou onde eu ia e respondi que iria para Bauru ver minha família. Ele ainda me perguntou sobre a autorização. Eu disse que tinha, mas era mentira. Mesmo assim, não me deixou sair. Foi a minha sorte?, lembrou. E do Santos, do futebol brasileiro e mundial.

Arnaldo Silveira, um gigante miúdo
O apelido dele era Miúdo, mas ele foi muito maior na década inicial de vida do Santos. Basta dizer que Arnaldo Silveira está entre os 39 fundadores do Santos – embora não tenha participado da histórica reunião – e foi um dos primeiros jogadores do Peixe a serem convocados para a seleção brasileira, ao lado de Adolfo Millon Júnior – outro na lista dos fundadores. Era sobrinho do primeiro presidente do Santos, Sizino Patusca, e primo dos irmãos Ari, Arerê e Araken Patusca.

Com a camisa alvinegra, Arnaldo Silveira deixou 64 gols e, dentre eles, o primeiro do Santos em um jogo oficial, no triunfo por 3 a 2 sobre o Santos Athletic Club (Clube dos Ingleses), em 15 de setembro de 1912, no campo da Avenida Ana Costa. O jogador, porém, não teve a mesma felicidade neste aspecto com a camisa ainda branca da equipe nacional.

Em 16 partidas (as primeiras da história), deixou apenas uma bola na rede, na vitória por 2 a 1 sobre o Barracas, da Argentina, em 13 de maio de 1917. Se no Peixe foi campeão santista em 1913 e 1915, Arnaldo Silveira comemorou também pela Seleção. Foram a Taça Roca, em 1914, disputada em confrontos diante da Argentina, e o troféu do Campeonato Sul-Americano de 1919, em 29 de maio daquele ano, ambos como capitão.

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Divulgação/Santos FC

Na decisão, o Brasil bateu o Uruguai por 1 a 0, nas Laranjeiras, com um gol de Artur Friedenreich na prorrogação. O feito, inclusive, valeu o chorinho “1 a 0”, composto por Pixinguinha. E, ironicamente, foi o último jogo dele pela Seleção, o que seria um bom motivo para se derramar lágrimas, ainda mais naqueles tempos pioneiros e de muito mais amor à camisa.

Ficou mais presente, porém, o amor pelo Santos de Arnaldo Silveira, aluno do Colégio Barnabé (e que existe até hoje no Centro, próximo à subida do Monte Serrat) e que chegou a atuar no Americano, time fundado pelo tio Sizino. Como se percebe, Miúdo era um apelido, embora carinhoso, que acabava sendo injusto para qualificá-lo. Ainda mais que, em 1963, o próprio Friedenreich, o elegeu como o maior ponta-esquerda que viu atuar. Um elogio bastante grande e à altura de um herói de tempos pioneiros. Arnaldo Silveira morreu em 24 de junho de 1980, aos 85 anos.

Feitiço da Vila
Se todos os brasileiros que desandam a fazer gols nos dias de hoje são chamados de artilheiros, devem isso a Luis Matoso, o Feitiço. Artilheiro era o apelido do atacante uruguaio Petrone, honrado à risca por Feitiço. Ele foi goleador por seis vezes do Campeonato Paulista, sendo três pelo São Bento (1923, 1924 e 1925 ? no último ano foi campeão estadual) e outras três pelo Santos (1929, 1930 e 1931 ? nestas duas ocasiões, inclusive, chegou perto das 40 bolas na rede).

Dois episódios, no entanto, resumem bem o período de Feitiço no Peixe e deixam qualquer atacante rebelde no chinelo. Em sua estreia na Vila Belmiro, em amistoso contra o Guarani, no dia 10 de abril de 1927, o time vencia por 5 a 1 no primeiro tempo e tomou uma das maiores viradas da histórias do futebol. Mesmo com 10 jogadores, os campineiros ganharam por 6 a 5.

As duas equipes voltaram a se encontrar na Vila, desta vez pelo Campeonato Paulista, pouco mais de quatro meses depois, em 21 de agosto. O troco santista estava bem próximo, pois a etapa inicial tinha terminado 5 a 0. Já no segundo tempo, Feitiço driblou três ? dentre eles o goleiro ? e ficou com a meta escancarada. O atacante parou a bola sobre a linha e colocou os pés sobre ela. Levantou a mão esquerda mostrando os cinco dedos e na direita, ergue o indicador, para delírio do estádio. Foi só dar um biquinho na bola e fazer o sexto gol. Não era possível outra virada igual. A partida terminou 10 a 1 para o Peixe.

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Divulgação/Santos FC

A outra história aconteceu pela Seleção Paulista, em 13 de novembro, na final do Brasileiro de seleções contra o Rio de Janeiro, em São Januário. O jogo estava 1 a 1, quando o árbitro marcou um pênalti contra os paulistas. A revolta tomou conta porque eles alegavam que não tinham sido assinaladas duas infrações dentro da área. Os cariocas punham a bola na marca e os paulistas mandavam longe.

Depois de 15 minutos, apareceu um emissário do presidente Washington Luis, que assistia à partida, para dar uma ordem. ?O senhor presidente da República mandou dizer aos paulistas que deixem bater o pênalti para que a partida possa continuar?. E Feitiço bradou, em meio ao clima quente: ?Pois diga ao presidente da República que ele manda no Palácio do Catete, mas na Seleção Paulista mandamos nós?.

O presidente foi embora do estádio e os paulistas abandonaram o campo, restando a Fortes cobrar o pênalti com o gol vazio. O presidente do Santos, Guilherme Gonçalves, era o representante da Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA) na partida e expulsou Feitiço e o goleiro Tuffy do clube pela atitude. Foram 318 votos a 44. A punição foi reduzida até a liberação. Toques mágicos de uma rebeldia que, passados mais de 80 anos do fato, ainda surpreendem como o poder de artilheiro de Feitiço, que morreu em 23 de agosto de 1985, aos 83 anos.

Araken, quase na primeira Copa
O meia-esquerda Araken Patusca poderia ter o primeiro jogador do Santos a defender a Seleção em uma Copa do Mundo. Ele esteve no Uruguai em 1930, mas não estava mais no Peixe ? foi inscrito pela antiga CBD, pois não tinha clube.

O motivo da saída é que o jogador mostrou solidariedade a outros dois atletas, Siriri e Bilu. Eles foram suspensos por seis meses pela diretoria por terem participado de um festival da Liga Santista de Futebol, atuando pelas firmas onde trabalhavam. Por sua vez, Araken ficou fora por 90 dias. No entanto, dois meses depois, a pena de todos foi anulada. Bilu até permaneceu na Vila Belmiro, mas Siriri e Araken Patusca foram embora.

O destino, porém, costuma pregar peças e, neste caso, não foi diferente. Araken retorna ao Santos justamente em 1935 para ser decisivo no primeiro título paulista do clube. O segundo gol contra o Corinthians, no Parque São Jorge, certamente foi o mais importante de sua carreira dentre os 177 que marcou pelo Alvinegro. Araken Patusca morreu em 24 de janeiro de 1990, aos 84 anos.

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Divulgação/Santos FC

Antoninho, um craque de tempos ainda mais românticos
O tradicional chapéu de aba virada de Antoninho Fernandes encontrado no quilômetro 80 da pista ascendente da Via Anchieta, na divisa com São Bernardo do Campo, era a lembrança material mais singela que poderia existir de um jogador pelo qual os torcedores sempre tiraram o chapéu. Foi o local do acidente de carro, um Volks TL, que o vitimou, aos 52 anos, por volta das 8 horas de 16 de dezembro de 1973, um domingo.

?Ele ia para um programa de TV com o Orlando Duarte (na TV Cultura). Havia estado na minha casa na véspera conversando com o meu pai, irmão dele. Teve caranguejada e jogaram futebol no Saldanha da Gama. Foi muito duro para a família, ainda mais a menos de 10 dias do Natal?, lembrou José Paulo Fernandes, ex-dirigente do Santos, sobrinho e afilhado de Antoninho, descoberto na várzea de Santos.

Foi justamente ele quem ensinou a José Paulo Fernandes a amar o Peixe, passando um pouco de sua paixão vivida entre 1941 e 1954, período em que realizou 400 partidas pelo clube e marcou 145 gols, e entre 1966 e 1970, quando foi treinador do time ? antes, havia sido auxiliar de Lula ? e comandou o final de uma geração, ainda vencedora, mas que se renovava.

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Divulgação/Santos FC

?Eu era o sobrinho mais novo e ele me levava para os treinos, onde participava de rodas de bobinho com os jogadores, das concentrações e até de viagens ao exterior, como em 1967?, recordou José Paulo. No momento de sua morte, tinha abandonado o futebol para se dedicar ao comércio.

A habilidade de Antoninho valeu o apelido de Arquiteto da Bola, mas o epíteto poderia ter sido outro: Apaixonado pelo Santos, como realmente se mostrou. A ponto de não conseguir negar o coração, mesmo quando fosse necessário. Em 1950, quase foi vendido para o Palmeiras. No entanto, esse amor o fez chorar em uma entrevista ao locutor Ernani Franco, na Rádio Atlântica, e não conseguiu dizer que a proposta seria ideal para o seu futuro e do clube, conforme havia se combinado.

?Ele deveria ter jogado na nossa época? é quase um mantra entre os jogadores do Peixe orientados por Antoninho Fernandes nos anos 60 e que foram campeões de todos os torneios possíveis, bem diferente dele, que atuou em uma época sem títulos do Santos. Não há dúvida que se trata de uma gostosa viagem para a imaginação. E, principalmente, de se tirar o chapéu para sempre.

Zito, o eterno capitão
A garra de Zito já virou verbete nos compêndios esportivos há muito tempo. Desde que veio do Taubaté para o Santos em 1952, junto com o meia-esquerda Hugo, foi assim. Quando virou capitão, então nem se fala. Acomodação nunca foi uma palavra no dicionário do volante. Cobrava a todos e Pelé também não passava ileso.

Basta dizer que, mesmo nas goleadas, exigia que o time não parasse de produzir. Era só imaginar que o jogo ainda estivesse 0 a 0, como ocorreu no famoso 7 a 6 sobre o Palmeiras, no Torneio Rio-São Paulo de 1958. Depois de incríveis viradas, Zito não sossegou enquanto o Peixe não venceu. Afinal, no intervalo, o volante queria que o time enfiasse 10 no Palmeiras ? o placar estava 5 a 2, mas houve a reação verde e, por fim, a derrota.

?Era assim mesmo. Ele dominava o ambiente dentro do campo de jogo. Todo mundo o respeitava. Uma pessoa sincera e batalhadora?, sintetizou o lateral-direito Dalmo.

Mesmo no final da carreira, Zito não esmoreceu. Em 1967, o volante havia contraído uma forte gripe, após excursão na África por Senegal, Gabão, Congo e Costa do Marfim, e não poderia enfrentar o TSV 1860 Munchen, da Alemanha, em 13 de junho daquele ano.

Os alemães terminaram a primeira etapa ganhando por 4 a 1 e Zito não agüentou. O volante foi até os vestiários e exigiu ao técnico Antoninho que retornasse na etapa final. Ele e os médicos tentaram argumentar que não era possível, mas ele jogou e veio o que parecia improvável: a virada por 5 a 4.

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Divulgação/Santos FC

?O Oldemário Touguinhó, jornalista, que estava ao meu lado, chorava. Eu estava transmitindo para a Deutsche Welle, rádio alemã em português, e não sabia se trabalhava ou aplaudia. O Santos ganhou graças ao Zito?, contou o jornalista Orlando Duarte.

Depois disso, Zito poderia se despedir tranquilamente, ainda em 1967, protagonizando um belo rito de passagem da camisa 5 a Clodoaldo. Antoninho iria escalá-lo, mas o volante sabia que o futuro da posição estava na revelação daquele ano. ?Ele disse que queria passar essa herança para mim. Foi algo que me emocionou. Até brinco que o Zito também me entregou os problemas que ele teve no joelho?, disse Clodoaldo.

Tempos depois, Zito virou dirigente e uma fonte de consulta inesgotável sobre jovens jogadores, como no caso de Robinho. Pelé já tinha dado o aval e o volante não sossegou enquanto o garoto não teve chance. Questão de temperamento de alguém que entrou para a história sendo o que é: autêntico. Zito morreu em 14 de junho de 2015, aos 82 anos.

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Divulgação/Santos FC

Pepe, o Canhão da Vila
Ele costuma dizer que é o maior artilheiro da história do Santos, com 405 gols, até porque Pelé, com 1091, veio de Saturno e não conta. Já deu para reconhecer de quem se trata, não é?

É José Macia. Ou Pepe. Ou Canhão da Vila. Ele completou 85 anos em 25 de fevereiro deste ano. E quantas festas ele ajudou a proporcionar junto com a equipe mágica do Santos nos anos 50 e 60 nos 750 jogos que disputou entre 1954 e 1969, quando se despediu na sua tão querida Vila Belmiro.

O bom humor é a marca de Pepe. Até hoje não há quem resista às histórias tão bem contadas e cheias de detalhes, que até viraram livro, além da biografia escrita por Gisa, sua filha (Clô, Alexandre e Rafael são os outros). E não podemos esquecer da esposa Lélia, com quem é casado há mais de cinco décadas.

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Divulgação/Santos FC

Nos seus caderninhos, surrados pelo tempo, mas ainda assim bem conservados, constam as lembranças de uma carreira de glórias: campeão paulista, brasileiro, da Libertadores e Mundial, só para resumir. E todos em mais de uma ocasião.

O chute forte, a velocidade e os cabelos se perderam com o tempo, mas a sua visão de jogo foi fundamental para a carreira de treinador. Foi campeão paulista pelo próprio Santos em 1973, ainda com o Rei em campo, brasileiro pelo São Paulo de 1986 (no dia de seu anviersário de 52 anos, já em 1987) e estadual pela Internacional de Limeira em 1986, na primeira façanha de um clube do Interior no Paulistão.

Não importa como ele seja chamado. Tanto José Macia, Pepe ou Canhão da Vila representam o eterno ponta-esquerda do Santos, um ídolo do clube que merece ser reverenciado para sempre.

Edu, mas pode chamar de habilidade
A precocidade está mesmo ao lado de Edu. Pelo visto não bastou ter ido para a Copa do Mundo da Inglaterra, em 1966, com apenas 16 anos. Poucos meses depois, ele ainda substituiu Pepe no ataque que se tornou célebre, na vitória por 3 a 0 sobre o Corinthians.

?É um jogo que não sai da minha memória e está guardado a sete chaves. Tive o prazer de jogar com Dorval, Mengálvio, Coutinho e Pelé. Era a volta do Coutinho, que marcou os três gols?, comentou. E ainda tem mais: perto dos 20 anos, Edu foi eleito o melhor ponta-esquerda do mundo nos anos de 1968 e 1969 pela conceituada revista France Football.

Boas recomendações Edu teve na vinda para a Vila Belmiro. E muitas. A família dele, que era de Jaú, tinha amizade com a de Pelé. ?Vim treinar nas férias de julho de 1964. Os testes foram a convite do Pelé, que conversou com uma de minhas irmãs e perguntou se mais alguém jogava futebol. E ela respondeu que eu, o caçula, jogava. Meus dois irmãos também eram do ramo. Fui bem nos testes e mandaram que eu voltasse em janeiro de 1965 porque tinha de retornar para o término do ano escolar?, contou Edu.

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Divulgação/Santos FC

Os que precisavam de férias eram os adversários, depois de enfrentarem Edu e seus dribles rápidos. Ninguém conseguia alcançá-lo. E as necessidades para formar o time fizeram até com que Edu vestisse a 9, como em 19 de novembro de 1969, quando Pelé marcou seu milésimo gol, contra o Vasco, no Maracanã.

?O Abel é que estava com a 11 naquele dia. Até brincava com ele: ?Bebel, durante as escalações aqui no Maracanã, não vão escutar o teu nome, porque a vibração do estádio era intensa na hora de anunciar o Pelé e encobre o que vem depois?. Mesmo assim, de um cruzamento de Edu da esquerda, surgiu o gol contra de Renê, que empatou a partida.

A responsabilidade também chegou para Edu em 1974, com a despedida de Pelé. Tempos difíceis de uma brava entressafra que começava no Peixe, com algumas estiagens posteriores. ?Quando o Pelé se virou para todos os lados da Vila Belmiro, foi o mesmo que dissesse que era hora de assumir a responsabilidade. O estádio começou a gritar: ?Edu é o novo rei?. Daquele time fantástico só tinha sobrado eu e o Clodoaldo. Cobravam muito da gente. No ano seguinte, ainda ganhamos o Torneio Laudo Natel e amenizou um pouco, mas era difícil. Como substituir o melhor do mundo de uma hora para outra? Não é assim. Sempre trabalhei a jogada para os outros concluírem. Até formávamos bons times, mas os resultados não vinham. Se me machucava, diziam que eu não queria jogar. Isso me magoou muito. É que não agüentava de dor no tornozelo. Operei depois e ele é uma bola até hoje?, desabafou Edu.

Chulapa, o artilheiro de uma grande decisão
O atacante Serginho Chulapa é paulistano da Casa Verde. Para quem não sabe, é difícil de acreditar que o artilheiro não tenha nascido na Cidade, tamanha é a sua ligação. Mais complicado ainda é imaginar que até 1983 ele nunca tinha ido à praia. E foi justamente por aqui que fez isso, no início daquele ano, quando foi contratado pelo Santos e começou uma relação de amor que rendeu 104 gols em três passagens pelo clube ? a maior marca, ao lado de João Paulo, dos jogadores pós-Pelé.

?Depois que assinei o contrato na Vila Belmiro, em uma tarde de quarta-feira, iria voltar para São Paulo, mas vi uma placa indicando o caminho das praias. Não me ligava nisso. Tinha vindo raras vezes jogar aqui pelo São Paulo contra o próprio Santos e a Portuguesa Santista, mas São Paulo era o meu reduto. Só que decidimos ver. Entramos de calça jeans na água e voltamos todos molhados. A princípio, iria subir e descer, mas logo comprei um apartamento e estou aqui até hoje?, revelou Chulapa.

A água santista definitivamente contagiou Serginho, como diz um antigo ditado da Cidade. A de artilheiro, no entanto, ele já havia bebido bastante, aproveitando-se de sua altura e de seu oportunismo. Não à toa ele é o maior goleador da história do São Paulo, com 242 bolas na rede, onde passou uma década. Mal chegou ao Peixe e foi vice-campeão brasileiro, sob o comando de Formiga, perdendo na decisão para o Flamengo, liderado por Zico.

?Só não ganhamos porque faltou fazer mais uns dois gols na primeira partida, no Morumbi (o Santos venceu por 2 a 1) e o (José de Assis) Aragão (árbitro) tirou o Márcio (Rossini) e o Dema por cartões amarelos. Se o time estivesse completo, pode ter certeza que iríamos bater de frente e seríamos campeões lá dentro?, analisou.

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Divulgação/Santos FC

A festa ficou para o ano seguinte, com o título paulista e o gol inesquecível contra o Corinthians no mesmo Morumbi, rendendo-lhe a condição de herói de uma torcida para sempre. ?Foi o meu dia mais feliz no clube. Vejo o carinho dos torcedores até hoje e a gente não tem noção do tamanho disso, ainda mais porque é onde jogou o melhor do mundo. Se eu tivesse ganhado mais títulos, então, nem se fale o que seria. O Santos é tudo pra mim na minha vida e a Cidade está no meu coração?, comentou.

As duas passagens seguintes de Serginho Chulapa pelo Peixe (1986 e 1990) estiveram longe de refletir o mesmo brilho do artilheiro, assim como as brigas que acabaram o consagrando negativamente, mesmo que de forma injusta, segundo o atacante.

?O que eu fiz não se faz, afinal futebol não é isso, mas é bom lembrar que eu nunca comecei uma encrenca. Sempre fui provocado e era explosivo, dançando conforme a música: se o zagueiro viesse para quebrar, aí não ia terminar bem?, justificou. Coisas do paulistano mais santista que se tem notícia.

Giovanni, o Messias
Ser um ídolo sem títulos não é para qualquer um. Embora tenha conquistado o Paulistão e a Copa do Brasil de 2010 pelo Santos, a pergunta segue. E nem o próprio Giovanni conhece a exata solução do mistério, embora tenha um indicativo bem nítido. ?Eu tento responder, mas não achei a resposta. Talvez tenha sido porque o Santos não aparecia no cenário nacional, sem integrar uma final de Brasileirão, por exemplo. É a única resposta que eu consegui encontrar?, explicou.

E naquele ano de 1995 isso aconteceu, contra o Botafogo. A arbitragem de Márcio Rezende de Freitas, no entanto, não deixou que aquele grupo comemorasse. Para Giovanni, no entanto, não foi só isso. ?Ali faltou experiência. A gente não soube administrar. Se tivéssemos dois ou três jogadores mais rodados, talvez fosse diferente. Mas ainda acho que, mesmo assim, foi uma campanha boa. Deixou marcado, mesmo não ganhando esse título?, analisou.

Mais do que a decisão, os 5 a 2 na partida de volta da semifinal contra o Fluminense ? no primeiro jogo, 4 a 1 para os cariocas, no Maracanã – povoam ainda mais a mente dos santistas. Principalmente o intervalo do jogo, em que todos permaneceram em campo, com a imprensa acompanhando. ?Foi uma idéia nossa, pensada na concentração. E alguém decidiu na hora que ficaríamos em campo se o placar estivesse 2 a 0. E assim aconteceu?, lembrou Giovanni, em sua melhor atuação naquele domingo, 10 de dezembro de 1995.

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Divulgação/Santos FC

A mística, definitivamente, é parte daquela partida. Só isso explica os comentários feitos pelos jogadores antes da partida. ?Estávamos brincando, mas um pouco a sério, que eu iria fazer dois gols, o Macedo disse que iria fazer outro, assim como o Camanducaia e o Marcelo Passos. E foi exatamente isso. É algo que não dá para explicar?, contou. E foi algo revelado ainda no intervalo, diante das câmeras de TV, quando Giovanni já tinha estufado por duas vezes a rede.

Em três passagens pelo Peixe, foram 73 gols. Na segunda, em 2005, um chute para cima, na Vila Belmiro, durante o clássico remarcado contra o Corinthians, como protesto pelos escândalos da arbitragem pelo Brasileirão ? e que acabariam beneficiando o Timão -, mas ficou a alegria de encontrado uma nova geração, a de Robinho. Cinco anos depois, chegou a vez de conhecer Neymar e Paulo Henrique Ganso, quando veio o título estadual contra o Santo André, no mesmo Pacaembu da tragédia diante do Botafogo. ?Foi o que faltava para mim?, emendou Giovanni, que atuou em alguns jogos do título da Copa do Brasil naquele mesmo ano.

Robinho, pedaladas eternas
Quando Robinho surgiu no Santos, em 2002, e conquistou o título brasileiro, o atacante converteu-se em um símbolo da alegria, tanto nos jogos quanto nos treinamentos, ao lado do amigo Diego. Não havia quem não gargalhasse diante das oito pedaladas diante de Rogério na final contra o Corinthians ? exceto, claro, os torcedores do Timão ? e da graça que fazia frente a qualquer adversário, desde os tempos do futsal.

O menino, mirrado fisicamente, crescia na idade e nos músculos. Acabou sendo bicampeão nacional em 2004. No ano seguinte, porém, boa parte da torcida também mudou em relação a ele. Os risos soltos transformaram-se em raiva destilada a qualquer menção de seu nome. Assim que retornou campeão da Copa das Confederações com a Seleção Brasileira, o caminho de Robinho já estava tomado: o Real Madrid.

Os 30 dias sem treinar, à espera que o Santos confirmasse à venda, foram intermináveis para todos. Até que a ida para o clube espanhol se consumou, não sem antes atuar por sete partidas pelo Peixe ? e devidamente segurado. Apesar da ira de muitos, ficou a emoção pela despedida, aliviada até certo ponto por sua volta, em fevereiro de 2010.


noticia2020491613108.jpgDivulgação/Santos FC

O retorno aconteceu em alto estilo, em fevereiro de 2010. Robinho desceu de helicóptero na Vila Belmiro, acompanhado por Pelé, justamente o Rei que, onze anos antes, quando trabalhava nas divisões de base do Santos, profetizou que ali estava nascendo um craque. E, depois, endossado por Zito, o eterno capitão do Santos, que sempre acreditou no garoto.

A irreverência de outrora foi tomada por um jogo mais inteligente, sem tantos lances de efeito, aprendido por Robinho nos anos de Europa, pois a bola estava com outra geração, a de Neymar e Paulo Henrique Ganso, e fazendo as mesmas brincadeiras que ele conhecia de cor e salteado. Até por isso o atacante não se fez de rogado, participou dos gols, das inventivas comemorações, foi campeão paulista e da Copa do Brasil nesta passagem. O atacante ainda voltou ao clube entre 2014 e 2015.

Neymar, mais um menino da Vila
A histeria por Neymar em todos os estádios nos quais ele joga é algo que impressiona tanto quanto seus dribles e jogadas geniais. E isso vale também para sua extensa agenda diária de compromissos, responsável por calcular demasiadamente ou até sacrificar os momentos de lazer com seus familiares ou amigos.

?Dia normal nunca tem. Sempre tem muitas coisas para fazer. Até é meio complicado porque vejo poucas vezes minha mãe, me esforço para ver meu filho (Davi Lucca) sempre e tento encaixar uma folguinha para ver os amigos. Ir à praia ou levar o menino ao shopping é algo impossível. Mas é a vida que eu escolhi, a de ser um jogador de futebol, e nunca reclamo de nada. Só agradeço a Deus?, explicou, em depoimento dado em 2012, quando ainda vestia a camisa do Santos.

É o ônus de ser craque, em uma trajetória vitoriosa iniciada no futsal, com passagem pelas categorias de base do Peixe e que originaram quatro títulos no currículo de Neymar pelo Peixe: três Paulistas, uma Copa do Brasil e uma Libertadores. ?Até hoje não sei (como a carreira explodiu). Uso muito uma frase da Ivete (Sangalo, cantora) que escutei neste ano (2012). Ela não sabe no que se tornou, mas sabe que se tornou. Então é meio difícil de entender. Até agora a ficha não caiu?, comentou.

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Divulgação/Santos FC

Como deve ter sido um sonho quando assinou com o Barcelona, da Espanha, em 2013. O mesmo time que derrotou o Peixe na final do Mundial de Clubes, em 2011, em Yokohama, no Japão. Como deve ter sido impressionante quando foi para o Paris Saint-Germain, da França, quatro anos depois e onde está até o momento, depois de duas Copas do Mundo disputadas pela Seleção Brasileira (2014 e 2018).

?Falta muita coisa (para ser feliz). São muitos títulos que quero conquistar. Pessoalmente não sei o que falta. Mas tenho algo muito precioso e importante desde o ano passado, que é o meu filho (Davi Lucca). Às vezes penso como ele saiu de mim, um garoto bonito assim. E graças a Deus sou um cara muito feliz?, disse Neymar, em 2012. 

Na quarta reportagem desta série, que será publicada na segunda-feira (13), uma entrevista com Marcelo Teixeira, ex-presidente do Santos e atual mandatário do Conselho Deliberativo do clube, sobre grandes momentos e o amor pelo Peixe.

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