Rebeca persiste após 3 lesões e vai a Tóquio embalada por 'Baile de Favela'

Por Folha Press em 27/06/2021 às 13:15

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Rebeca Andrade já pensou em desistir da ginástica. Não apenas uma vez. Aconteceu quando ela rompeu o ligamento cruzado do joelho direito em 2015 e ficou fora dos Jogos Pan-Americanos. De novo em 2017, após outra lesão no mesmo local.

A atleta de 22 anos admite que o pensamento chegou a passar por sua cabeça novamente em 2019, quando, a um ano da Olimpíada de Tóquio (ainda não adiada) e sem a vaga garantida no evento, ela teve que operar o joelho direito pela terceira vez.

Foram a voz de sua mãe, Rosa Rodrigues dos Santos, e o apoio da família, dos amigos e de sua equipe que a mantiveram no esporte.

“Eu só não parei de treinar em 2015 por causa da minha mãe. Eu falei ‘quero ir embora para casa, pegar minhas coisas, voltar para São Paulo, não quero mais ginástica, minha vida acabou’. Minha mãe falou ‘não, você vai fazer a cirurgia, voltar ao ginásio, não vou deixar você desistir. Se realmente não tiver jeito, aí tudo bem, você vem para casa, a mãe tem muito orgulho de você, vamos te receber de braços abertos'”, relembra Rebeca em entrevista à Folha de S.Paulo.

Natural de Guarulhos, a ginasta do Flamengo conta que, após a lesão de 2019, quando precisou abrir mão do Mundial daquele ano, recebeu força também de sua “irmã” na ginástica.

“No primeiro dia [da recuperação] eu fiquei mal, chorei a madrugada toda. Estava dividindo quarto com Lorrane [Oliveira] e ela ia competir no dia seguinte. Lembro que estava na cama orando e chorando, tudo ao mesmo tempo, e só pedia a Deus, na minha mente, um abraço. Do nada, a Lorrane levantou e me abraçou. Aí eu senti mesmo que não era hora [de desistir]. Tudo isso em poucos minutos, estava mal e do nada fiquei bem, me senti acolhida e segura.”

A ginasta enaltece o trabalho de muitos anos com seu treinador, Francisco Porath, que soube como conduzir o processo de recuperação no tempo certo, sem acelerar ou postergar o retorno.

Também é grata à psicóloga que a acompanha desde os 13 anos e foi fundamental quando Rebeca se viu isolada, morando sozinha no Rio de Janeiro, longe da família e sem poder treinar como gostaria.

“[O isolamento] causa ansiedade, traz alguns traumas, então ter profissionais me ajudando semanalmente me fez me conhecer muito mais. Eu me sinto uma pessoa mais forte, tanto fisicamente, com o joelho, quanto mentalmente”, diz.

A força mental para controlar a ansiedade ajudou a conseguir a vaga na Olimpíada. A lesão tirou dela a chance de brigar pela classificação no Mundial de 2019 e colocou sua participação nos Jogos em xeque. Mas o difícil processo de recuperação contou com a “ajuda” do adiamento do evento de 2020 para 2021.

Com mais tempo, ela se fortaleceu para o Pan de Ginástica do Rio, que aconteceu em junho e seria sua última chance de conseguir a vaga. A atleta chegou a errar e quase cair da trave, o primeiro aparelho, mas não perdeu o foco. Assim garantiu o ouro na competição e a classificação.

“Eu estava tão tranquila que consertei, voltei para o eixo e mantive a série muito boa. Tem bastante tempo pela frente [até a Olimpíada] para aprender mais sobre autocontrole, para não me pressionar. Procuro não me deixar ansiosa, não tornar Tóquio uma preocupação”, afirma.

Antes, Rebeca evitava até pensar sobre a vaga. Agora que está garantida no evento, sua mente trabalha para escapar de outro foco de ansiedade: a possibilidade de conquistar a primeira medalha para a ginástica feminina do Brasil.

As chances são reais para ela e Flávia Saraiva, as brasileiras classificadas, mas segundo Rebeca as duas mal tocam no assunto. Trabalham “apenas” para fazer suas melhores séries.

Rebeca consegue ter bom desempenho em todos os aparelhos, o que a permite disputar uma medalha no individual-geral. Neste fim de semana, foi ouro nas barras assimétricas e bronze na trave na etapa de Doha da Copa do Mundo. Suas principais forças estão no salto e no solo, prova na qual ela quer deixar como marca um traço que carrega consigo: a brasilidade.

Para os Jogos de Tóquio, a ginasta trocou o pop americano por um funk que une duas pontas da sua vida: o ritmo do Rio de Janeiro, onde vive hoje, na música de um artista da periferia de São Paulo, onde nasceu.

“Eu era uma febre com a Beyoncé [sua série na Rio-2016 foi ao som de ‘Single Ladies’]. Aí no processo de mudança para a música brasileira, que nem todos gostam, pensei: ‘será que as pessoas vão ter boa visão dessa música’? Mas esse pensamento passou rapidinho”, conta.

A escolha foi por “Baile de Favela” (2016), hit do MC João que tem letra explícita e faz referências a diversos bailes da capital paulista. A versão para a prova do solo possui um arranjo para órgão, tradicional instrumento de igreja, que também traz à cena outra face da trajetória da atleta.

Eclética, como define seu gosto musical, Rebeca cresceu ouvindo música, muitas vezes canções da igreja evangélica frequentada desde cedo com a família. Após se mudar para o Rio, aos 11 anos, viu aflorar seu gosto pelo funk.

“Eu gosto muito de funk, gente. Quando é momento de lazer, se não estou cantando estou dançando, e dançando funk. Com as amigas, sozinha na sala, com os vizinhos olhando, não estou nem aí”, diz, empolgada com o encaixe perfeito da trilha com o instrumento clássico.

A apresentação do Pan viralizou na internet. Agora, ela quer ajudar a popularizar as batidas pelo resto do mundo. “O funk é nossa cultura, um dos estilos mais escutados no Brasil, e eu sou muito brasileira raiz, gosto de me mostrar. Saber que eu vou levar isso para fora [do país] é ‘mó responsa’, né? Mas assim como gosto de conhecer culturas de outros países, quero que as pessoas também conheçam mais do nosso estilo.”

Apesar de ter Simone Biles como concorrente, Rebeca não se cansa de elogiar a favoritíssima americana, tanto por suas piruetas quanto pelo uso que faz de sua voz. Maior nome da ginástica artística, Biles já se manifestou contra o racismo e anos atrás se juntou a colegas que revelaram ter sofrido abuso sexual por treinadores.

“É uma atleta incrível, que representa muitas de nós e que faz [brilhar] os olhos de muitas crianças pretas, faz elas brigarem [na ginástica]. Aqui no Brasil, eu, a Lorrane e a Daiane dos Santos temos um pouco disso. Agora mais ainda, recebo muitas mensagens de mães falando que a gente precisava disso [presença de ginastas negras]. Admiro a Simone principalmente por tudo que ela suporta. O psicológico dela tem que ser muito forte.”

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