04/08/2023

Projeto de CEO do ChatGPT paga R$ 298 para acessar dados da íris

Por Folha Press em 04/08/2023 às 16:00

O chefe-executivo da criadora do ChatGPT, Sam Altman, lançou, no último dia 24, a Worldcoin —uma criptomoeda gerada a partir da identificação de íris e face de pessoas. O projeto reconheceu a singularidade de 2,185 milhões até esta quinta-feira (3).

Quem está em São Paulo tem até a próxima segunda-feira (7) para entregar dados biométricos e criar uma “world ID” para receber 25 Worldcoins, atualmente cotadas em cerca de US$ 60 (R$ 293,75). A capital paulista é a única cidade no Brasil com pontos de coleta —são três, próximo da av. Brigadeiro Faria Lima.

No Brasil, não há filas para conseguir o dinheiro extra, como no Japão, na Índia e no Quênia. Ainda assim, o diretor-fundador do Data Privacy Brasil, Bruno Bioni, diz que é necessário ter cautela. Informações biométricas são sensíveis e a Worldcoin não apresentou uma avaliação de impacto à proteção de dados pessoais, para mostrar como pode reduzir riscos.

O governo queniano, por exemplo, ordenou a suspensão do serviço da Worldcoin na última terça-feira (1º) para investigar perigos potenciais contra a segurança pública. O app também tem restrições nos Estados Unidos devido à regulação de criptomoedas, sancionada após o escândalo bilionário da corretora FTX.

Antes do lançamento oficial em 14 países, a empresa testou a plataforma em 2 milhões de pessoas em 24 países —14 eram nações em desenvolvimento pelos critérios do Banco Mundial, dos quais oito estavam na África. Durante os testes, a empresa afirmou que coletava informações de batimento cardíaco, respiração e outros sinais vitais —esse trecho foi retirado no último contrato de 16 de julho.

O padrão da íris tem chance de se repetir uma vez a cada 1 bilhão de pessoas —no caso da digital, é de um em 40 milhões. Trata-se de um fator de identificação muito preciso.

“É impossível trocar de íris, se houver um incidente de segurança. Não é como login e senha. Esse autenticador potencializa os riscos de roubo de identidade”, afirma Bruno Bioni, do Data Privacy Brasil.

Em nota enviada à reportagem, a Worldcoin afirma que construiu um programa de privacidade robusto, com assessoria de uma respeitada consultoria da área.

“A Worldcoin respeita todas as leis e regulamentos dos países em que atua, o que inclui a LGPD”, diz a empresa.
Antes da ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados) se manifestar sobre o tema, a reportagem testou o procedimento de coleta. Consiste em: baixar o World App, validá-lo com um celular, aceitar os termos de uso e coleta biométrica, decidir se a empresa pode armazenar seus dados e fazer pose para a máquina capturar imagens do rosto e da íris. Leva cerca de dois minutos.

O processamento dos dados é feito em um dispositivo chamado Orb. Como sugere o nome, é uma esfera espelhada, onde estão dois sensores e uma câmera —parece a cabeça de um robô de três olhos.

Esse aparelho processa os dados sem colocá-los na rede, promete a Tools For Humanity, empresa por trás da Worldcoin. Um som polifônico como dos celulares antigos acusa que a operação terminou.

Pelo registro, o usuário ganha uma criptomoeda chamada Worldcoin, cotada na tarde desta quinta (3) em US$ 2,30 (R$ 11,22). Cerca de duas horas depois, também ganha um cupom de participação no Worldcoin, avaliado em US$ 25.

O registro da íris é acompanhado por um operador de Orb —são pessoas que se voluntariam para cadastrar os interessados. A reportagem foi atendida por um jovem entusiasta de criptomoedas e NFTs, que diz ter sido procurado pela Tools For Humanity após ter publicado um texto com elogios à iniciativa de Sam Altman.

Altman diz, em várias ocasiões, que a iniciativa seria um primeiro passo para distribuição de uma renda básica universal, como contrapartida de possíveis desigualdades criadas pelo avanço da inteligência artificial.

O jovem pediu para ter a identidade preservada, já que, por contrato, não pode falar em nome do projeto Worldcoin. Vestia uma camiseta com o slogan da empresa: “For every human” —para todos os seres humanos, em inglês.

No ponto de coleta, a reportagem encontrou quatro funcionários de uma universidade que foram até o local para criar suas identidades digitais. Eles preferiram não ter o nome identificado. Dois deixaram o World App armazenar seus dados biométricos e dois recusaram.

Durante o processo de cadastro, a empresa não informa que os dados biométricos são sensíveis e os riscos envolvidos em compartilhá-los. Ainda incentiva o compartilhamento do dado, ao informar que o armazenamento da informação pode evitar retornos ao Orb para atualizações cadastrais.

Apenas no formulário de consentimento de Dados Biométricos Sensíveis da Worldcoin Foundation, a empresa informa que essa autorização também permite envio dos dados para Estados Unidos e Europa para treinamento de algoritmos.

Esse documento só está disponível em português de Portugal.

O Worldcoin divulga em seu site que não requer nome, email ou outras informações no processo de criar a “World ID” para resguardar os interessados.

O processo de cadastro, entretanto, pede número de celular e confirmação. Informações telefônicas estão disponíveis em bancos de dados vazados na internet, e podem revelar outros dados a partir de cruzamentos.

Para conseguir transferir o crédito obtido com o registro é preciso dar autorização para o aplicativo acessar uma conta no Google Drive. Quem não der essa permissão fica com o dinheiro preso no app do Sam Altman.

A Worldcoin afirma que não mistura os dados envolvidos em sua arquitetura organizada em três etapas:

WorldApp: aplicativo no qual a pessoa cria uma conta e gera duas chaves criptográficas e randômicas;

Orb: dispositivo desenvolvido pela Tools for Humanity que é capaz de extrair a íris de uma pessoa, processar o dado biométrico e produzir um “código de íris”, que depois é verificado em uma base de dados da empresa;

World ID: passaporte digital que comprova que você é uma pessoa única e real, porém sem manter a informação do código íris (o que é feito é um zero-knowledge proof, uma autenticação)

Tudo isso feito e considerado, é possível ganhar os 26 World Coins. O primeiro é entregue no instante do registro. O segundo, depois de cerca de duas horas.

De novo, quem for resgatar a criptomoeda para conseguir dinheiro corrente precisa de atenção. Só é possível transferir valores da carteira digital do World App para uma corretora de criptomoedas —o que é feito a partir de um canal de blockchain.

Essa forma de transação usa códigos de identificação, e uma transferência errada é irreversível. A pessoa precisa checar se o destino está correto, se o canal usado aceita a criptomoeda ethereum (a base do World App) e se a corretora aceita a moeda escolhida na operação —a Binance, por exemplo, não trabalha com dólares americanos.

Qualquer erro nesse sentido pode fazer a pessoa que registrou sua íris perder os R$ 300.

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