Os primeiros passos do Santos e a inauguração da Vila Belmiro

Por Ted Sartori/#Santaportal em 08/04/2020 às 09:25

ANIVERSÁRIO – A partir de hoje, o #Santaportal traz uma série de reportagens sobre o Santos. A sequência de matérias se encerrará na terça-feira, 14 de abril, justamente quando o clube completará 108 anos de uma história com muita luta, títulos, gols, craques e glórias.

Nada melhor então do que começar detalhando os primeiros passos da agremiação, no longínquo 1912. A fundação do Santos acontece em um momento bastante propício. A Cidade vivia flagrante crescimento desde a década anterior. A população quase dobrou entre 1900 e 1913 – de 50.389 para 88.947 habitantes.

“Na primeira década do século 20, Santos é uma cidade que se moderniza e que se transforma em função do Porto, que se expandia, e das questões sanitárias, com o projeto dos canais, idealizado por Saturnino de Brito”, explica o professor de História e integrante do Centro de Memória e Estatística do Santos, Gabriel Davi Pierin, também autor do livro Santos Foot-Ball Club – O Nascimento de um Gigante – História da Fundação (Realejo Livros & Edições).

O futebol organizado, no entanto, adormecia, em meio ao remo, que prevalecia. O primeiro jogo na Cidade, na Praia do Embaré, em frente à Igreja, acontecera uma década antes da fundação do Peixe (1902) e os dois clubes montados logo depois acabaram. O Club Athletic Internacional encerrou as atividades em 1910 e o Sport Club Americano mudou-se para São Paulo. “Apesar disso, o Santos já nasce como um clube voltado para o futebol”, observa Gabriel.

A comissão organizadora, formada por Mário Ferraz, Raymundo Marques e Argemiro de Souza Júnior, já tinha trabalhado bastante antes da reunião histórica no Club Concórdia, logo acima da Confeitaria Rosário, na antiga Rua do Rosário (atual Rua João Pessoa, nº 10). Já tinham arregimentado 200 jovens para a nova agremiação, na maioria estudantes e empregados no comércio, e até conseguido o terreno para o campo, localizado à Rua Aguiar de Andrade (atual Rua Manoel Tourinho), próximo à Avenida Perimetral.

O espaço, sem as medidas para partidas oficiais, abrigou o primeiro jogo-treino da história do clube, em 23 de junho de 1912, diante de um combinado local. A nova equipe venceu por 2 a 1, com gols de Anacleto Ferramenta e Geraule Moreira Ribeiro – Picuru descontou.

Por coincidência ou não, o adversário era composto por alguns remanescentes de um outro Santos Foot-Ball Club, mas de curtíssima duração (entre 1909 e 1910) e com provável sede no Marapé, mas de esparsos registros. Um dos jogadores, Agostinho Marba, cujo apelido era Pintanella, está entre os 39 fundadores do Santos.

Curiosamente Sizino Patusca, o primeiro presidente, não consta nessa lista, refeita em reunião realizada em 25 de setembro de 1929 porque a ata de fundação original sumiu – e lá constavam o primeiro e o segundo encontros. Comenta-se que Raymundo Marques a levou.

“Havia quem não lembrasse da presença de Sizino. Quase não se vê nos livros de ata a participação dele. Então por que ele foi presidente? Pelo prestígio que tinha na Cidade, pois era empresário e já tinha ligação a outros clubes. Prosperar era uma preocupação do clube”, argumenta Gabriel Davi Pierin.

A escolha do nome é um caso à parte. Na reunião, convocada para as 14 horas de um domingo, 14 de abril de 1912, vários foram sugeridos. África foi rejeitado. Brasil não recebeu aceitação, porque acreditavam que “associar o nome do clube ao país não é de bom tom”. E Concórdia também foi pelo mesmo caminho, pois era o local que abrigava a reunião e não teria sentido nomear outra agremiação com o mesmo nome.

Foi então que veio a simples ideia de Edmundo Jorge de Araújo: “Por que não chamamos o nosso clube de Santos, Santos Foot-Ball Club?” Geralmente o óbvio teima em não ser enxergado e, quando isso acontece, os elogios aparecem. Neste caso, o símbolo foi em forma de aplausos dos que compareceram à reunião. Mais tarde, seriam as palmas do mundo inteiro.

Outro nome
Embora tenha participado logo do Campeonato Paulista de 1913, o Santos disputa somente quatro jogos. A falta de dinheiro para as viagens faz com que o time se retire da competição. Sagrou-se, no entanto, campeão santista. E repetiu a dose em 1915, quando vivia com problemas políticos, assim como no anterior.

Só que o clube teve de criar um outro nome para disputar o torneio: União FC. Era uma exigência da Associação Paulista de Esportes Atléticos. E assim foi feito. A palavra escolhida simboliza justamente que o clube estava voltando aos eixos. Até escudo tinha, o que não era comum naquela época. Logo em 14 de janeiro de 1916, o União acabou e o Santos prosseguiu.

Uniforme e escudos
A dificuldade em se confeccionar um uniforme do Santos com as cores aprovadas (branco e azul, com um friso amarelo entre as duas cores) provocou uma solução curiosa no primeiro jogo oficial, contra o Santos Athletic Club (Clube dos Ingleses). No duelo, o novo clube venceu por 3 a 2 no campo da Avenida Ana Costa (na área da Igreja Coração de Maria). O time usou camisa branca, tipo social, com braçadeira azul, confeccionados por Iraídes Ricardina de Oliveira Ratto, a dona Didi, irmã do jogador Ricardo Pinto de Oliveira.

No ano seguinte, em 31 de março, veio o preto e branco, sugerido por Paulo Pellucio: calção branco e camisa listrada de branco e preto. Embora o branco tenha se consagrado, a camisa 1 era a listrada, prevista em estatuto até o ano passado, quando isso foi invertido, em nova reforma do documento. “E não consta em ata essa história do ‘branco da paz e do negro da nobreza’, lembra Guilherme Gomez Guarche, historiador do clube e um dos integrantes do Centro de Memória e Estatística do Santos.

O Jaboticabal Atlético Clube, fundado um ano antes que o Peixe, tem essa mesma explicação. A camisa completamente branca só apareceu em 1916, quando o Santos foi convidado para inaugurar o Estádio Figueira de Mello, do São Cristóvão.

Já o escudo do Santos, conhecido nos dias de hoje, passou a ser utilizado nas camisas brancas em 1924. A listrada não levava o distintivo. Nos anos 40, surgiu um outro escudo, em que as letras SFC eram entrelaçadas, mas voltou-se na década seguinte ao antigo. Somente em 23 de maio de 1968 foram introduzidas nas camisas as estrelas referentes ao bicampeonato mundial, em amistoso contra o Boca Juniors, na Vila Belmiro. O Peixe perdeu por 1 a 0.

Do inglês para o português
Ao longo da história, o Santos passou por algumas mudanças em seu nome oficial no distintivo do clube. O inglês dominava o futebol em seus primeiros chutes e, portanto, em sua fundação, era Santos Foot-Ball Club. Foram três anos com essa grafia. Em 24 de julho de 1915, veio a primeira alteração, transformando o Peixe em Santos Football Club, sugerida por Urbano Caldeira.

O tempo tratou de aportuguesar os termos correntes do mundo da bola e o nome do time da Vila Belmiro seguiu no mesmo caminho. Mas, neste caso, demorou um pouco mais. Só a partir de 23 de fevereiro de 1976 é que o clube passou a se chamar Santos Futebol Clube, depois da aprovação do novo estatuto social pelo Conselho Deliberativo.

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A construção e inauguração da Vila Belmiro
Embora o Santos tenha surgido em 14 de abril de 1912, a Vila Belmiro só aparece quatro anos depois, em 1916. A compra do terreno de 16.650 metros quadrados onde se encontra o estádio foi cercada de muito estudo e discussões nas reuniões no clube.

Em 14 de julho de 1915, o então presidente Agnello Cícero de Oliveira lembrou da necessidade do Santos possuir um campo para jogos. Dois terrenos ficaram sob análise: um de Oswaldo Sampaio – no qual está o Hospital Beneficência Portuguesa – e outro da Companhia Santista de Habitações Econômicas, o que se encontra o estádio. Enquanto o primeiro tinha uma série de problemas (moradores e o terreno demoraria para ser do Santos), o outro estava completamente livre e com uma série de vantagens, além da posse definitiva e lavrada em cartório.

Além disso, o espaço em que se encontra o estádio até hoje foi escolhido por algumas outras características: 70 centímetros acima do nível do mar, com luz elétrica, água e esgoto e a vantagem dos proprietários desejarem incrementar a ocupação na área. Sem contar que estavam previstas linhas de bonde na região, facilitando o acesso aos torcedores.

A área foi comprada em junho de 1916, ao custo de 66 contos e 660 mil réis para serem pagos em 10 anos. A dívida, porém, foi encerrada em 1922, com um acréscimo de 35 contos de réis. A construção foi rápida: um lance de arquibancadas, com capacidade para 2 mil pessoas, com direito a um coreto do lado, pavilhão de jogadores e vestiário.

O vice-presidente Álvaro de Oliveira Ribeiro (avô de Luis Alvaro Ribeiro, que também foi presidente do Santos) é quem estava no cargo no momento que se adquiriu a área, em função do afastamento do mandatário Agnello Cícero de Oliveira – estava doente. A inauguração seria em 20 de agosto, mas é Álvaro quem morre justamente na data que tinha tudo para ser festiva.

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A data, então, foi mudada para 12 de outubro, quando partidas entre associados foram realizadas. Os filhos dos sócios e dos diretores também se divertiram na ocasião. No entanto, o jogo contra o Ypiranga, pelo Campeonato Paulista, acabou adiado em razão de fortes chuvas.

A partida, então, foi realizada 10 dias depois, em 22 de outubro. Com direito à banda de música e estádio lotado pela novidade (os ingressos de arquibancada foram comercializados a 2 mil reis e os de geral, pela metade do preço), o pontapé inicial foi dado às 15h30: o Santos venceu por 2 a 1. O autor do primeiro gol da Vila Belmiro é Adolpho Millon Júnior – Jarbas marcou o segundo e Formiga descontou para o Ypiranga.

A praça de esportes santista passou a se chamar oficialmente Urbano Caldeira em 1933, poucos dias depois da morte de quem exerceu as mais variadas funções no Santos, desde as mais simples até as mais graduadas, tornando-se um símbolo de abnegação no clube.

Dois anos antes, em 1931, a Vila Belmiro começou a receber partidas noturnas. O jogo que abriu esta nova fase aconteceu em 21 de março de 1931: 1 a 1 entre Santos e Seleção da Associação Santista de Esportes Atléticos. Cruz, que integrava a equipe visitante, marcou o primeiro gol sob as luzes da Vila.

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O alçapão
A fama de alçapão, que persiste até hoje, surgiu em 1930. O jornalista Antônio Guenaga, de A Tribuna, deu o apelido imorredouro. O motivo é que o Santos não perdeu nenhuma partida na Vila Belmiro naquela temporada. Foram 25 jogos amistosos e pelo Campeonato Paulista, sendo 21 vitórias e quatro empates.

?A Vila Belmiro é um autêntico Alçapão?, cravou Guenaga. E assim ficou para sempre, com invencibilidades até mais duradouras do que esta.

O momento mais representativo da histórica trajetória aconteceu em 30 de julho de 1930, quando o Alvinegro enfrentou e goleou a França por 6 a 1. Naquele mesmo dia, o Uruguai venceu a primeira Copa do Mundo, ao bater a Argentina por 4 a 2, no Estádio Centenário, em Montevidéu.

Os franceses, por sua vez, tinham acabado de participar do Mundial (eles voltavam de navio do país-sede), o que aumenta a grandiosidade do feito. Fizeram apenas dois jogos: 4 a 1 sobre o México, no dia 13 daquele mês, quando Lucien Laurent marcou o primeiro gol das Copas, e a derrota por 1 a 1 para a Argentina, dois dias depois.

No jogo, o atacante Feitiço fez quatro gols e Mário Seixas os outros dois ? Delfour descontou para os franceses. Tamanho poderio técnico causou desconfiança nos estrangeiros. Eles reclamaram com os dirigentes do Alvinegro, alegando que tinham combinado um amistoso contra um clube do Brasil e não contra a Seleção.

Os franceses só se convenceram quando a cúpula santista os levou até à sede do Santos, na Rua Itororó, 27, no Centro da Cidade, e mostrou as fotografias dos atletas, comprovando que todos vestiam a camisa do clube: Athié; Aristides e Meira; Osvaldo, Roberto e Alfredo; Omar, Camarão, Feitiço, Mário Seixas e Evangelista.

Enquanto os craques jogavam, a Vila Belmiro foi se modernizando dentro do perímetro reduzido que possui, em meio ao crescimento do bairro que lhe consagrou o apelido. O estádio ganhou arquibancadas de concreto, camarotes, placar eletrônico, gramado novo, cadeiras, cabines para a imprensa e muitas outras melhorias, deixando ainda mais improvável de se imaginar como seria no distante ano de 1916.

Ainda na década de 1920, o Santos havia sido vice-campeão paulista em 1927, 1928 e 1929, com grandes times goleadores. O primeiro título estadual viria em 1935, assim como tantos outros ao longo dos tempos e ao redor do mundo. Mas este é um assunto para a próxima reportagem desta série, a ser publicada amanhã (9).


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