“Não tem pra onde correr, é muito triste”, diz morador de Bertioga que perdeu tudo em enchente, menos a fé
Por Beatriz Araujo e Yasmin Braga em 21/02/2023 às 06:00
O pedreiro Raimundo Berto Soares está sem trabalhar há dois meses e, apesar de não perder a fé, não sabe como será daqui para frente – já que ele segue com sua casa no bairro Chácara Vista Linda, em Bertioga, ‘embaixo d’água’ desde o final de semana. Em 24 horas, a cidade registrou quase 700 mm de chuva ininterrupta em 24 horas, o maior temporal de sua história.
Em entrevista ao Santa Cecília TV, ele conta que percebeu a água subindo durante a madrugada, alertando sua esposa e vizinhos. A correria foi grande para suspender a cama, geladeira e fogão. A máquina de lavar, por exemplo, foi ‘comida’ pela água, como conta Raimundo, pois não deu tempo de tirá-la do lugar.
“É muito rápido. Perdi um bocado, tudo. É muito feio, viu, a gente estar em uma situação dessa e não tem condição da gente comprar [as coisas]. É triste a sensação”, ressalta, repetindo ser uma situação ‘triste’ em diversas partes de seu depoimento.

Mesmo assim, apesar do medo de que uma tragédia maior possa vir a acontecer, Raimundo espera poder voltar a morar no local e segue tendo esperança por dias melhores. “É ter fé em Deus que vamos tornar a erguer a vida de novo”, diz, com convicção.
Nesses últimos dias, ele tem dormido na casa de uma cunhada junto com sua esposa. Nas manhãs, ele volta ao seu lar para acompanhar a situação. A expectativa é para que a água abaixe para que eles possam limpar a casa, onde moram há 5 anos.
“Não tem pra onde correr, a situação é muito triste. Não temos para onde ir. Vamos jogar fora o que não presta e ficar aqui de novo. Vamos começar tudo de novo, comprar as coisas de novo. Com fé em Deus a gente vai conseguir”.
Com relação ao medo, o que marca seu pensamento é a possibilidade de que as chuvas voltem em alguma noite e que ele e sua esposa não consigam se livrar do pior. “Se Deus o livre, mas se a água vier e subir de uma vez, fica muito difícil”.
Sem água

Outro morador do bairro Chácara Vista Linda, que teve sua vida afetada pelas fortes chuvas, é Wilson Severino dos Santos. Ele conta que mora na beira do rio e que, até esta segunda-feira (20), a região está sem abastecimento de água potável.
A situação fez com que ele enfrentasse enchentes com sua moto em busca de galões de água. “Acabou a água. As enchentes estão vindo até o tanque da moto. Tá difícil”.
Com poucas palavras e voz embargada, Wilson conta que a família deveria estar morando em um apartamento, que “ainda não saiu”. Por conta da enchente, eles perderam televisão, guarda-roupa, cômoda de suas filhas, beliche e diversas outras coisas, que ficaram submersas.
“Perdemos tudo. Agora tem que trabalhar e correr atrás. O medo é alto, principalmente por causa das crianças, porque a água pode subir de novo”.
Choque

No caso de Layane Silva Santos, ambulante que também mora na região, as chuvas não entraram em sua casa e sua família não sofreu nenhuma perda. Mesmo assim, o choque de ver a água subindo e o desespero das famílias ao redor a marcou.
“Começou a chover muito, inundar tudo. Minha mãe falou ‘Nossa, nunca teve uma enchente dessa por aqui’. Muita gente fala que isso acontece de quatro em quatro anos, mas a gente nunca tinha visto assim, essa foi a que mais encheu”, comenta a jovem.
Além do medo por conta do alto fluxo de água, animais indesejados também são uma preocupação. “Como aqui é mato, dá medo de entrar cobra. Porque depois que a água abaixa, aparece um monte de bicho”, explica.
Sem conseguir sair de casa em meio ao cenário de instabilidade, Layane compartilha sobre o sentimento de tristeza pela situação enfrentada pela comunidade. “Vimos muitas famílias que perderam tudo. A gente não perdeu, graças a Deus, mas muitas pessoas perderam”.
Situação em Bertioga

O Governo do Estado decretou estado de calamidade pública para Bertioga e todas as demais cidades do Litoral Norte impactadas pelas chuvas. Em boletim emitido na manhã de segunda-feira, o volume de chuva das últimas 48 horas chegou a 695 milímetros, o maior índice pluviométrico dos últimos anos e o maior registrado entre os municípios da Baixada Santista e Litoral Norte, segundo a Defesa Civil do Estado.
A Cidade permanece com pontos de alagamentos em diversos bairros. A Defesa Civil e equipes da Prefeitura seguem em alerta, trabalhando para prestar apoio às pessoas atingidas e minimizar os impactos causados pelas chuvas. No momento, há 18 pessoas desalojadas abrigadas na Quadra da Escola José de Oliveira, no Rio da Praia.
A Aldeia Rio Silveira, localizada na divisa entre Bertioga e São Sebastião, também foi impactada pelas chuvas. Não há desabrigados. A Prefeitura está trabalhando em conjunto com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para prestar a assistência necessária.
O Posto de Saúde, mantido pela Prefeitura de São Sebastião, foi atingido pela chuva. Portanto, o trailer de Pronto Atendimento e a unidade de Saúde da Família de Boraceia estão à disposição para atender a população indígena.
A Prefeitura está arrecadando roupas, alimentos não perecíveis (exceto sal), colchões e roupas de cama para doar às famílias indígenas e demais pessoas atingidas pelas chuvas. Os pontos de coleta são: Fundo Social de Solidariedade, das 8 às 17h; Casa da Cultura, das 13 às 19 horas; Vila do Bem Boraceia, das 8 às 17h; Centro Comunitário da Vila do Bem Chácaras, das 8 às 17h; e Pousada Clariô, no Indaiá, das 10 às 20 horas.
A população deve ficar atenta e, em caso de ocorrências, ligar para o número de emergência 199.