Márcio França busca se desvincular de derrota de cunhado

Por Folha Press em 05/12/2020 às 13:17

ELEIÇÕES 2020 – Terceiro lugar na disputa à Prefeitura de São Paulo e com planos de concorrer novamente ao governo do estado em 2022, o ex-governador Márcio França (PSB) se articula para evitar o avanço do PSDB de João Doria em São Vicente, seu reduto eleitoral na Baixada Santista. França, que mantém forte influência política na cidade que administrou entre 1997 e 2004, viu neste ano o prefeito Pedro Gouvêa (MDB), seu cunhado, acabar em terceiro lugar na tentativa de reeleição.

Quem venceu no segundo turno contra o PSDB foi Kayo Amado (Podemos), que passou os últimos anos fazendo duras críticas ao grupo de França. Neste ano, porém, Amado suavizou o tom contra o ex-governador ?que, em nota, elogiou o novo prefeito pela vitória.

Auxiliares de França têm buscado dissociá-lo da derrota do cunhado, com o objetivo de evitar um desgaste para o ex-governador em seu berço político. A justificativa propagada é a de que França ficou concentrado em sua candidatura na capital e não participou da campanha de Gouvêa.

Mas, ainda que França não tenha interferido diretamente, sua família se engajou na disputa. O deputado estadual Caio França (PSB), filho do ex-governador, compareceu a atos em apoio ao tio e divulgou em redes sociais fotos suas durante uma caminhada em prol da reeleição dele. Segundo a imprensa local, Caio e a mãe, a ex-primeira-dama do estado Lúcia França, também participaram do lançamento da candidatura de Gouvêa.

No evento, foi exibido um vídeo de França em apoio ao cunhado. Durante a campanha no município, no entanto, o principal citado nos debates era o governador João Doria, geralmente de forma negativa. Foi batendo nessa tecla que Gouvêa tentou desidratar a candidata tucana Solange Freitas, uma jornalista de TV novata na política que virou a aposta do PSDB na cidade.

Um dos motivos principais para a rejeição ao tucano foram convênios com repasses a São Vicente assinados por França (entre abril e dezembro de 2018) que foram cancelados por Doria em 2019, sob o argumento de falta de previsão orçamentária. Depois de ficar de fora do segundo turno, Gouvêa não apoiou nenhum dos dois candidatos.

Solange, porém, afirma que na prática ela foi prejudicada por auxiliares do prefeito. A estreante afirma que havia um “gabinete do ódio” contra ela e que o grupo do prefeito se uniu com Kayo Amado. Diz ainda ter sofrido ataques na internet. “Desde o primeiro dia em que eu entrei no processo eleitoral, todos os dias eu recebia ataque nas redes sociais de pessoas ligadas ao Pedro Gouvêa”, afirma.

Ela acrescenta, porém, que não houve interferência direta de França. No dia seguinte ao pleito, opositores do governo colocaram coroas de flores em frente à prefeitura, simulando um funeral, com faixas com escritos como “homenagem de João Doria, [Marco] Vinholi, corja do PSDB”. Vinholi é o presidente estadual da legenda e secretário do governo Doria.

Aos 29 anos e em sua quarta campanha, Amado foi eleito com 56,3% dos votos válidos. É sua primeira vitória depois de ter tentado uma vaga de vereador em 2012, pelo PV, a prefeitura em 2016 e uma cadeira na Câmara dos Deputados em 2018 (filiado à Rede).

O próximo prefeito afirma que sua votação foi fruto de um desejo por renovação na política local e que a influência de França não estava em jogo durante as eleições. Diz ainda que, desde 1997, será o primeiro prefeito sem vínculo direto com França ?mesmo o opositor Luis Claudio Bili, que governou de 2013 a 2016, era um dissidente dos aliados do ex-prefeito.

Mas o vencedor acrescenta que “o Márcio desenvolveu um primeiro mandato que foi bastante marcante para o município, é muito citado pelas pessoas nas ruas.” “Eu não vejo aqui necessariamente como uma derrota do Márcio na cidade. Acho que ele escolheu um caminho maior para o estado, legitimamente. Ninguém chega a vice-governador nem a governador por acaso. Ele tem uma trajetória de respeito, e eu respeito isso”, diz Amado.

“Do ponto de vista local, ele foi disputar uma campanha em São Paulo. Aqui era o cunhado dele, mas, ao mesmo tempo, não havia hipótese de ele conseguir se deslocar em duas campanhas. O que me parece é que o atual prefeito que perdeu, e não o Márcio, ainda que seja o mesmo grupo político.”

Questionado pela reportagem, França evitou comentar a derrocada de Gouvêa. Em resposta via nota, exaltou Amado e mencionou alianças do passado entre seu grupo político e o do prefeito eleito. “Kayo Amado foi candidato a vereador pelo PV nas eleições de 2012, apoiando a candidatura do Caio França (PSB) a prefeito na época. É um rapaz jovem, que se preparou e mereceu vencer as eleições.

Terá todo o nosso apoio! Inclusive com os deputados do PSB na região: Caio França, na Assembleia, e Rosana Valle, na Câmara.” Ele destaca ainda que o Podemos, partido de Amado, fez parte da coligação de sua campanha à reeleição para o Palácio dos Bandeirantes em 2018 e diz ter “grande respeito” pela presidente nacional da legenda, a deputada federal Renata Abreu (SP).

Na eleição deste ano na capital, a legenda de Renata apoiou Bruno Covas (PSDB). A vontade de França era herdar o voto dos detratores do hoje governador e ir ao segundo turno contra Covas, mas o candidato do PSB acabou com 728 mil votos, na terceira colocação. Em 2018, ele venceu Doria na capital com larga margem, quase 1 milhão de votos a mais.

Procurado, Gouvêa nega as acusações que Solange faz contra o grupo dele e diz que foi “muito agredido ao longo da campanha”. “Sofri muitos ataques por parte do PSDB e estou tomando providências jurídicas em relação a isso”, disse o prefeito. Durante a eleição, um homem em uma moto disparou tiros contra o carro em que ela estava, mas as balas pararam na blindagem.

O caso ainda está sob investigação, mas Solange disse que o ataque tinha sido político. O atual prefeito elogia Amado. “Kayo entra com um pé direito, fazendo discurso pacificador”, acrescenta. O emedebista afirma que o pleito foi decidido por fatores que não estão ligados à influência de França na cidade ?em São Vicente, em 2018, o ex-governador teve 73% dos votos válidos no segundo turno? e que gostaria que ele tivesse participado da campanha.

A leitura nos meios políticos é que a eleição de 2020 representou um enfraquecimento político de França em seu quintal, principalmente porque Gouvêa nem sequer passou para o segundo turno. No PSDB, o resultado alcançado por Solange tem sido visto como positivo, considerando que foi a estreia na política da ex-repórter da TV Tribuna (afiliada da Rede Globo), em uma campanha marcada por adversidades, como a pandemia.

Vinholi diz que a candidata tucana teve “uma votação expressiva para alguém que partiu do zero”. “Ela sai da eleição como uma nova liderança na Baixada Santista e se cacifa para disputar outros cargos eletivos em 2022 ou depois”, diz o presidente estadual do partido. Solange afirma que, nos próximos anos, fará uma oposição “séria e sem ataques”.

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