Jota Quest lança álbum de inéditas e faz do otimismo antídoto contra as dores
Por Matheus Rocha/Folhapress em 09/10/2023 às 09:30
O ano de 2019 estava acabando quando os integrantes do Jota Quest se reuniram para produzir um álbum, mas voltaram para casa com uma frustração. Poucos meses após o início dos trabalhos, a Covid-19 se espalhou, embaralhando os planos do quinteto e do resto do mundo. Não restou alternativa senão cancelar shows e engavetar o disco.
Mas o trabalho não se perdeu. Em meio ao que parecia uma terra arrasada, eles encontraram a matéria-prima necessária para criar “De Volta ao Novo”, primeiro álbum de inéditas do grupo em oito anos, lançado neste domingo (8).
“Este disco é uma vitória da vida. A gente está vivo, com energia e unidos como banda”, diz Rogério Flausino, vocalista da banda, em entrevista na casa de show Vibra, na capital paulista.
A esperança e o otimismo permeiam a maioria das nove faixas do álbum, como se elas fossem uma resposta à desesperança e ao pessimismo da pandemia. Isso fica evidente já na primeira música, intitulada “Numa Boa”.
A canção trata do fim de um relacionamento. No entanto, o que se ouve não é amargura, mas uma resignação otimista. “Eu tentei/ foi o fim/ são coisas do nosso amor/ o que conforta é saber que existe tanta vida pela frente”, diz a canção, composta com Vitor Kley.
Kley ganhou visibilidade com “O Sol”, que tocou à exaustão em 2018. A parceria é coerente, uma vez que o cantor dialoga bem com a proposta solar do disco. “Ele é um menino cheio de energia que a gente gosta para caramba”, diz Paulinho Fonseca, o baterista.
Outra parceria é com Nando Reis, que compôs “Do seu Lado”, um dos principais sucessos do Jota Quest. Desta vez, ele assina a letra da açucarada “Só o Amor Liberta”, uma ode ao romantismo.
“Nando mandou essa música linda para a gente sobre amor e reconquista”, diz Flausino. “Por meio da linguagem, a gente mostra essa vontade de ficar bem, de vencer e de querer o bem para o outro. O Jota Quest sempre foi assim. É uma banda alto astral.”
Prova disso é que eles despontaram no cenário musical cantando que iam esquecer de tudo, inclusive das dores do mundo. Releitura do clássico de Hyldon lançado na década de 1970, a música foi carro-chefe do primeiro disco do quinteto, lançado em 1996. Com elementos de black music, o trabalho vendeu cerca de cem mil cópias.
A consagração, no entanto, viria no disco seguinte, intitulado “De Volta ao Planeta”. O projeto trazia o hit “Fácil”, no qual Flausino entoa um dos refrões mais chicletes do pop nacional. “Fácil/ extremamente fácil/ pra você, e eu e todo mundo cantar junto.”
Alavancado pelo sucesso da música, o álbum vendeu 800 mil cópias e posicionou a banda como líder do pop rock no final dos anos 1990. Além disso, ajudou o grupo a construir a imagem “good vibes” que o acompanha até hoje.
“A gente é muito feliz, cara. Sonhamos com essa parada de ser artista e deu certo. A gente está sempre regando a plantinha e cuidando dela para continuar vivendo isso”, diz Flausino.
O trabalho tem sido frutífero. Depois de “Fácil”, vieram outros sucessos, como “O Sol”, “Só Hoje”, “Dias Melhores”, “Além do Horizonte” e “Blecaute”, parceria com a cantora Anitta. São músicas que sintetizam os principais temas da banda –amor, superação e esperança.
Mas esse otimismo todo não ficou estremecido em meio às últimas crises do Brasil? Quem responde é Marco Túlio, guitarrista do grupo. “O olhar mais contemplativo para a vida não nos torna alheios às problemáticas do Brasil. Até porque, à sua maneira, todo mundo vive elas. Ninguém está dentro de uma bolha. Estamos há 500 anos patinando em uma série de coisas.”
Assim como aconteceu em famílias pelo Brasil, a política gerou na banda aquilo que Marco Túlio define vagamente como “polêmicas”. Ao ser questionado sobre o que isso quer dizer, ele desconversa. “Polêmica em relação a ponto de vista que não vem ao caso, porque a ideia não é alimentá-las, e sim trazer o assunto para um olhar mais lúcido.”
A banda até trata de questões políticas, mas sem dar o nome aos bois, como aconteceu na edição de 2017 do Rock in Rio. “Ninguém está satisfeito com o que está acontecendo no Brasil. O país não é isso, e sim a verdade de cada um de nós”, disse Flausino no palco Mundo. “A paz é ainda mais importante do que todos os motivos que esses cara têm para nos roubar.”
Além da polarização política, a pandemia estremeceu os humores da banda. Em 2020, eles se apresentaram por meio de lives, mas essa alternativa logo se tornou enfadonha para os músicos. “Chegou uma hora que ninguém queria mais cantar para câmera. Em 2021, o lance de live perdeu a graça e foi a época em que a gente mais se afastou, porque não tinha disco e não tinha show”, diz Flausino.
No ano passado, eles voltaram a se reunir para discutir uma turnê de celebração aos 25 anos do grupo, que teria início em abril daquele ano. Só que eles foram pegos por um novo revés –a variante Omicron do coronavírus.
A turnê, adiada, começou em julho do ano passado em São Paulo. Durante as apresentações, o quinteto empilha uma sucessão de hits, que se tornaram parte da memória afetiva do público, seja porque embalaram o início de uma paixão, seja porque serviram de conforto em momentos difíceis.
“É um barato ver que a música fez uma diferença enorme na vida das pessoas”, diz Marco Túlio, o guitarrista. “A gente recebe vários tipos de relatos de que elas estiveram na dor e na alegria de muita gente. Isso é rico demais.”
O show e o novo disco coroam também a longevidade do grupo, algo raro para bandas nacionais –muitas delas acabaram ou passaram por mudanças profundas em sua configuração original, como O Rappa, Raimundos, Sepultura, Nação Zumbi e Charlie Brown Jr.
“Ainda temos objetivos em comum e estamos realizando um sonho de criança que deu certo”, diz Flausino. “Não é fácil. É extremamente fácil ficar junto. Mas também não é impossível.”